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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
2. Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Média, ela ainda é muito pouco conhecida, ou — o que é pior — mal conhecida por quem não é especialista.
As noções fragmentadas e contraditórias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos à Idade Média segundo a conveniência de cada um: desde o militante político que apelida a perversa concentração fundiária brasileira de “feudal”, até os novos “magos” de hoje que procuram se revestir de uma aura “medieval” para vender livros de auto-ajuda.
O fato mais grave, no entanto, é que a Idade Média segue sendo vítima de um grande preconceito.
Para muitos, ela ainda representa um período no qual a humanidade, subjugada pela ignorância e flagelada pela peste, viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisição.
Afinal de contas, continua a ser aceito o rótulo de “idade das trevas”, como se no milênio que permeia a queda do Império Romano e a chegada de Colombo à América não houvesse sido criado nada que fosse digno de nota.
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Que dizer então do canto gregoriano, da Divina Comédia ou dos avanços arquitetônicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas?
Muitas vezes estes são detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histórico esquemático, segundo o qual deve haver uma época de barbárie que anteceda e justifique o Renascimento do século XVI — e assim equívocos históricos injustificáveis são perpetuados(2).
Foi contra essa “lenda negra” que a medievalista francesa Régine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Média(3).
3. O maior obstáculo ao conhecimento da Idade Média é justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste período.
Estimulado por uma ideia preconcebida, o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histórica à mera seleção de dados que corroborem sua impressão inicial.
Acreditamos, por exemplo, ser este o defeito de O Nome da Rosa, famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do século XIV.
Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval, o resultado é no mínimo parcial: foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do já gasto bordão sobre a Idade Média crédula e obscurantista.
O fato de se tratar de um texto de ficção não muda os dados do problema.
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O conhecimento autêntico pressupõe aquela “vontade de nos enriquecermos, de sairmos de nós mesmos” que Henri-Irenée Marrou associava à virtude da docilitas, a humilde demanda da verdade(5).
“Sair de nós mesmos”, neste caso, significa estar disponíveis a ouvir com atenção o que os documentos históricos têm a nos revelar, que é o contrário de projetar sobre eles idéias ou teorias preestabelecidas.
Com efeito, a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura prévia.
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