Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Desde quando acabam as invasões, a vida ultrapassa os limites do domínio senhorial. As famílias não se bastam mais a si próprias.
Toma-se então o caminho da cidade, o tráfico se organiza, e logo, vencendo as muralhas, surgem os burgos.
É então, a partir do século XI, o período de grande atividade urbana.
Dois fatores de vida econômica, até aqui secundários, vão tomar uma importância de primeiro plano: o artesanato e o comércio.
Desde o começo a burguesia manteve um lugar preponderante no governo das cidades, uma vez que os reis, sobretudo a partir de Filipe o Belo, voluntariamente tornavam procuradores os burgueses, com seus conselhos, administradores e agentes do poder central.
Nada mais ciumentamente guardado do que as liberdades comunais, uma vez adquiridas.
A Idade Média obtém, desta maneira, esse necessário rompimento com o passado, tão difícil de se realizar na evolução normal da sociedade.
É muito provável que, se este ajustamento para os direitos e privilégios da nobreza se tivesse feito no tempo oportuno, muitas desordens teriam sido evitadas.
A realeza dá o exemplo desse movimento pela outorga de liberdades às comunas rurais.
A “Carta de Lorris”, concedida por Luís VI, suprime as “corvées”, a servidão; reduz as contribuições, simplifica o processo de justiça; e estipula além disso a proteção dos mercados e das feiras:
“Nenhum homem da paróquia de Lorris pagará quaisquer taxas ou direitos por aquilo que é necessário à sua subsistência, nem pelas colheitas feitas por trabalho seu ou de seus animais, nem pelo vinho que obteve de suas vinhas.A pequena vila de Beaumont recebe pouco depois os mesmos privilégios, e logo o movimento se delineia por todo o reino.
“A ninguém será exigida cavalgada ou expedição que não permita voltar no mesmo dia para casa, caso queira.
“Ninguém pagará pedágio para Étampes, Orléans, Milly, Gâtinais e Melun.
“O que tiver sua propriedade na paróquia de Lorris estará isento do seu confisco, se cometer alguma falta, a menos que seja contra Nós ou nossa gente.
“Ninguém que venha às feiras ou ao mercado de Lorris, ou que delas volte, poderá ser preso ou atormentado, a menos que tenha cometido alguma falta nesse dia.
“Ninguém, nem Nós nem outros, poderá impor a “talha” aos homens de Lorris.
“Nenhum dentre eles fará “corvée” para Nós, a não ser uma vez ao ano, e para levar nosso vinho a Orléans e não além.
“Todo aquele que permanecer um ano e um dia na paróquia de Lorris sem que ninguém proteste, e desde que não tenha sido proibido por Nós nem por nosso representante, daquele dia em diante será livre”.
A história da evolução de uma cidade na Idade Média é um dos espetáculos mais cativantes.
Cidades mediterrâneas, como Marseille, Arles, Avignon ou Montpellier, rivalizando pela sua audácia com as grandes cidades italianas no comércio de aquém-mar; centros de tráfico, como Laon, Provius, Troyes ou Le Mans; núcleos de indústria têxtil, como Cambrai, Noyon ou Valenciennes; todas demonstraram um ardor, uma vitalidade sem igual.
Obtiveram, além do mais, a simpatia da realeza. Já que as cidades libertas entravam na enfiteuse real, não procuravam elas por este fato, em seu desejo de emancipação, a dupla vantagem de enfraquecer o poder dos senhores feudais e aumentar com isso inesperadamente o domínio real?
Em todo caso, o que é comum a todas as cidades é a diligência com que procuram fazer confirmar essas preciosas liberdades que adquiriam, e sua pressa em se organizar, escrever seus costumes, regular suas instituições a respeito das necessidades que lhes eram peculiares. Seus usos diferiam conforme a especialidade de cada uma delas: tecelagem, comércio, metalurgia, aproveitamento do couro, estaleiros e outras.
Cada cidade possuía, num grau difícil de se imaginar em nossos dias, sua personalidade própria, não somente exterior mas interior, em todos os detalhes de sua administração, em todas as modalidades de sua existência.
Em geral elas são, pelo menos no sul, dirigidas por cônsules, cujo número varia: dois, seis, e algumas vezes doze; ou ainda um só reitor reúne o conjunto dos encargos em suas mãos, sendo assistido por um juiz representante do senhor, quando a cidade não possui a plenitude das liberdades políticas.
Muitas vezes ainda, nas cidades mediterrâneas, recorre-se ao sistema de alcaides, instituição muito curiosa.
O alcaide é sempre um estrangeiro (os de Marseille são todos italianos), ao qual confia-se o governo da cidade por um período de um ou dois anos. Em toda parte onde foi empregado, este regime foi satisfatório.
Em todo caso, a administração da cidade compreende um conselho eleito pelos habitantes — geralmente por sufrágio restrito ou a vários graus — e por assembléias plenárias, reunindo o conjunto da população, mas cujo papel é sobretudo consultivo.
As representações das corporações possuem sempre um lugar importante, e sabe-se bem qual foi o papel desempenhado pelo representante dos comerciantes em Paris nos movimentos populares do século XIV.
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