domingo, 29 de setembro de 2024

A cavalaria é a sucessora terrestre da milícia de São Miguel Arcanjo


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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O pensamento da Idade Média está penetrado em todas suas partes por crenças religiosas.

De um modo análogo está embebido do ideal cavalheiresco, i. é, do pensamento daquele grupo que vive na esfera da corte e da nobreza.

As crenças religiosas estão postas a serviço deste ideal.

O feito de armas do arcanjo São Miguel contra Lucifer foi ‘a primeira batalha de uma proeza que jamais conseguiu ser igualada’.

O arcanjo é o antepassado da cavalaria ‘milice terrienne et chevalerie humaine’ -- ‘milícia terrena e cavalaria humana’.

A cavalaria é a sucessora terrestre do exército dos anjos em torno do trono do Senhor.

 

Autor: Johan Huizinga, “El Otoño de la Edad Media”, Revista de Occidente, S.A. Madrid, 1965, 6ª. ed., p. 101.



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domingo, 22 de setembro de 2024

Por quê o Monte de São Miguel Arcanjo foi consagrado ao Príncipe das Mílicias Celestes

Luis Dufaur
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Segundo as crônicas, no ano 708 o Arcanjo São Miguel apareceu duas vezes a Santo Aubert –– Bispo de Avranches, cidade situada no fundo da baía — ordenando-lhe que erguesse uma capela em sua honra no rochedo que então se chamava Monte Tumba (ou Túmulo).

Inseguro quanto à realidade da visão, o bispo protelou a construção da capela.

Apareceu-lhe então pela terceira vez São Miguel, tocando-lhe a cabeça com o dedo, de tal modo que Aubert não pôde mais duvidar.

Esse sinal ficou marcado indelevelmente no crânio do santo, durante muito tempo exposto no tesouro da basílica de São Gervásio, de Avranches.

Há exatos 1300 anos, em 16 de outubro de 709, Santo Aubert consagrou ali a primeira igreja em honra do Arcanjo, e o monte tomou a partir de então o nome do Chefe da Milícia Celeste.

Durante a Idade Média, o Monte São Miguel tornou-se um dos mais importantes centros de peregrinação, ao lado de Roma e de Santiago de Compostela.

Os penitentes tomavam o “caminho do Paraíso” em busca do auxílio do Arcanjo.



Autor: Wilson Gabriel da Silva




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domingo, 15 de setembro de 2024

A construção com os materiais da região

Bruges, na Bélgica.
Bruges, na Bélgica.
Luis Dufaur
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Sabe-se na Idade Média que não existe conforto sem paredes espessas servindo de proteção.

Segundo os recursos do local, são construídas em tijolo ou em pedra talhada, no caso dos ricos.

Na maior parte dos casos, mistura-se madeira e adobe, como acontece um pouco por toda parte até aos nossos tempos.

Constrói-se no chão toda a armadura da fachada, em vigas sabiamente unidas umas às outras.

A seguir procede-se de uma só vez ao levantamento, com a ajuda de cabrestantes, macacos e polés, para depois se guarnecer os interstícios com tijolos ou com o material usado na região.

As igrejas que nos restam dão em geral a nota do aspecto das casas.

No Languedoc triunfa o tijolo rosa, que dá um brilho tão particular às igrejas de Toulouse ou de Albi.

Kayserberg, na Alsácia, França.
Kayserberg, na Alsácia, França.
Em Auvergne constrói-se em pedra, aquela sombria pedra de Volvic de que a catedral do Puy ou a de Clermont-Ferrand fornecem imponentes exemplos.

Nas regiões de terra argilosa, como no Midi provençal, casas e monumentos são cobertos de telhas, que tomaram ao sol essa cor de mel tão característica em aldeias como Riez ou Jouques.

Na Borgonha a telha é de preferência envernizada, rebrilhando os telhados em cores ofuscantes, como no hospício de Beaune e Saint-Bénigne de Dijon.

Na Touraine, no Anjou, utiliza-se a ardósia extraída na região.

E quando as igrejas não são abobadadas, apenas emadeiradas como acontece frequentemente no norte e em torno da bacia parisiense, é porque as florestas, mais numerosas do que as pedreiras, tornavam este modo de revestimento mais econômico.

Nessas regiões, as residências dos particulares eram quase sempre cobertas de colmo, mesmo na cidade, o que não deixava de aumentar os riscos de incêndio.


Leis municipais ditadas pelo costume e os usos locais

Beehive Cottage, em Lyndhurst. Grã-Bretanha. Exemplo de casa camponesa.
Beehive Cottage, em Lyndhurst. Grã-Bretanha. Exemplo de casa camponesa.
Um pouco em toda parte, as autoridades municipais prescreviam aos habitantes medidas de prudência para evitar os sinistros.

O toque de recolher não tinha outra razão de ser.

Em Marselha recomenda-se aos armadores, quando procedem à brusque (operação que consiste em aquecer a quilha do navio em construção, para o besuntar mais facilmente de pez), que vigiem a chama para esta não ultrapassar uma certa altura.

Dizem os estatutos da cidade: “Nem sempre está ao alcance do homem conter as chamas que ele próprio ateou”.

Após um incêndio que ocorreu em Limoges em 1244, destruindo vinte e duas casas, mandou-se construir vastos reservatórios de água, aonde os burgueses se vinham abastecer em caso de alerta.

Quando se declarava um incêndio, era dever de todos acorrer com um balde d’água ao toque a rebate.

Toda a gente devia colocar outro balde diante da porta de casa, por precaução.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)







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domingo, 8 de setembro de 2024

Como o povo medieval fazia leis

Luis Dufaur
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O povo medieval legislava elaborando as leis consuetudinárias.

Consuetudo é uma palavra latina que significa costume. A lei consuetudinária não era feita por legisladores encerrados num Parlamento.

A lei consuetudinária registrava no papel os costumes criados por todas as categorias sociais na vida de todos os dias.

Essas leis eram guardadas na mente dos populares. Os anciões eram seus guardiões mais zelosos.

Quando a necessidade impunha, essas leis orais eram escritas em pergaminhos. Estes eram guardados como tesouros.

As leis consuetudinárias eram verdadeiros compêndios de sabedoria popular.

Nem o rei, nem o nobre, nem os eclesiásticos podiam ir contra o costume, desde que não violasse a Lei de Deus e os demais costumes já existentes. O resultado era que o povo medieval tinha um grau de autonomia insuspeitado.

Pouco antes da Revolução Francesa, quer dizer, já bem depois da Idade Média, ainda a metade do país era regido por códigos de leis consuetudinárias orais, não escritas.

A outra metade, por códigos escritos de leis também consuetudinárias mescladas com leis nacionais editadas pelos reis absolutos pós-medievais. Acresce que em certas regiões havia superposição de códigos escritos e leis orais.

Pode parecer confusão, mas na prática era uma fonte de liberdade e aconchego legal insuspeitável que contribuiu muito à "doucer de vivre" francesa: a "doçura de viver", a vida fácil e larga sem muitos constrangimentos legais ou burocráticos.

Entre as primeiras coisas que fez a Revolução Francesa foi abolir esses sistemas consuetudinários.

Tudo ficou sendo decidido por legisladores "iluminados" na capital, desconectados da vida real local.

Foi Napoleão que impôs seu Côdigo de leis a todo o país: a vontade omnímoda central do imperador-soberano passou por cima de tudo.

Muitos países "democráticos" passaram a imitar o Código de Napoleão. Brasil entre eles.

Mas, voltando às leis consuteudinárias medievais, o que acontecia era que na vida quotidiana de povos que aspiravam à perfeição, o bom costume aceito pelo conjunto virava lei.

Violar essa lei, ainda no periodo que não estava transcrita, soava como gesto de insensato.

Grande parte das leis existentes na Idade Média era fruto de costumes repetidos que se transformaram em norma.

Esta variava de feudo para feudo, como por exemplo, o modo de passar recibo, de legar herança, como também as leis de compra e venda de mercadorias, etc.; porque tudo nascia dos costumes do povo.

As leis sobre comércio, indústria e trabalho nasciam das relações de trabalho.

Dessa maneira, a lei estava adatada à realidade e todos se sentiam a vontade praticando-a até de modo exemplar.

O povo então amava a lei e até se regozijava com ela ponderando sua cordura, moderação e seus infinitos jeitinhos.

Os Reis apenas ordenavam que fossem escritas, reviam e corrigiam o que fosse injusto ou contrário à doutrina e à lei da Igreja.

Era uma participação efetiva no direito de legislar, de que gozava o povo na Idade Média.

A lei consuetudinária começou a ser desrespeitada pelo absolutismo real que apareceu durante a decadência da era medieval.

O menosprezo aumentou com os déspotas esclarecidos inspirados pelo Iluminismo revolucionário após a Idade Média.

A Revolução Francesa consagrou o sistema de legisladores e teorizadores democráticos que legislam longe da realidade. Então a lei escrita foi se descolando da vida concreta.

Sob certos aspectos, virou para muitos uma espécie de flagelo do qual até os cidadãos honestos não querem apanhar e tentam fugir.

Tal é o caso da escalada devoradora dos impostos e as impenetráveis Babéis da burocracia moderna.





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domingo, 1 de setembro de 2024

As classes modestas modelavam as classes mais altas

Luis Dufaur
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Numa sociedade harmônica com desigualdades proporcionadas, as classes mais modestas têm uma forma de modelar as classes mais altas

Salvo em nações muito pequenas que têm uma classe só, como Andorra, por exemplo, que é uma república de vaqueiros, em todas as sociedades deve haver classes.

Mas, numa sociedade bem ordenada como a medieval, a classe mais alta é o produto característico de toda sociedade.

A sociedade se mirava na sua classe mais alta como o artista se mira na sua obra de arte.

Isto é assim porque as classes mais modestas têm uma forma de modelar as classes mais altas que é verdadeiramente interessante.

Por exemplo, um concerto. Na sala está o músico dando o concerto. A gente dirá quanto esse músico modela o espírito artístico do povo.

É verdade, mas uma análise mais profunda mostra que existe uma reciprocidade: quanto o público modela o artista.

Porque instintivamente o artista procura aplauso, e se o povo aplaude nos lugares certos, o artista insiste nesses lugares.

Isso é sobretudo verdadeiro no teatro. No teatro se o artista é aplaudido bem em certas horas por um público inteligente, toda a nível cultural ligado ao teatro nesse povo sobe. Se ele é aplaudido nos lugares errados, aquilo tudo baixa de nível.

Uma vez na Europa eu fui a uma peça de Verdi chamada “Aida”. Eu não gosto da “Aida” e não gosto de Verdi, mas de qualquer maneira fui ver.

Eu olhava em torno de mim, todo o mundo com o sério do sono, e não com o sério de quem presta atenção na música, etc.

Em certo momento entra um carro egípcio puxado por bois.

Nesse povo há muitos criadores de gado, e na hora que entraram os bois estourou o entusiasmo da platéia: “Ah, muito bem!” Batiam com os pés no chão, “viva!”

Eu pensei: esse público deforma o artista porque isso não é a hora de fazer esse bulício todo. Na hora em que entra o boi, entra o grande aplauso, o povo deforma.

Se, pelo contrário, o público tivesse senso da ópera e do teatro e aplaudisse no momento certo, aí ele modelava bem os artistas.

Num outro país eu vi “Edipo rei”. Num certo momento, chegava a hora em que o Edipo ia cegar-se a si próprio para aplacar a cólera dos deuses.

E então, ele fazia um monólogo em cena, como quem está pensando alto.

É uma cena trágica, até que diz “tout est clair!” Mas o ator dizia o “tout est clair” com o jeito de quem encontrou a verdade, mas a verdade é acabrunhadora e vai exigir dele o sacrifício inominável de cegar-se a si próprio, de desistir dos bens que tinha, expatriar-se e caminhar como um cego pelas estradas da Grécia pedindo esmola.

Então ele para e diz: “Tout est clair! oh! tout est clair!”, e faz um gesto trágico na hora de penetrar na obscuridade definitiva...

Os empresários do teatro tiveram o bom-senso de não exigir que ele arranque os próprios olhos no palco com o pano alto.

Essa cena pungente arrancou do público desse teatro mais aplausos do que os bois provocaram nesse outro país.

Assim o público modela os artistas.

E esse fenômeno natural dá-se também nas sociedades com classes harmônicas e proporcionadas: as classes modestas modelam as classes altas que as dirigem.

Assim também na São Paulo antiga. Quando havia grandes festas particulares, os automóveis iam deixando os convidados que iam, todos em traje de gala ‒ hoje não há mais gala nem grandes festas, mas ante era assim ‒.

O povinho ficava de pé nas calçadas olhando as pessoas.

E eu tive a impressão de que o povinho formava uma opinião a respeito das pessoas que passavam e que comentava.

Quem estava dentro dos automóveis fingia que não percebia, mas percebia.

Assim o povinho sem querer, em certo sentido naturalmente, modelava o pessoal que passava.

Uma vez que houve uma grande festa, eu resolvi não ir à festa para me meter no meio do povinho para ver como é que reagia.

Era isso mesmo: “olha aquela! olha aquele outro, olha aqui, depois isso, depois aquilo; não, não é”, não entravam de acordo, etc., etc.

O automóvel passava com as pessoas hieraticamente sentadas, em geral sem conversarem, prova de que estavam prestando atenção no que se dizia deles.

Eles modelavam o povo e o povo modelava a eles. Uma espécie de reciprocidade.

Tomem a pessoa mais rica ou mais poderosa, vamos dizer um grande escritor. Dois garis comentam: “olha lá vai fulano”.

Um deles diz: “eu não gosto dele, já li muitos romances dele, acho cacetes”. O outro diz: “não, eu achei até, pelo contrário, muito vivos.”

É fatal, o literato ainda que seja Prêmio Nobel começa a andar mais devagar para ouvir o que é que os dois lixeiros estão conversando. É fatal.

Também os alunos modelam até certo ponto o professor. Naturalmente, o professor modela o aluno muito mais. Mas o aluno modela o professor. É uma modelagem recíproca.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 1/4/92. Sem revisão do autor.)



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