domingo, 12 de outubro de 2025

Por que os filhos parecem com os pais
As forças misteriosas da hereditariedade

No ambiente familiar se transmite um espírfito único de geração em geração, Hugo Engl (1852 - 1926). Wikimedia Commons
No ambiente familiar se transmite um espírito único de geração em geração,
Hugo Engl (1852 - 1926). Wikimedia Commons
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Num discurso à nobreza romana, Pio XII fala das forças misteriosas da hereditariedade.

São misteriosas, de fato, pois que até hoje os biologistas não conseguiram definir satisfatoriamente as regras que presidem a hereditariedade.

Mas ela é um fato, e muito importante, constatado sob mil aspectos diversos.

Cada homem traz dentro de si várias hereditariedades.

Somos a resultante biológica de um sem número de correntes de vida, que vieram ter em nós o seu ponto de encontro.

Assim como numa lagoa existem águas de diversos rios que nela desembocam, assim existem em nós essas hereditariedades.

Somos recipientes em que várias correntes do passado se fundem.

O pintor John Singleton Copley e três gerações de sua família (1738 – 1815)
O pintor John Singleton Copley e três gerações de sua família (1738 – 1815)
A hereditariedade física, em primeiro lugar, que se atesta pela semelhança dos traços, pela transmissão da saúde e dos defeitos, da beleza e da feiúra, da graça ou do emburramento, da elegância ou do desengonçamento.

Tudo são hereditariedades.

Conhecemos certas famílias que timbram pelo bom gosto no trajar-se; outras, pelo mau gosto.

Um exemplo bem descrito é a família Guermantes-Courvoisier, de Marcel Proust, que estava sempre na penúltima moda.

Tudo isto, embora muito relacionado com a hereditariedade física, o está ainda mais com a mental.

Deus cria as almas para os corpos, e cada uma é criada com adequação para um determinado corpo.

Assim, havendo hereditariedade física, Deus a respeita, criando almas hereditariamente semelhantes aos corpos que irão nascer.

Se bem que a alma não seja transmitida dos pais para os filhos, mas infundida por Deus, há uma continuidade na sua obra.

Pode-se atestar numa família uma série de disposições de alma, puramente espirituais, mas também ligadas a este fenômeno da hereditariedade.

Temos então uma realidade que na família atravessa gerações: a transmissão de um conjunto de predicados físicos e morais.

Essa transmissão é o primeiro núcleo daquilo que se chama tradição.

Tradere significa entregar; é o que se transmite, o que se entrega.

O espírito familiar nasce naturamente em qualquer parfte onde há família, como esta indo a Missa em algum lugar da antiga Rússia. Sergei Ivanov (1864-1910) Wikimedia
O espírito familiar nasce naturalmente onde há família,
como esta indo a Missa em algum lugar da antiga Rússia.
Sergei Ivanov (1864-1910) Wikimedia
O primeiro dado da tradição é a transmissão de caracteres físicos e morais.

A hereditariedade e o ambiente

Esta transmissão de caracteres físicos e morais é acentuada pelo ambiente.

Suponhamos que eu, comentou o Dr. Plinio Correa de Oliveira, que tenho uma inclinação natural para a advocacia, tendo nascido numa família de advogados, fosse transplantado artificialmente para uma de financeiros, que entende de preço de sapatos, qualidade de graxas, alta dos couros, etc.

Eu teria me tornado um ser meio engarrafado, porque as aptidões naturais que em mim jazem em estado germinativo teriam ficado sem a possibilidade de se expandir.

No momento em que eu quisesse fazer um rodeio de frases bem feito, uma argumentação sutil, não encontraria nas graxas e nos sapatos matéria para tal.

Eu precisaria conversar e interessar-me pelas graxas, ficando meio contaminado pela sua sujeira.

O resultado é que eu poderia talvez até dar um bom comerciante de graxas, mas haveria algo de irremediavelmente trincado em minha pessoa.

As forças profundas de minha hereditariedade pediam que eu fosse advogado, intelectual, mas as circunstâncias da vida teriam esmagado este apelo do meu ser, e me imposto uma personalidade artificial.

As famílias dotadas para governar bem são essenciais para um bom governo. O rei Luis XIV e familia. Atribuido a Nicolas de Largillière  (1656 – 1746),  Wallace collection
As famílias dotadas para governar bem são essenciais para um bom governo.
O rei Luis XIV e familia. Atribuido a Nicolas de Largillière  (1656 – 1746),  Wallace collection

Como, pelo contrário, fui educado numa família de advogados, os meus pendores naturais tiveram expansão, e pude realizar-me.

Tudo o que em mim havia em estado germinativo desabrochou, floresceu, e realizou o pouco que podia realizar.

Num ambiente de família onde existe hereditariedade de alma, de corpo e de atmosfera moral, encontramos todo um ambiente espiritual que acentua o efeito da hereditariedade, obrigando a pessoa a dar absolutamente tudo quanto tem.

Mas a hereditariedade é uma força cheia de mistérios.

Tem exceções, é próprio dela ter exceções, às vezes até gloriosas.

Há homens que brilhantemente rompem a crosta das disposições familiares, para virem a ser algo muito mais alto.

Mas a regra geral permanece intacta.



 Continua no próximo post: A tradição familiar, as estirpes e o governo do Estado




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domingo, 5 de outubro de 2025

Do abismo do caos saiu o inimaginável:
a grande ordem medieval

A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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A Idade Média, tal como se apresentava no seu ponto de partida, corria o risco de nunca conhecer senão o caos e a decomposição.

Nasceu de um império desmoronado e de vagas de invasões sucessivas, formada por povos desarmônicos que tinham cada um os seus usos, seus quadros e sua ordem social diferentes, quando não opostos.

Quase todos esses povos bárbaros tinham um sentido muito vivo das castas, da sua superioridade de vencedores.

De ali só poderia sair o mais inconcebível esboroamento, e de fato o apresentou no início.

Contudo, verificamos que nos séculos XII e XIII essa Europa tão dividida, tão perturbada por ocasião do seu nascimento, atravessa uma era de harmonia e de união tal como nunca conhecera.

E talvez não conhecerá mais no decorrer dos séculos.

Ds bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos, só podia resultar o desabamento geral
Dos bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos,
só podia resultar o desabamento geral
Por ocasião da primeira cruzada, vemos príncipes sacrificarem os seus bens e os seus interesses, esquecer as suas querelas para tomarem juntamente a Cruz.

Os povos mais diferentes reuniram-se num único exército.

A Europa inteira estremeceu à palavra de um Urbano II, de um Pedro, o Eremita, mais tarde de um São Bernardo ou de um Foulques de Neuilly.

Vemos monarcas, preferindo a arbitragem à guerra, submeter-se ao julgamento do Papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões.

Fato ainda mais notável, encontramo-nos perante uma Europa organizada.

Ela não é um império, não é uma federação — é a Cristandade.

É preciso reconhecer aqui o papel representado pela Igreja e pelo papado na ordem europeia.

Foram, com efeito, fatores essenciais de unidade.

A diocese, a paróquia, confundindo-se frequentemente com o domínio, foram durante o período de decomposição da Alta Idade Média as células vivas a partir das quais se reconstituiu a nação.

As grandes datas que para sempre marcariam a Europa são as da conversão de Clóvis, assegurando no mundo ocidental a vitória da hierarquia e da doutrina católicas sobre a heresia ariana.

E a coroação de Carlos Magno pelo Papa Estêvão II, que consagra o duplo poder espiritual e temporal, cuja união formará a base da cristandade medieval.

É preciso ter em conta, de uma maneira mais geral, a influência do dogma católico que ensina que todos os filhos da Igreja são membros de um mesmo corpo, como o lembram os versos de Rutebeuf:

Tous sont un corps en Jésus-Christ,

Dont je vous montre par l’écrit

Que li uns est membre de l’autre.


Todos somos um só corpo em Jesus Cristo,

E assim eu vos mostro, pelo que está afirmado,

Que nós somos membros d’Ele.

Busto-relicário de Carlos Magno. Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
Busto-relicário de Carlos Magno.
Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
A unidade de doutrina, vivamente sentida na época, jogava a favor da união dos povos.

Carlos Magno compreendera-o tão bem que, para conquistar a Saxônia, enviava missionários de preferência a exércitos, e o fazia por convicção, não por simples ambição.

A história repetiu-se no Império Germânico com a dinastia dos Otões.

A Cristandade pode definir-se praticamente como a “universidade” dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual.

Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem europeia assaz desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa contudo quando a examinamos no seu conjunto.

A paz na Idade Média foi muito precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, “a tranquilidade da ordem”.




(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


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domingo, 28 de setembro de 2025

O rei medieval: mais pai de família que governante moderno

São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
Grandes Chroniques de France. Bibliotèque Nationale, Paris
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Se a sociedade medieval funcionava com um organismo regido por uma vida própria, com uma extraordinária variedade de usos e costumes e uma estonteante autonomia nas leis e normas a todos os níveis, então como se podia exercer a autoridade real sobre um corpo que como que não precisava de cabeça?

O teólogo Henri de Gand vê na pessoa do rei um chefe de família, defensor dos interesses de todos e de cada um.

Tal parece ser bem a natureza da monarquia medieval.

O rei, colocado no topo da hierarquia feudal tal como o senhor na direção do domínio e o pai na chefia da família, é simultaneamente um administrador e um justiceiro.

É o que simbolizam os seus dois atributos — o cetro e a mão da justiça.

Como administrador, o rei tem em primeiro lugar ocasião de exercer o poder diretamente sobre o seu próprio domínio.


Conhece por experiência própria os detalhes administrativos de um feudo e sabe o que pode exigir dos seus vassalos, tendo nesse feudo os mesmos direitos e os mesmos deveres que eles.

Em diversas ocasiões, isto foi importante para o conjunto do reino.

Ora mais ora menos, um vassalo é tentado a imitar o suserano, daí o poder real ter podido dar aos barões exemplos salutares.

As reformas que ele introduzia no seu domínio, mas que não tinha o direito de impor aos outros, difundiam-se muitas vezes ao conjunto do país, como foi o caso da liberdade geral para os servos do domínio, no início do século XIV.

Isto provocava uma emulação benfazeja, da qual a própria realeza por vezes se beneficiava.

Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália
Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor 
que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália
Assim, os grandes vassalos tinham o direito de cunhar moeda, mas o rei, velando por que a sua fosse sempre a mais sã e a mais justa, acabou por levar toda a França a preferi-la às outras.

Não se deve, aliás, dar crédito à lenda dos reis falsos moedeiros, que só pode ser confirmada no caso de Filipe, o Belo, e para as épocas das grandes misérias públicas da Guerra dos Cem Anos.

Sobre os domínios senhoriais, o rei possui apenas um poder indireto.

Os barões que dependem imediatamente dele são pouco numerosos, mas todos podem apelar ao rei a propósito do seu suserano, e as ordens que ele dá transmitem-se por uma série de intermediários em todo o reino.

O direito que ele exerce é essencialmente um direito de controle: velar por que tudo o que está prescrito pelo costume seja normalmente executado, manter a “tranquilidade da ordem”.

A esse título ele é o árbitro designado para apaziguar as querelas entre vassalos.

O rei não tinha poder algum sobre a família. Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real
O rei não tinha poder sobre a família nem sobre seus membros.
Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real.
Pela razão que todos querem saber da família real inglesa atual.
Belo exemplo é a resposta de São Luís aos que lhe sugeriam, segundo o Dit d’Amiens, que seria melhor deixar os barões baterem-se entre si, com o que se enfraqueceriam a si próprios:

“Se eu os deixasse guerrear, poderiam estabelecer acordo entre si e dizer que o rei só os deixa guerrear devido à sua malícia.

“E poderia acontecer que se voltassem contra mim, pelo ódio que me teriam, portanto seria eu a perder; sem contar que eu conquistaria o ódio de Deus, que considera benditos os apaziguadores”.


Esse poder poderia permanecer completamente platônico, já que durante a maior parte da Idade Média o rei de França, com o seu exíguo domínio, dispõe de recursos inferiores aos dos grandes vassalos.

Mas o prestígio que lhe confere a unção,* além do elevado comportamento moral da linhagem capetiana, revelam-se singularmente eficazes contra os senhores mais turbulentos.

* - A unção, feita pelo arcebispo de Reims com o óleo da Santa Âmbula aí conservada, consagra a pessoa real. Os primeiros capetianos, para assegurarem a sua sucessão, tomavam o cuidado de mandar ungir os filhos enquanto ainda estavam vivos.

Prova-o suficientemente o exemplo do rei da Inglaterra, declarando que não pode fazer cerco ao local onde se encontra o seu suserano; e também o deste mesmo rei, recorrendo à arbitragem real para regular os seus próprios diferendos com os barões.

(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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domingo, 21 de setembro de 2025

Realeza: grande protetora dos burgueses e camponeses

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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A realeza dá o exemplo desse movimento pela outorga de liberdades às comunas rurais.

A “Carta de Lorris”, concedida por Luís VI, suprime as “corvées”, a servidão; reduz as contribuições, simplifica o processo de justiça; e estipula além disso a proteção dos mercados e das feiras:

“Nenhum homem da paróquia de Lorris pagará quaisquer taxas ou direitos por aquilo que é necessário à sua subsistência, nem pelas colheitas feitas por trabalho seu ou de seus animais, nem pelo vinho que obteve de suas vinhas.

“A ninguém será exigida cavalgada ou expedição que não permita voltar no mesmo dia para casa, caso queira.

“Ninguém pagará pedágio para Étampes, Orléans, Milly, Gâtinais e Melun.

“O que tiver sua propriedade na paróquia de Lorris estará isento do seu confisco, se cometer alguma falta, a menos que seja contra Nós ou nossa gente.

“Ninguém que venha às feiras ou ao mercado de Lorris, ou que delas volte, poderá ser preso ou atormentado, a menos que tenha cometido alguma falta nesse dia.

“Ninguém, nem Nós nem outros, poderá impor a “talha” aos homens de Lorris.

“Nenhum dentre eles fará “corvée” para Nós, a não ser uma vez ao ano, e para levar nosso vinho a Orléans e não além.

“Todo aquele que permanecer um ano e um dia na paróquia de Lorris sem que ninguém proteste, e desde que não tenha sido proibido por Nós nem por nosso representante, daquele dia em diante será livre”.

A pequena vila de Beaumont recebe pouco depois os mesmos privilégios, e logo o movimento se delineia por todo o reino.

(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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domingo, 14 de setembro de 2025

A nobreza do campo levou o esplendor aos castelos
ao mundo agrícola

A nobreza do campo encarnava a identidade da região, Carnasciale, Itália
A nobreza do campo encarnava a identidade da região,
Carnasciale, Itália
Luis Dufaur
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Vencidos os tempos caóticos típicos do início da Idade Média, os nobres que viviam nos castelos-fortalezas foram reformando seus castelos e lhes dando o ar elegante e maravilhoso que hoje contemplamos.

A nobreza continuou assim vivendo no meio do campo numa residência muito boa.

Os castelos na Idade Média, de início rústicos, maciços e austeros por causa de sua finalidade militar, foram sendo ajeitados.

E das inacessíveis fortalezas feudais se passou às residências magníficas que deslumbram os séculos.

Nelas viviam os nobres do campo.

Eles não os derrubaram, mas fizeram algo mais interessante e inteligente: procuraram conservar, tanto quanto possível, o tom medieval original.

E fizeram disso um ponto de honra: afinal de contas foi naquelas torres e muralhas que seus antepassados viveram e morreram para salvar a civilização e a região onde estão instalados.

Interior do castelo de Chaumont, França
Interior do castelo de Chaumont, França
É a dimensão histórica que faz dos castelos medievais algo como que insuperável, mesmo pelas tentativas de imitação como a Disneylândia.

Quando os povos foram se cristianizando, os costumes ficaram menos violentos e a paz foi se instalando por toda Europa.

Os castelos deixaram de ter a finalidade quase exclusivamente militar originária.

Então, os nobres do campo apelaram ao melhor da arquitetura e das artes para embelezar as fortalezas.

Como no tempo dessas melhoras predominava a arte renascentista, censurável debaixo de alguns aspectos e admirável debaixo de outros, os nobres do campo fizeram uma seleção dos novos estilos.

Quarto do castelo de Chenonceaux
Quarto do castelo de Chenonceaux
E criaram uma coisa única: as mais maravilhosas residências dos Tempos Modernos, que reuniam a história e o progresso das artes.

Os castelos de Chenonceaux e de Chambord, para só citar esses, são um exemplo muito concreto.

E as fortalezas militares viraram verdadeiros palácios, e que ainda se chamam de castelos.

O luxo interior, antes inexistente, passou a ser grande, os parques, outrora sacrificados por razoes militares, ficaram magníficos, os terrenos que a nobreza reserva para si passaram a ser plantados como por um pintor formando conjuntos arborizados de sonho.

Nesses parques, instalaram lindos jogos de artifício de água, com espelhos aquáticos e jorros fantasiosos que entretêm a vida do campo, que sem eles facilmente se torna monótona.

A nobreza melhorou os caminhos e ficou muito fácil a viagem de visita de uns castelos para outros, de uns palácios para outros.

Galeria no castelo de Scone, Perth, Escócia
Galeria no castelo de Scone, Perth, Escócia
De maneira que a todo o momento os nobres se reuniam no castelo ou no palácio de um ou de outro para festas de família, casamentos, batizados, reuniões, ou para tratar de interesses comuns da agricultura, ou inclusive interesses políticos gerais.

Muito frequentemente esses castelos de origem medieval eram bem conservados, e ficavam muito bonitos, com tapeçarias, vitrais, móveis finamente trabalhados com as melhores madeiras, porcelanas, pratarias que o comércio trazia para a Europa de continente longínquos, como a Ásia ou a América do Sul, portuguesa ou espanhola.

Também conservavam recordações dos grandes feitos de guerra dos antepassados: armaduras medievais, salas exclusivamente destinadas a servir de uma espécie de museu de armas medievais.

Sala de jantar de Blenheim Palace, Reino Unido
Sala de jantar de Blenheim Palace, Reino Unido
Então aquelas armaduras que cobriam inclusive o rosto, postas de pé apoiadas sobre uma espada, por vezes de meter medo, com aquela presença dava a impressão de que de dentro uma recordação prestigiosa dizia: "Lembre-se que eu fui um herói".

Era frequente também que, nas peças de mobiliário do castelo, figurasse com destaque o escudo da família.

O escudo é como um resumo simbólico do passado e da ascendência da família.

Conhecido como “as armas”, o escudo, ou brasão, incluía aquilo que o duque de Saint-Simon, grande escritor sobre essa matéria, chama de la chimère, quer dizer as origens por vezes quiméricas da família.

Pois muitas daquelas grandes famílias pretendiam descender, de um modo ou do outro, de reis, de príncipes, de figuras famosas, de cruzados, de heróis de guerra, mas a relação ou as provas se tinham perdido através dos séculos.

Esses brasões provinham de costumes imemoriais e davam uma nota de esplendor e de fantasia oriental à atmosfera que cercava a nobreza. E dignificavam a família em um grau extraordinário.

O nobre de fazenda, para usarmos uma expressão caracteristicamente brasileira, representava a força, a coragem, a capacidade de lutar, a capacidade de organização da vida agrícola, virtudes reconhecidas por todos.

Refeitório dos empregados (representados com figuras de cera) no castelo de Breteuil, Ile de France
Refeitório dos empregados (representados com figuras de cera)
no castelo de Breteuil, Ile de France
As senhoras deles naturalmente eram menos rudes, mas montavam a cavalo também e eram a versão feminina de seus maridos.

Isso punha-as muito em contato com os pobres do feudo, e não era raro que muitas delas ajudassem economicamente os pobres.

Para isso mantinham enfermarias nos salões inferiores do castelo.

Também tinham salas onde a senhora do lugar uma vez por semana, às vezes no próprio domingo, recebia os aldeões mais necessitados ou preocupados.

E até tinham uma espécie de consultório médico com os remédios primitivos da época e distribuíam segundo os casos.

Elas entendiam muito de remédios, e ainda não tinham aparecido os médicos especializados com muito mais competência de nossos dias.

Então, elas aprendiam mais ou menos a arte de curar, davam receitas e remédios caseiros, naturalmente grátis, socorriam os pobres, os acidentados, e encaminhavam para o hospital da cidade – em geral religioso – algum necessitado para cuja situação não havia remédio no feudo.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, palestra em 8/4/94, sem revisão do autor)




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