domingo, 27 de março de 2022

Convocação de Cruzada pelo beato Papa Urbano II

A catedral de Clermont-Ferrand construída no local onde o Papa Urbano II pregou a primeira Cruzada.
A catedral de Clermont-Ferrand construída no local
onde o Papa Urbano II pregou a primeira Cruzada.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




No dia 27 de novembro de 1095, no encerramento do Concílio de Clermont-Ferrand, o bem-aventurado Papa Urbano II se dirigiu à multidão de bispos e cavaleiros, maioritariamente franceses, congregados na cidade para um fato transcendental.

Com palavras divinamente inspiradas, o Papa Urbano II hoje nos altares convocou a primeira Cruzada da História. Ele não leu um texto escrito nem ficou registrado com qualquer método moderno.

Mas, a formidável impressão causada pode se medir pela inusitada quantidade de relações de testemunhas presentes. Dentre elas se destacam as versões escritas por Roberto o monge, Guibert de Nogent, Foucher de Chartres, Guilherme de Tiro, Orderic Vital e Balderico arcebispo de Dol.

Em séculos mais próximos, historiadores de renome condensaram esses testemunhos em diversas publicações de grande autoridade.

A continuação apresentamos a condensação feita por Joseph-François Michaud (1767-1839) na sua célebre “História das Cruzadas”, que concorda grandemente com a versão da não menos célebre “História Universal da Igreja Católica” do Pe. René Rohrbacher.

Em outros posts temos reproduzidas outras versões:

Sermão do Beato Urbano II convocando a Primeira Cruzada

Bem-aventurado Papa Urbano II: a versão mais completa do Sermão da Cruzada. Conhecida como “Popolo dei franchi”.

O Patriarca de Jerusalém implora o socorro do Papa e dos Príncipes

A fama das peregrinações ao Oriente fez Pedro (o Eremita) sair de seu retiro. Ele seguiu a multidão dos cristãos à Palestina, para visitar os santos lugares. (...)

Depois de ter seguido seus irmãos ao Calvário e ao Sepulcro de Jesus Cristo, foi ter com o Patriarca de Jerusalém. Os cabelos brancos de Simeão, sua venerável figura e principalmente a perseguição que ele havia sofrido, mereceram-lhe toda a confiança de Pedro: eles choraram juntos os males dos cristãos. (...)

Pedro disse-lhe, que talvez um dia os guerreiros do Ocidente seriam os libertadores de Jerusalém.

Sim, sem dúvida, replicou o Patriarca; quando nossa aflição chegar ao auge, quando Deus se comover, ante nossas misérias, Ele moverá o coração dos Príncipes do Ocidente e os mandará em auxílio da cidade santa. (...)

O Patriarca resolveu implorar por meio de cartas o socorro do Papa e dos Príncipes da Europa. (...)

Depois dessa entrevista, Pedro ficou persuadido de que o céu mesmo o havia encarregado de vingar sua causa.

Um dia, quando estava prostrado diante do Santo Sepulcro, pareceu-lhe ouvir a voz de Jesus Cristo que lhe dizia: Pedro, levanta-te, corre a anunciar as tribulações de meu povo; é tempo de que meus servidores sejam socorridos e os lugares santos, libertados”.

Cheio do espírito dessas palavras que lhe ecoavam continuamente ao ouvido, (...) atravessa os mares, desembarca nas costas da Itália e vem lançar-se aos pés do Papa.

O Imperador de Oriente apela ao Ocidente

Urbano II rumo ao Concílio de Clermont-Ferrand e falando aos bispos.
Urbano II rumo ao Concílio de Clermont-Ferrand e falando aos bispos.
No meio dessa agitação geral, Alexis Comeno (Imperador do Oriente), ameaçado pelos turcos, mandou embaixadores ao Papa para pedir o auxílio dos latinos. (...)

Para responder aos pedidos de Alexis e aos votos dos fiéis, o soberano Pontífice convocou em Piacenza um concílio, a fim de expor os perigos da Igreja grega e da Igreja latina do Oriente. (...) mais de duzentos Bispos e Arcebispos, quatro mil eclesiásticos e trinta mil leigos obedeceram ao convite da Santa Sé. (...)

No entretanto, o Concílio de Piacenza não tomou resolução alguma sobre a guerra contra os infiéis. (...)

Outras razões explicariam o pouco efeito que produziu a pregação de Urbano no concílio de Piacenza.

Os povos da Itália, aos quais o soberano Pontífice se dirigia, estavam entregues ao espírito de comércio, e as preocupações mercantis não vão de acordo com o entusiasmo religioso; além disso, a Itália estava fortemente dominada por um espírito de liberdade, que produzia perturbações e levava a negligência aos interesses da religião. (...)

A conclamação do Beato Urbano II em Clermont-Ferrand

O prudente Urbano (...) para tomar um partido decisivo sobre a guerra santa e para interessar todos os povos ao seu feliz êxito, resolveu reunir um segundo sínodo, numa nação belicosa e, desde aqueles tempos remotos, acostumada a dar impulso à Europa.

O novo concílio, reunido em Clermont, no Auvergne, não foi nem menos numeroso nem menos respeitável que o de Piacenza; os santos e os doutores mais célebres vieram honrá-lo com sua presença e ilustrá-lo com seus conselhos. (...)

O concílio teve sua décima reunião na grande praça de Clermont que logo se encheu de uma multidão enorme.

Seguido por seus Cardeais, o Papa subiu a uma espécie de trono, que haviam erguido para ele; (...)

Urbano II falou nestes termos:


Urbano II em Clermont-Ferrand
Urbano II em Clermont-Ferrand
“Acabais de ouvir o enviado dos cristãos do Oriente.

“Ele vos disse da sorte lamentável de Jerusalém e do povo de Deus; ele vos disse de como a cidade do Rei dos Reis, que transmite aos outros os preceitos de uma Fé pura, foi obrigada a servir às superstições dos pagãos.

“De como o túmulo milagroso, onde a morte não pôde conservar sua presa, esse túmulo, fonte da vida futura, sobre o qual surgiu o sol da ressurreição, foi manchado por aqueles que não devem ressuscitar, senão para ‘servir de palha ao fogo eterno’.

“A impiedade vitoriosa espalhou suas trevas nas mais ricas regiões da ­sia; (...) as hordas bárbaras dos turcos (...) ameaçam todos os países cristãos.

“Se Deus mesmo, armando contra elas seus filhos, não as detiver em sua marcha triunfante, que nação, que reino, poderá fechar-lhes as portas do Ocidente? (...)

“O povo digno de elogios, esse povo que o Senhor, nosso Deus, abençoou, geme e sucumbe sob o peso dos ultrajes e das exações mais vergonhosas.

“A raça dos eleitos sofre indignas perseguições; a raiva ímpia dos sarracenos não respeitou nem as virgens do Senhor, nem o colégio real dos Sacerdotes.

“Eles carregaram de ferros as mãos dos enfermos e dos velhos; crianças arrancadas aos braços maternos esquecem agora entre os bárbaros o nome do verdadeiro Deus.

“Os asilos que esperavam os viajantes pobres na estrada dos santos lugares receberam sob seu teto profanado uma nação perversa; ‘o templo do Senhor foi tratado como um homem infame e os ornamentos do santuário foram arrebatados como escravos’.

“Que vos direi mais? (...)

“Ai! de nós, meus filhos e meus irmãos, que vivemos nestes dias de calamidades!

“Viemos então a este século reprovado pelo céu para ver a desolação da cidade santa e para vivermos em paz, quando ela está entregue nas mãos de seus inimigos?

“Não é preferível morrer na guerra do que suportar por mais tempo esse horrível espetáculo?

“Choremos todos juntos nossas faltas que armaram a cólera divina; choremos, mas que nossas lágrimas não sejam como a semente lançada sobre a areia e a guerra santa se acenda ao fogo de nosso arrependimento; e o amor de nossos irmãos nos anime ao combate e seja ‘mais forte que a mesma morte’, contra os inimigos do povo cristão.

“Guerreiros que me escutais, vós que procurais sem cessar vãos pretextos de guerra, alegrai-vos pois eis aqui uma guerra legítima.

Urbano II no concilio de Clermont
Urbano II no concilio de Clermont
“Chegou o momento de mostrar se estais animados por uma verdadeira coragem; chegou o momento de expiar tantas violências cometidas no seio da paz, tantas vitórias manchadas pela injustiça.

“Vós que fostes tantas vezes o terror de vossos concidadãos e que vendíeis por um vil salário vossos braços ao furor de outrem, armados pela espada dos Macabeus, ide defender ‘a casa de Israel, que é a vinha do Senhor dos exércitos’.

“Não se trata mais de vingar as injúrias dos homens, mas as da Divindade; não se trata mais do ataque de uma cidade ou de um castelo, mas da conquista dos santos lugares.

“Se triunfardes, as bênçãos do céu e os reinos da ­sia serão vosso prêmio; se sucumbirdes, tereis a glória de morrer nos mesmo lugares onde Jesus Cristo morreu e Deus não se esquecerá de que vos viu em sua santa milícia.

“Que afeições fracas e covardes, sentimentos profanos não vos prendam em vossos lares; soldados do Deus vivo.

“Escutai somente os gemidos de Sião; quebrai todos os liames da terra e lembrai-vos do que o Senhor disse: ‘Aquele que ama seu pai ou sua mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; todo aquele que deixar sua casa, ou seu pai, ou sua mãe, ou sua esposa, ou seus filhos, ou sua propriedade, por Meu nome, será recompensado com o cêntuplo e terá a vida eterna’.

Estas palavras de Urbano penetravam e abrasavam todos os corações e assemelhavam-se à chama ardente descida do céu. (...)

A assembleia dos fiéis – levados por um entusiasmo que jamais a eloquência humana tinha inspirado – ergueu-se totalmente e fez ouvir estas palavras:

Deus o quer! Esse brado (...) ecoou até nas montanhas da vizinhança. (...)

“Vedes aqui, continuou o Pontífice, a realização da promessa divina: Jesus Cristo declarou, que quando seus discípulos se reunissem em seu nome, Ele estaria no meio deles.

“Sim, o Salvador do mundo está agora em nosso meio e é Ele mesmo que vos inspira os brados que acabo de ouvir.

“Que essas palavras: Deus o quer! sejam para o futuro vosso grito de guerra e anunciem por toda a parte a presença do Deus dos exércitos. (...)

“É o próprio Jesus Cristo que sai de Seu túmulo e que vos apresenta sua Cruz.

“Ela será o sinal, erguido entre as nações, que deve reunir os filhos dispersos de Israel; levai-a em vossos ombros ou sobre o vosso peito; que ela brilhe sobre as vossas armas e sobre os vossos estandartes.

“Ela será para vós o penhor da vitória ou a palma do martírio; ela vos há-de lembrar continuamente que Jesus Cristo morreu por vós e que deveis morrer por Ele”.

Efeito da conclamação papal

Depois que Urbano acabou de falar, só se ouviam estes brados: Deus o quer! Deus o quer!, que era como a voz de todo o povo cristão. (...)

Os Barões e os Cavaleiros que tinham ouvido as exortações de Urbano fizeram o juramento de vingar a causa de Jesus Cristo; esqueceram-se de suas próprias questões e juraram combater juntos os inimigos da Fé cristã.

Todos os fiéis prometeram respeitar as decisões do Concílio e ornaram suas vestes com uma cruz vermelha de pano ou de seda. (...)

Os fiéis pediram a Urbano que se pusesse à sua frente, mas o Pontífice, que ainda não tinha triunfado sobre o antipapa Guiberto, e que perseguia com seus anátemas o Rei da França e o Imperador da Alemanha, não podia deixar a Europa sem comprometer o poder e a política da Santa Sé. (...)

Nomeou o Bispo de Puy, seu legado apostólico, junto do exército dos cristãos.

Prometeu a todos os cruzados a remissão de seus pecados. Suas pessoas, suas famílias, seus bens, foram postos sob a proteção da Igreja e dos Apóstolos São Pedro e São Paulo.

O concílio declarou que toda a violência feita contra os soldados de Jesus Cristo seria castigada com o anátema e entregou seus decretos, em favor dos cruzados à vigilância dos Padres e dos Bispos. (...)

O Beato Adhermar, bispo de Puy (de mitra-elmo)
foi o legado pontifício à testa da Cruzada
Urbano percorreu ele mesmo várias províncias da França, para terminar sua obra tão felizmente começada. (...)

Os Bispos e os simples pastores, não paravam de benzer cruzes para os fiéis que prometiam armar-se para a libertação da Terra Santa. A Igreja conservou em seus anais as fórmulas de orações rezadas nessa cerimônia.

O padre, depois de ter invocado o auxílio de Deus, que fez o Céu e a Terra, rogava ao Senhor que abençoasse, em sua bondade paterna, a cruz dos peregrinos, como tinha outrora abençoado a vara de Aarão; rogava à misericórdia divina que não abandonasse nos perigos os que iam combater por Jesus Cristo e que lhes enviasse o anjo Rafael que outrora tinha sido o fiel companheiro de Tobias. (...)

O padre dizia, depois de ter prendido a cruz ao peito: ‘Recebe este sinal, imagem da Paixão e da Morte do Salvador do mundo, a fim de que em tua viagem nem a infelicidade nem o pecado te possam ferir e voltes mais feliz e sobretudo, melhor, para junto dos teus’. (...)

Tal o ascendente da religião ultrajada pelos infiéis, que todas as nações cristãs logo esqueceram o que era objeto de sua ambição ou de seus temores e forneceram à cruzada os soldados de que precisavam para se defenderem.

Todo o Ocidente reboava com estas palavras: ‘Aquele que não traz sua cruz e não vem comigo, não é digno de Mim’.

Que se julgue o que se deveu operar nos espíritos, quando a Igreja tocou a trombeta guerreira e apresentou como agradável a Deus o amor das conquistas, a glória de vencer, o ardor pelos perigos. (...)

O clero mesmo deu o exemplo. A maior parte dos Bispos, que tinham o título de Conde ou de Barão (...) julgou dever armar-se para a causa de Jesus Cristo.

Os autores contemporâneos contam vários milagres que contribuíram para inflamar o espírito da multidão.

Haviam-se visto estrelas destacarem-se do firmamento e caírem sobre a terra; mil fogos desconhecidos corriam pelo ar e davam à noite a claridade do dia; nuvens cor de sangue levantavam-se de repente no horizonte, e no ocidente um cometa ameaçador apareceu ao meio-dia; sua forma era a de uma espada.

Viram-se nas altas esferas do céu cidades com suas torres e defesas, armadas, prestes a combater, seguindo o estandarte da cruz.

O monge Roberto refere que, no mesmo dia em que no concílio de Clermont, se decidiu a cruzada, aquela deliberação foi proclamada além dos mares.

“Essa notícia, diz ele, tinha reerguido a coragem dos cristãos no Oriente e levado de repente o desespero aos povos da Arábia”.

Para cúmulo de prodígios, os Santos e os Reis das idades precedentes saíam de seus túmulos e vários franceses haviam visto a sombra de Carlos Magno exortando os cristãos a combater contra os infiéis.

O concílio de Clermont, que se havia reunido no mês de novembro de 1095, tinha marcado a partida dos cruzados para a festa da Assunção, do ano seguinte.

(Autor: Joseph-François Michaud (1767-1839), “Histoire des Croisades”, Paris, Furne Jouvet et Cie Éditeurs, 1877, livro I, páginas 22 em diante).



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domingo, 20 de março de 2022

Pacifismo hedonista e materialista contra espírito de Cruzada
Apologia da Cruzada IV

A Igreja nunca professou o pacifismo
Roberto de Mattei
(1948 - )
professor de História,
especializado nas ideias
religiosas e políticas no
pós-Concilio Vaticano II.




continuação do post anterior: A Igreja não pode abandonar as Cruzadas sem se trair



A Igreja nunca professou o pacifismo.

O combate cristão, que é acima de tudo, uma atitude espiritual, mas que inclui a possibilidade da legítima defesa, a guerra justa e até mesmo “a guerra santa”, pertence a mais pura tradição católica.

Quem professa o pacifismo e o ecumenismo até o último ponto esquece que há males mais profundos que os físicos e materiais, e confunde as consequências desastrosas da guerra no plano físico, com suas causas, que são morais e provêm da violação da ordem. Numa palavra, esquecem que o pecado que só pode ser derrotado pela Cruz.

Santa Joana d'Arco
O mundo moderno que está imerso no hedonismo e perdeu a fé julga só ser um mal, e um mal absoluto, os danos físicos, esquecendo que o mal e a dor que acompanham inevitavelmente a vida humana com frequência a elevam.

O espírito das Cruzadas e de Lepanto nos envia uma mensagem de fortaleza cristã que consiste na disposição de sacrificar os bens da terra, em aras de bens maiores, como a justiça, a verdade e o futuro de nossa civilização.

Hoje, o inimigo que ameaça a Igreja e o Ocidente é a atitude mental de quem acredita que acabou o tempo de Lepanto e das Cruzadas.

Esse inimigo contrapõe ao espírito de combate uma visão do mundo segundo a qual nada há de verdadeiro e de absoluto, e que tudo é relativo às épocas, aos lugares e às circunstâncias.

É este o relativismo que foi denunciado por João Paulo II na Encíclica “Veritatis Splendor” e “Evangelium Vitae” quando fala da “confusão entre o bem e o mal, que torna impossível construir e manter a ordem moral dos indivíduos e das comunidades” (SV 93).

A batalha contra o relativismo em defesa das raízes cristãs da sociedade para a qual hoje nos convidam João Paulo II e Bento XVI, é uma batalha em defesa de nossa memória histórica.

Sem memória histórica não há identidade no presente, porque é sobre a memória que se baseia a identidade dos indivíduos e dos povos.

Santo Estevão, rei da Hungria
Mas, as raízes cristãs não pertencem só à memória ou à história: elas estão vivas, porque o Crucifixo que as resume não é somente um símbolo histórico e cultural, mas é uma fonte atual e perene da verdade e da vida, do sofrimento e da luta.

A Igreja tem inimigos ainda que nós tendamos a esquecê-lo porque perdemos a concepção militante da vida cristã, fundada na Cruz, que sempre caracterizou o cristianismo.

A perda desse espírito militante é o resultado do hedonismo e do relativismo em que estão imersos, infelizmente, muitos homens de igreja.

Bento XVI fala freqüentemente de “minorias criativas”, poderíamos acrescentar “militantes”, porque a guerra hoje em curso é moral e cultural.

Nela se enfrentam a nível de princípios duas concepções do mundo.

A história, aliás, é feita pelas minorias, sobre tudo as militantes.

Pode-se militar pelo bem ou pelo mal, em um campo ou outro, mas apenas os militantes deixam sua marca nos eventos históricos.
São Luís rei embarca para a Cruzada
Na homilia de 5 de junho de 2010, em Nicósia, Bento XVI sublinhou também que “um mundo sem a Cruz seria um mundo sem esperança.”

O mesmo pode ser dito de um mundo sem espírito de Cruzada: seria um mundo sem esperança.

Isso significaria a renúncia à luta pela salvação, a renúncia da Cruz e reduzir o mundo a meras ruínas.


FIM


(Autor: Prof. Roberto de Mattei, “Il Foglio”, 08/06/2010, apud Corrispondenza Romana, 08/06/ 2010).




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domingo, 13 de março de 2022

A Igreja não pode abandonar as Cruzadas sem se trair
Apologia da Cruzada III

Roberto de Mattei
(1948 - )
professor de História,
especializado nas ideias
religiosas e políticas no
pós-Concilio Vaticano II.










As Cruzadas, decorrência necessária dos Evangelhos
Apologia da Cruzada II




Por que a Igreja não pode abandonar o espírito de Cruzada? Simplesmente porque não pode negar sua história e sua doutrina.

A história das Cruzadas não é um apêndice insignificante na história da Igreja.

Pelo contrário, está intimamente unida à história do Papado.

As Cruzadas não estão ligadas a um único Papa, mas a uma sucessão ininterrupta de pontífices, muitos deles santos, principalmente o Beato Urbano II que promulgou a Primeira Cruzada, São Pio V e o Beato Inocêncio XI, que promoveram “Santas Alianças” contra os turcos em Lepanto, Budapeste e Viena nos séculos XVI e XVII.

Não é desconhecido dos historiadores que, mesmo no século XX, Pio XII estudou a possibilidade de lançar uma “Cruzada” depois da revolta anti-comunista na Hungria em 1956.

Ao testemunho dos Papas, acrescenta-se o testemunho dos santos, começando com Luís IX, o Rei Cruzado por excelência, com Joana D'Arc, também a sua maneira “cruzada” e padroeira da França, “filha primogênita da Igreja”.

Opor a estas figuras o nosso São Francisco mostra, senão má fé, pelo menos um notável desconhecimento da história.

A fonte mais confiável da viagem de Francisco é o testemunho de seu companheiro, o irmão Iluminado, que nos diz que o santo defendeu o trabalho dos cruzados e propôs a conversão ao Sultão.

E quem pode esquecer as legiões de franciscanos que se uniram ao longo dos séculos aos cruzados, liderados por São João de Capistrano (1386-1456), pregador da grande Cruzada do século XV que culminou com a libertação de Belgrado?

Ao lado do nome de São Francisco devemos colocar o de Santa Catarina de Siena, padroeira da Itália e Doutor da Igreja.

Um recente ensaio de Massimo Viglione mostrou que seu espírito era profundamente “cruzado” (“L'idea di crociata in Santa Caterina da Siena” ‒ “A idéia de Cruzada em Santa Catarina Siena”).

A ela poderíamos acrescentar outro Doutor da Igreja de sexo feminino, desta vez uma contemporânea: Santa Teresinha de Lisieux.

Numa página tocante ela se volta para Jesus, e diz querer “percorrer a terra, pregar o teu nome, e cravar em solo infiel Tua gloriosa Cruz”, reunindo numa única vocação as de apóstolo, cruzado e mártir.

“Sinto em mim ‒ escreve ‒ a vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de Doutor, de mártir, em suma, eu sinto a necessidade, o desejo de realizar por Vós, Jesus, todas as obras as mais heroicas.

“Eu sinto em minha alma a coragem de um cruzado, de um zuavo pontifício: eu quereria morrer num campo de batalha para defender a Igreja ....”

Em 4 de agosto de 1897, no leito de morte, voltando-se para a Superiora, ela murmurou:

“Oh, não, eu não teria medo de ir à guerra.

“Por exemplo, na época das Cruzadas, com quanta alegria eu teria partido para combater os hereges” (“História de uma Alma”, em “Obras Completas”).


continua no próximo post: Pacifismo hedonista e materialista contra espírito de Cruzada - Apologia da Cruzada IV
(Autor: Prof. Roberto de Mattei, “Il Foglio”, 08/06/2010, apud Corrispondenza Romana, 08/06/ 2010).



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domingo, 6 de março de 2022

As Cruzadas, decorrência necessária dos Evangelhos
Apologia da Cruzada II

Roberto de Mattei
(1948 - )
professor de História,
especializado nas ideias
religiosas e políticas no
pós-Concilio Vaticano II.




continuação do post anterior: As Cruzadas no cerne das raízes cristãs


A primeira Cruzada foi pregada em decorrência da meditação das palavras de Cristo: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 21-27).

Aquela mesma Cruz, em torno da qual se reuniam as pessoas nas catedrais, foi estampada nas vestes dos cruzados e exprimia o ato pelo qual o cristão se mostrava disposto a oferecer sua vida pelo bem sobrenatural do próximo brandindo suas armas.

O espírito das Cruzadas era, e continua a ser, o espírito do cristianismo: o amor ao mistério incompreensível da Cruz.

O professor Jonathan Riley-Smith, decano da renovação dos estudos sobre as Cruzadas, referiu-se àqueles que responderam ao apelo da primeira Cruzada, dizendo que estavam “inflamados pelo ardor da caridade” e pelo amor de Deus. Ele assim traça a motivação profunda daquela iniciativa.


Oferecer a própria vida é certamente a melhor forma de amor, e o ato mais perfeito de caridade, porque nos torna perfeitos imitadores de Jesus segundo aquelas palavras do Evangelho: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus irmãos” (Jo 15, 13).

Só o amor, resumido no sacrifício de Cristo na Cruz é capaz de derrotar a morte, que é o maior sofrimento físico, e o pecado, que é o supremo mal moral.

Esse espírito e esse estado de espírito, abundantemente documentado pelas fontes históricas, não brota como um rio lamacento do inconsciente coletivo do Ocidente, mas do livre arbítrio de indivíduos que nos luminosos séculos medievais responderam a um apelo dirigido à sua consciência.

A resposta a esse apelo pode ser considerada uma “categoria do espírito” que nunca perde validade.

A ideia de Cruzada não é apenas um evento histórico limitado à Idade Média, mas é uma constante do espírito cristão que na história conhece momentos de eclipse, mas que sob diversas formas está destinada a reflorescer.

Expurgar a ideia de Cruzada da “plataforma programática” pessoal significa banir a própria ideia do combate cristão.

O ensinamento de que a vida espiritual é uma luta está especialmente desenvolvido nas cartas de São Paulo. Em muitos lugares delas encontram-se metáforas e imagens tiradas da vida do guerreiro.

O Apóstolo explica como a vida cristã é um bonum certamen (bom combate) que deve ser batalhado “pelo bom soldado de Jesus Cristo” (II Tm. 2, 3).

“Revesti-vos da armadura de Deus ‒ diz ele ‒, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever” (Ef 6, 11ss).

E ainda: “Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.” (Efésios 6, 14-17).

O espírito da Cruzada e do martírio têm uma origem comum na dimensão profunda da guerra espiritual. O martírio, como o sofrimento, pressupõe o combate.

A própria vida de Jesus Cristo pode ser considerada como uma batalha constante contra o conjunto das forças hostis ao reino de Deus: o pecado, o mundo e o diabo.

Que a vida do cristão seja uma luta é um dos conceitos que com maior freqüência ressoa no Novo Testamento, onde lemos:

“Suporta comigo os trabalhos, como bom soldado de Jesus Cristo. Nenhum soldado pode implicar-se em negócios da vida civil, se quer agradar ao que o alistou. Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras.” (II Tm. 2, 5).

O Evangelho, aliás, em seu genuíno sentido original, é a proclamação de uma vitória militar, neste caso a vitória de Cristo sobre o mal e os poderes das trevas.


(Autor: Prof. Roberto de Mattei, “Il Foglio”, 08/06/2010, apud Corrispondenza Romana, 08/06/ 2010).



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