William of Malmesbury |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post: A Batalha de Hastings, marco na história inglesa com imponderável de Cruzada (1)
Em post anterior, reproduzimos a famosa descrição da batalha de Hastings feita por Guilherme de Malmesbury (c. 1095/96 – c. 1143, foto ao lado).
Neste segundo post, reproduzimos as análises dos pródromos religiosos e sociais do conflito e as conseqüências positivas da vitória de Guilherme de Normandia para a história da Inglaterra, segundo o mesmo historiador.
Havia muito que a Inglaterra adotara os costumes dos anglos, e de fato os havia alterado com o tempo, pois nos primeiros anos de sua chegada, eles foram bárbaros na aparência e nos modos, bélicos em seus costumes e pagãos em suas leis.
Depois de abraçar a fé de Cristo, em consequência da paz de que gozavam, relegaram a força bruta a um segundo plano e aplicaram toda sua atenção na religião.
Falo dos príncipes que, na grandeza de seu poder, tinham toda a liberdade para se jogarem nos prazeres. Contudo alguns deles, no seu próprio país e outros em Roma, mudaram seus hábitos e instalaram um reino celestial e um relacionamento santo.
Muitos outros se dedicaram durante toda a vida aos assuntos terrenos, para encher seus tesouros e esgotá-los com os pobres ou dividi-los entre os mosteiros.
O que posso dizer da multidão de bispos, eremitas e abades?
Não está a ilha toda repleta de tão numerosas relíquias de santos de seu próprio povo que mal se pode passar por uma aldeia de qualquer relevância sem ouvir o nome de algum novo santo? E de quantos outros a lembrança pereceu pela falta de registros?
Infelizmente, vários anos antes da chegada dos normandos, o interesse pelo estudo e pela religião tinha diminuído gradualmente. O clero, contente com um pouco de aprendizado confuso, mal conseguia balbuciar as palavras dos sacramentos, e uma pessoa que sabia a gramática era objeto de admiração e espanto.
Os monges ridicularizavam a regra de sua ordem, o uso de vestes finas e a utilização de certos tipos de alimento.
A nobreza, dada ao luxo e à libertinagem, não ia à igreja pela manhã, à maneira dos cristãos, mas apenas, de uma forma descuidada, ouvia as matinas e as missas de um padre, mudando incessantemente de leitos entre as seduções de suas esposas.
A plebe, desprotegida, tornou-se presa dos mais poderosos, que acumulavam fortunas apropriando-se das propriedades ou vendendo seus donos em países estrangeiros, embora a característica deste povo o incline mais à orgia do que à acumulação de riquezas.
Beber em festas era uma prática universal que enchia dias e noites inteiras. Eles consumiam todos os seus bens em casas medíocres e desprezíveis, ao contrário dos normandos e franceses, que vivem frugalmente em mansões nobres e esplêndidas.
Os vícios ligados à embriaguez debilitam a mente humana. Foi por isso que eles se engajaram contra Guilherme com mais imprudência, precipitação e fúria que habilidade militar, condenando seu país à escravidão por uma única e simples derrota. Pois nada é menos eficaz do que temeridade; ela começa com violência, rapidamente cessa e é repelida.
Os ingleses usavam naquela época roupas curtas, tinham o cabelo cortado, a barba raspada, os braços carregados de braceletes de ouro e a pele adornada com tatuagens.
Eles estavam acostumados a comer até se fartarem e a beber até ficarem doentes. Eu não atribuo essas propensões ao inglês em geral, pois bem sei que muitos do clero trilharam o caminho da santidade de uma vida irrepreensível, e muitos leigos de todas as classes e condições foram bem agradáveis a Deus.
Castelo de Ô, Normandia |
Esteja a injustiça longe desse relato, pois a acusação não envolve o todo indiscriminadamente. Mas, da mesma maneira que a misericórdia de Deus trata bem os maus e os bons em seu conjunto, assim igualmente a severidade divina os pune com o cativeiro em seu conjunto.
Os normandos naquela época, e mesmo agora, tomavam cuidado muito especial com a vestimenta, eram exigentes na alimentação, mas não excessivos.
Eles são uma raça acostumada à guerra, e dificilmente podem viver sem ela, apressando-se ferozmente contra o inimigo. E, onde a força não lhes dá o sucesso, estão prontos para usar estratagemas ou corromper pelo suborno.
Eles moram, como eu disse, em casas espaçosas com economia, imitam a seus superiores hierárquicos, querem superar seus iguais e saquear seus súditos apesar de defendê-los dos outros, pois eles são fiéis a seus senhores. Ponderam a traição pela chance de sucesso e mudam seus sentimentos por dinheiro.
Os normandos formam a mais hospitaleira de todas as nações. Eles consideram os estrangeiros dignos de honras iguais às deles. Eles também se casam com seus vassalos.
Com Guilherme rei começou uma regeneraçãao religiosa da Inglaterra. O gótico desenvolveu-se muito |
Chegando à Inglaterra eles restauraram o papel da religião, que tinha ficado sem vida em todos os lugares.
Podem-se ver igrejas surgirem em todas as aldeias, e mosteiros nas vilas e cidades, construídos num estilo nunca antes conhecido (o gótico).
Pode-se ver o país florescente, com costumes renovados, de modo que cada homem rico julgava perdido o dia caso deixasse de fazer alguma generosa ação caritativa.
(Original: William of Malmesbury (+ 1143?); “The Battle of Hastings, 1066”. O texto foi resumido em algumas partes para caber nos posts. Texto completo em: Medieval Sourcebook. From: James Harvey Robinson, ed., Readings in European History, 2 Vols. (Boston: Ginn & Co., 1904-06), Vol. I: From the Breaking up of the Roman Empire to the Protestant Revolt, pp. 224-229. Scanned in and modernized by Dr. Jerome S. Arkenberg, Dept. of History, California State - Fullerton).