domingo, 20 de outubro de 2024

Reis monges à frente de exércitos:
São Sigiberto, rei de East Anglia, na Inglaterra

Reconstituição do elmo achado em Sutton Hoo
e atribuído a Rædwald rei de East Anglia,
pai de São Sigiberto.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






O historiador Charles Forbes, conde de Montalembert (1810 – 1870) no livro “Les Moines d'Occident”(Ed. Lecoffre, 1867, 505 páginas, 4 vol.) descreve um aspecto inesperado da Idade Média: a vida de alguns reis que deixaram a coroa para se tornarem monges e que as circunstancias obrigaram a empunhar de novo a espada para defender seu povo :

“Dia veio em que Sigiberto, rei da Inglaterra, que era não só um grande cristão e um grande sábio de seu tempo, mas ainda um grande guerreiro, fatigado das lutas e desgostos do seu reino terrestre, declarou querer ocupar-se do reino do Céu e combater unicamente para o Rei Eterno.

“Ele cortou os cabelos e entrou como religioso no mosteiro que doara a um amigo irlandês.

“Deu assim o primeiro exemplo, entre os anglo-saxões, de um rei que abandonava a soberania e a vida secular para entrar no claustro e, como se verá, seu exemplo não foi estéril. Mas não lhe foi concedido, como ele esperava, morrer no claustro.

“O terrível Penda, flagelo da confederação anglo-saxônica, chefe infatigável dos pagãos, cobiçava seus vizinhos cristãos do leste e do norte.

“A testa de seus numerosos soldados, reforçados pelos implacáveis bretões, invadiu e saqueou a Inglaterra, tão encarniçadamente e com tanto sucesso quanto fizera com a Nortumbria.

“Os ingleses, abalados e muito inferiores em número, lembraram-se das proezas de seu antigo rei e foram tirar de sua cela Sigiberto, cuja coragem e experiência guerreira eram conhecidas dos soldados, e o colocaram à frente do exército.

“Ele bem quis resistir, mas foi preciso ceder às instâncias de seus antigos súditos. Mas para permanecer fiel à sua vocação, não quis armar-se com uma espada, mas com um bordão e foi com essa nova arma na mão que o rei monge pereceu à testa dos seus, sob o ferro do inimigo”.

(Fonte: Charles Forbes René, conde de Montalembert, “Les Moines d'Occident”, Ed. Lecoffre, 1867, 505 páginas, 4 vol.).

Catedral de Norwich erigida posteriormente no reino de East Anglia
que São Sigiberto salvou dos pagãos.
Comentários do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

Naquele tempo os homens usavam cabelo comprido e raspar o cabelo como os frades era símbolo de perder a liberdade e se pôr sob a obediência de um superior.

Os dois fatos acontecem na mais alta Idade Média, no tempo em que o território inglês e o germânico, estavam divididos em reinos que não tinham território inteiramente fixado.

Os pagãos viviam entre o nomadismo e o estado sedentário. Eram hordas de bárbaros que infestavam certas regiões.

Havia, naturalmente, guerra religiosa entre pagãos e cristãos. Essa guerra religiosa foi conduzida muitas vezes por reis santos.

Grã-Bretanha é dividida pelos montes. O sul é a Inglaterra. Nessa parte os anglos eram católicos e os bretões, cristãos decadentes aliaram-se com os saxões pagãos.

Esse grande rei exercera a profissão mais prestigiosa de seu tempo, que era ser combatente. O homem completo devia ser um combatente. Sigiberto foi rei que se assinalou na guerra ficando recoberto de prestígio e glória, mas ao cabo de seus dias resolveu consagrar-se exclusivamente à Igreja e se tornou monge.

Quando houve um ataque dos pagãos, ele foi procurado pelo povo para chefiar a luta porque ninguém era como ele. Ele voltou, mas não quis conduzir uma espada, porque como monge não lhe era próprio derramar sangue alheio.

O bastão era mais uma arma de defesa do que uma arma de ataque. Ele combateu valorosamente e morreu durante a luta defendendo seu povo ameaçado de ruína.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 12.6.69. Sem revisão do autor)

continua no próximo post: São Teodorico de Cumbria,outro rei-monge falecido em combate




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domingo, 13 de outubro de 2024

A poesia épica medieval captou o maravilhoso que latejava na realidade


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Aquele que pretendeu que os franceses não tinham «a cabeça épica» ignorava a Idade Média.

Nenhuma literatura é mais épica do que a nossa.

Não só se inicia com a Chanson de Roland [Canção de Rolando], mas compreende mais de cem outras obras que são tão boas como ela e que continuam um tesouro a explorar.

Todas, ou quase todas, testemunham essa simplicidade na grandeza, esse sentido das imagens, que fazem do autor da Chanson um dos maiores poetas de todos os tempos.

O caráter da epopéia francesa é precisamente este tom simples e despojado que é o de toda a nossa Idade Média: os heróis não são nela semideuses, são homens, cujo valor guerreiro não exclui as fraquezas humanas.

Rolando ou Guilherme de Orange são seres todos cheios de contrastes, cuja valentia arrasta alternadamente desmesura e humildade, excesso e desalento.

Nossas epopeias não são um monótono desfile de indivíduos heroicos e de façanhas prodigiosas.

A valentia é nela estimada acima de tudo, mesmo a dos inimigos e dos traidores, e com ela o sentimento da honra, a fidelidade ao vínculo feudal.

Por isso os heróis da Chanson de Roland [Canção de Roldão] permanecem tão ricos em cores na nossa imaginação:

Rolando, bravo mas temerário, Turpin, o arcebispo piedoso e guerreiro, Olivier, o sábio, e Carlos, alto e poderoso imperador, mas cheio de piedade pelos seus barões massacrados e abatido por vezes pelo peso de sua existência «penosa».

O autor soube evocar esses personagens por imagens e gestos, não por descrições.

Todos os pormenores que ele dá são «vistos» e fazem ver; esse estandarte completamente branco, cujas franjas de ouro lhe descem até aos joelhos, coloca melhor Rolando na beleza resplandecente do seu trajo do que o faria uma descrição minuciosa à maneira moderna.

Os feitos e os gestos dos heróis, seus pensamentos e preocupações são tratados em pinceladas claras e rápidas, com uma arte infinita nos pormenores como tal silhueta, cor, reflexo de um cobre ou o som de um tambor.

São as cintilações que jorram dos «elmos claros» durante a confusão de um combate, os rubis que luzem nas «maças dos mastros» da armada sarracena, ou ainda essa luva que Rolando estende a Deus no seu arrependimento e que o Arcanjo Gabriel agarra.


(Fonte: Régine Pernoud, “Luz sobre a Idade Média”, excertos).



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domingo, 6 de outubro de 2024

Roubo de espada revela saudades da Idade Média

Durandal encravada na piedra em Rocamadour
Durandal encravada na pedra em Rocamadour
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A espada medieval “Durandal” do lendário herói Roland falecido numa batalha que ficou para a História como um modelo de virtudes cavalheirescas estava fantasticamente encravada há 1.300 anos na parede de uma rocha do santuário de Rocamadour, no sul da França.

Porém, desapareceu provavelmente roubada, segundo informações do jornal britânico The Independent. A relíquia estava envolvida numa aura gloriosa que inspirou uma tradição grandemente espalhada na Europa e na Igreja medieval.

O lendário paladino defendeu até morrer a retaguarda do exército do imperador Carlos Magno, contra um exército muçulmano nos abismos dos Pirineus, mais precisamente em Roncesvales.

Ela se encontrava no santuário de Rocamadour profundamente encravada na pedra a 10 metros de altura e em virtude de seu tamanho, a arma era considerada inatingível.

Roland en Roncesvales segura Durandal e chama a Carlos Magno Wolfgang von Bibra (1862–1922),  Burg Brennhausen
Roland em Roncesvales segura Durandal e chama a Carlos Magno
Wolfgang von Bibra (1862–1922),  Burg Brennhausen
Malgrado a aura fantástica que envolve a espada, o roubo abalou a cidade de Rocamadour.

O prefeito, Dominique Lenfant deplorou o crime porque a espada é uma referência para os moradores e visitantes da região. “Vamos sentir falta de Durandal” afirmou ao jornal local La Dépêche, que na ocasião esqueceu seu passado laicista.

“Rocamadour sente que foi roubada de uma parte de si mesma. Mesmo que seja uma lenda, os destinos de nossa vila e desta espada estão entrelaçados” disse.

No poema “La Chanson de Roland” (“A Canção de Rolando”) do século XI, a espada é descrita como símbolo do heroísmo abençoado por Deus, como uma relíquia sagrada pelo holocausto dos heróis cristãos.

Segundo a lenda, Carlos Magno teria recebido a arma de um anjo e a repassou para Roland, seu sobrinho.

“La Chanson de Roland” canta o herói como o último combatente com vida na batalha de Roncesvales, que antes de morrer tenta num esforço extremo quebrá-la numa rocha para impedir que caia nas mãos dos islâmicos, mas não consegue e então se deita sobre ela para morrer.

O combate de Roncesvales não pode ser verificado pelos arqueólogos, mas os eruditos dedicaram estudos e mais estudos ao ensinamento moral da “La Chanson de Roland”.

Ela aparece como uma requintada aula, um verdadeiro e próprio manual em verso, que ensina a pureza do catolicismo na ordem temporal admirado e que se desejava praticar, no “tempo em que a filosofia do Evangelho penetrava todas as instituições” segundo o Papa Leão XIII definiu a Idade Média.

Roland bate Durandal contra a pedra, le musée du vitrail, Curzay sur Vonne
Roland bate Durandal contra a pedra, Le musée du vitrail, Curzay sur Vonne
Quando tudo se confabulou contra essa visão ultra católica e se diria que estava morta, o vulgar assalto mostra quão viva se encontra em muitas almas e se pensa se não é a solução dos problemas universais.

Rocamadour alberga um famoso santuário medieval consagrado a Nossa Senhora que atraia peregrinos durante séculos provenientes de muitos países, incluídos, reis, bispos e nobres, observou “The Telegraph” de Londres.

A espada é considerada tão preciosa que quando o Museu de Cluny em Paris quis exibi-la em 2011, toda uma equipe de segurança e de autoridades a acompanhou em sua jornada de Rocamadour até Paris.




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domingo, 29 de setembro de 2024

A cavalaria é a sucessora terrestre da milícia de São Miguel Arcanjo


Luis Dufaur
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O pensamento da Idade Média está penetrado em todas suas partes por crenças religiosas.

De um modo análogo está embebido do ideal cavalheiresco, i. é, do pensamento daquele grupo que vive na esfera da corte e da nobreza.

As crenças religiosas estão postas a serviço deste ideal.

O feito de armas do arcanjo São Miguel contra Lucifer foi ‘a primeira batalha de uma proeza que jamais conseguiu ser igualada’.

O arcanjo é o antepassado da cavalaria ‘milice terrienne et chevalerie humaine’ -- ‘milícia terrena e cavalaria humana’.

A cavalaria é a sucessora terrestre do exército dos anjos em torno do trono do Senhor.

 

Autor: Johan Huizinga, “El Otoño de la Edad Media”, Revista de Occidente, S.A. Madrid, 1965, 6ª. ed., p. 101.



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domingo, 22 de setembro de 2024

Por quê o Monte de São Miguel Arcanjo foi consagrado ao Príncipe das Mílicias Celestes

Luis Dufaur
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Segundo as crônicas, no ano 708 o Arcanjo São Miguel apareceu duas vezes a Santo Aubert –– Bispo de Avranches, cidade situada no fundo da baía — ordenando-lhe que erguesse uma capela em sua honra no rochedo que então se chamava Monte Tumba (ou Túmulo).

Inseguro quanto à realidade da visão, o bispo protelou a construção da capela.

Apareceu-lhe então pela terceira vez São Miguel, tocando-lhe a cabeça com o dedo, de tal modo que Aubert não pôde mais duvidar.

Esse sinal ficou marcado indelevelmente no crânio do santo, durante muito tempo exposto no tesouro da basílica de São Gervásio, de Avranches.

Há exatos 1300 anos, em 16 de outubro de 709, Santo Aubert consagrou ali a primeira igreja em honra do Arcanjo, e o monte tomou a partir de então o nome do Chefe da Milícia Celeste.

Durante a Idade Média, o Monte São Miguel tornou-se um dos mais importantes centros de peregrinação, ao lado de Roma e de Santiago de Compostela.

Os penitentes tomavam o “caminho do Paraíso” em busca do auxílio do Arcanjo.



Autor: Wilson Gabriel da Silva




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