domingo, 16 de março de 2025

Origem dos castelos: as invasões bárbaras deixaram as cidades em ruínas

Castelo de Jonzac, Poitou-Charentes, França.
Castelo de Jonzac, Poitou-Charentes, França.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








A França do século IX era um país em plena formação.

Seus habitantes descendiam das tribos bárbaras convertidas no século IV por São Remígio, e que com o suceder das gerações tinham ido se civilizando sob a influência benéfica da Igreja.

O gênio poderoso de Carlos Magno havia unificado o país e lhe dera uma organização definida que, apoiando-se sobre os valores locais, ia formando uma sociedade orgânica, com um crescimento espontâneo, forte, vital.

Sobre esta civilização incipiente abate-se um cataclismo.

São invasões maciças de sarracenos pelo sul, de húngaros ferocíssimos pelo leste, e, piores que todos, de normandos vindos do norte em navios, com os quais não só pilhavam as costas como entravam pelos rios adentro.

Estas hordas saqueiam cidades e vilas, queimam as igrejas, devastam os campos, levam atrás de si multidões de cativos.

Por toda parte vêem-se cidades arrasadas, e nas ruínas só habitam animais selvagens.

Os soldados, incapazes de resistir, aliam-se aos invasores e pilham com eles.

Castelo de Fenis, Val d'Aosta, Itália.
Castelo de Fenis, Val d'Aosta, Itália.
A autoridade soberana perece, as lutas privadas entre indivíduos, famílias e grupos são infinitas.

Então, os mais fortes se entregam a violências; não há mais comércio, indústria, agricultura; todos os costumes, leis e instituições desmoronam; não há mais laços que unam os habitantes do país.

O Estado desaparece nessa imensa catástrofe.

Fugindo ao terror e à desordem, os homens buscam abrigo no fundo das florestas, no alto das montanhas, no meio dos pantanais — em lugares inacessíveis, onde a cupidez e a crueldade dos invasores não os atinja.

Cidades, vilas e aldeias se dispersam, e cada qual foge para onde pode.

Cada qual, ou melhor, cada família. Pois a família é, neste caos, a única célula social que permanece intacta.

Castelo de Karlstejn. República Checa.
Castelo de Karlstejn. República Checa.
Tendo seu fundamento não nas leis, mas na ordem natural e no coração humano, enrijecida pela força sobrenatural da graça que a Igreja lhe comunica, ela é o único baluarte que resiste ao ímpeto da barbárie.

Dela partirá o trabalho de reconstrução social.

No seu refúgio a família resiste, se fortalece, torna-se mais coesa.

Animada pelo espírito católico que a vivifica, ela não se deixa esmagar pela adversidade, mas reage.

Obrigada a bastar-se a si mesma, cria os meios para se sustentar e se defender.


(Fonte: “Catolicismo”, nº 57, setembro de 1955)



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domingo, 9 de março de 2025

Desde seu castelo o nobre vela por todo seu povo

Castelo de Chillon, sobre o lago Léman, Suíça
Castelo de Chillon, sobre o lago Léman, Suíça
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Na última fase do progresso medieval, deixou de existir o perigo frequente e iminente de invasões. Os países de um modo geral ficaram pacificados.

Então, o castelo feudal perdeu o sentido de refúgio e abrigo para a população e rebanhos.

Ele ficou residência do senhor, de sua família e de sua parentela.

Mas conserva o aspecto militar, pois continua sendo acima de tudo uma fortaleza. Eles ficaram como um reduto inexpugnável que dava ao barão força e prestígio. Para o feudo uma garantia da manutenção da paz e um símbolo de seu orgulho local.

No seu apogeu, o castelo feudal não é mais um simples conjunto de muralhas protegendo as habitações, mas um todo arquitetônico pujante e homogêneo, que apresenta para o exterior muros escarpados, torres, seteiras e ameias, formando a defesa contra agressões.

Warwick, Inglaterra, salão ornado de armas
Warwick, Inglaterra, salão ornado de armas
0 Dentro há apartamentos, claustros e pátios, nos quais se desenrola a vida social.

Enquanto a técnica militar muito desenvolvida o protege exteriormente, as artes decorativas o embelezam por dentro, oferecendo ambiente propício ao florescimento cultural, que atinge um alto nível.

Os castelos de Chillon na Suìça e de Warwick na Grã-Bretanha que ilustram este post, nos fornecem alguns exemplos, entre muitos outros que poderiamos citar.


Vai ficando para trás o tempo em que os castelos se mantinham isolados uns dos outros.

A hierarquia de proteção e devotamento, existente entre o senhor e seus súditos, foi aos poucos se estabelecendo também entre senhores menores e outros mais poderosos.

Estes últimos começam a agrupar sob sua autoridade, pelos mesmos laços de fidelidade, não somente seus vassalos e servos imediatos, mas também outros barões, os quais, conservando intacta sua autoridade sobre seus homens, se tornam eles mesmos vassalos.

Salão de armas do castelo de Chillon, Suíça
Salão de armas do castelo de Chillon, Suíça
O senhor feudal mais importante, por sua vez, faz-se súdito de outro ainda maior, e assim por diante.

Formaram uma imensa pirâmide de suseranias desiguais, dispostas hierarquicamente num escalonamento progressivo, até chegar ao rei.

Este era o barão supremo, o suserano de todos os suseranos, o senhor feudal de todos os senhores feudais, o pai de todos os pais.

Do “donjon” de seu castelo, ele vela pelo seu feudo e por todos os feudos de seus vassalos, por toda a nação.







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domingo, 2 de março de 2025

Deslumbrante crescimento não planificado
do comércio medieval

A atividade comercial recuperou as vías fluviais pouco aproveitadas
A atividade comercial recuperou as vías fluviais pouco aproveitadas
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Cada cidade possuía, num grau difícil de imaginar nos nossos dias, a sua personalidade própria, não somente exterior, mas também interior, em todos os detalhes da sua administração, em todas as modalidades da sua existência.

São geralmente, pelo menos no Midi, dirigidas por meirinhos, cujo número varia: dois, seis, por vezes doze; ou ainda um único reitor reúne o conjunto dos cargos, assistido por um preboste que representa o senhor, quando a cidade não tem a plenitude das liberdades políticas.

Muitas vezes ainda, nas cidades mediterrânicas faz-se apelo a um poderoso (podestà), instituição muito curiosa.

O poderoso é sempre um estrangeiro (os de Marselha são sempre italianos), ao qual se confia o governo da cidade por um período de um ano ou dois.

Em toda parte onde foi empregado, este regime deu inteira satisfação.

Em todo caso, a administração da cidade compreende um conselho eleito pelos habitantes, geralmente por sufrágio restrito ou com vários graus, e assembléias plenárias que reúnem o conjunto da população, mas cujo papel é sobretudo consultivo.

Os representantes dos ofícios têm sempre um lugar importante, e sabemos qual foi a parte ocupada pelo preboste dos comerciantes em Paris nos movimentos populares do século XIV.

A grande dificuldade com que as comunas se debatem são os embaraços financeiros.

Marceneiro e sua família. Os locais de trabalho costumavam ser na própria residência familiar.
Marceneiro e sua família.
Os locais de trabalho costumavam ser na própria residência familiar.
Quase todas se mostram incapazes de assegurar uma boa gestão de recursos.

O poder é, aliás, rapidamente absorvido por uma oligarquia burguesa, que se mostra mais dura para com o povo miúdo do que tinham sido os senhores, daí a rápida decadência das comunas.

São muitas vezes agitadas por perturbações populares, e periclitam a partir do século XIV; um tanto ajudadas, é preciso dizê-lo, pelas guerras da época e pelo mal-estar geral do reino.

Nos séculos XII e XIII o comércio toma uma extensão prodigiosa, já que uma causa exterior, as cruzadas, vem dar-lhe um novo impulso.

As relações com o Oriente, que nunca tinham sido completamente interrompidas nas épocas precedentes, conhecem então um vigor novo.

As expedições ultramarinas favorecem o estabelecimento dos nossos mercados na Síria, Palestina, África do Norte, e mesmo nas margens do mar Negro.

Italianos, provençais e languedócios fazem entre si uma severa concorrência, e se estabelece uma corrente de trocas cujo centro é o Mediterrâneo.

Ela vai seguindo a estrada secular do vale do Reno, do Saône e do Sena até ao norte da França, países flamengos e Inglaterra.

Essa estrada já era seguida pelas caravanas que, antes da fundação de Marselha no século VI a.C., transportavam o estanho das ilhas Cassitérides — isto é, da Grã-Bretanha — até aos portos freqüentados pelos comerciantes fenícios.

É a época das grandes feiras de Champagne, Brie e Ilha de França — Provins, Lagny, Londit, San Denis, Bar, Troyes — aonde chegam as sedas, os veludos e os brocados, o alúmen, a canela e o cravo-da-Índia, os perfumes e as especiarias vindos do centro da Ásia, e que em Damasco ou em Jaffa eram trocados pelos tecidos de Douai ou de Cambrai, as lãs da Inglaterra e as peles da Escandinávia.

As casas de comércio de Gênova ou de Florença tinham nos nossos mercados as suas sucursais permanentes.

Os banqueiros lombardos ou de Cahors negociavam aí com os representantes das hansas do Norte e entregavam letras de câmbio válidas até nos distantes portos do mar Negro.

A atividade comercial tinha seu epicentro nas feiras livres em praças públicas
A atividade comercial tinha seu epicentro nas feiras livres em praças públicas
As nossas estradas conheciam assim uma extraordinária animação. A importância do mercado oriental é capital na civilização medieval.

Já a Alta Idade Média tinha conhecido o Oriente através de Bizâncio: a igreja de Paris recitava em grego uma parte dos seus ofícios; foram os marfins bizantinos que verdadeiramente reensinaram ao Ocidente a arte esquecida de esculpir a madeira e a pedra; e a decoração dos manuscritos irlandeses inspira-se nas miniaturas persas.

Mais tarde os árabes conduzem as suas conquistas com a brutalidade que sabemos, e cortam por algum tempo as pontes entre as duas civilizações.

Mas vêm as cruzadas, e o mercado oriental — ao qual corresponde, aliás, um mercado “franco” na Ásia Menor, que trabalhos recentes manifestaram — banha toda a Europa e a faz conhecer a vertigem do tráfego, o deslumbramento dos frutos estranhos, dos tecidos preciosos, dos perfumes violentos, dos costumes suntuosos, e inunda com a sua luz essa época apaixonada pela cor e pela claridade.

Sobretudo multiplica esse gosto pelo risco, essa sede de movimento, que na Idade Média coexiste de forma tão tocante com a ligação à terra.





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domingo, 23 de fevereiro de 2025

O urbanismo medieval e o urbanismo moderno

Luis Dufaur
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Quando nas iluminuras medievais consideramos uma cidade vista de longe, ela se apresenta de modo inteiramente diferente da cidade moderna.

A cidade moderna é de contornos imprecisos, irregulares.

É como um tumor que se vai estendendo de lá para cá e para acolá, de maneira tal que numa certa direção ela cresceu muito, e noutra existem ainda parques que vão quase até o seu centro.

A cidade medieval nos dá impressão de uma moeda bem cunhada.

Ela está repleta de casas, num recinto delimitado por um muro e realçado por torres.

Braunfels
Bernkastel
O limite é definido e claro: para além do muro, campo; para dentro do muro, cidade.

O muro é o resplendor da cidade, que tem em torno de si uma coroa feita de muralhas.

Essas lhe asseguram a possibilidade de se defender por si própria e de manter sua autonomia.

Vista assim em seu conjunto, a cidade dá a impressão de uma caixa de tesouros.

Porque o que emerge de dentro dela são coisas preciosas: as torres das igrejas, as pontas das catedrais com as rosáceas e os vitrais, as torres de um ou outro palácio, etc.

Dir-se-ia que entre suas torres havia uma espécie de competição para atingir o céu.

Bernkastel
As ruas não correspondiam muito às ideias do urbanismo moderno.

Eram sinuosas, caprichosas, inesperadas, com peculiaridades singulares.

As casas não tinham numeração.

Nada de anúncios imorais, ou de algo que pudesse ir contra os bons costumes.

Essas ruelas estão para os quarteirões de nossos dias, quadrados e cortados em ângulo reto, mais ou menos como a caligrafia está para a datilografia.

A letra datilográfica é irrepreensível; a letra manuscrita muitas vezes é irregular, e até feia, mas tem a expressão de uma alma.

Esses quadriláteros urbanos, o que exprimem?

As almas dos homens sem alma...



Plinio Corrêa de Oliveira, texto sem revisão do autor.



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domingo, 16 de fevereiro de 2025

Bom gosto e dignidade na vida popular medieval


Luis Dufaur
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A sociedade da Idade Média dividia-se em três classes.

A mais alta das classes era o Clero, porque constituída por pessoas consagradas a Deus, integrantes da estrutura da Igreja Católica Apostólica Romana.

A segunda classe era a Nobreza — a classe dos guerreiros e dos proprietários de terras no interior.

Em caso de guerra, eram eles que iam para a frente de batalha. Serviço militar obrigatório era só para os nobres.

Para os plebeus, o serviço militar era muito restrito.

Por fim a Plebe — era a terceira classe, portanto —, à qual cabia a produção econômica.

Habitualmente, quando ouvimos falar em Idade Média, pensamos em catedrais suntuosíssimas, em castelos magníficos.

E com base na realidade, porque na Idade Média construíram-se catedrais e castelos incomparáveis.

Mas é natural a indagação: como seria então a vida da plebe — ou seja, do burguês e do trabalhador manual — nessa época?

Caminho de ronda nas muralhas que protegiam  a cidade burguesa
Caminho de ronda nas muralhas que protegiam  a cidade burguesa
A cidade cujas ilustrações vemos nestas fotos oferece-nos uma resposta palpável de como era essa vida.

Qual é a localidade?

É a cidadezinha construída naquele período histórico, denominada Rothenburg ob der Tauber.

Tauber é o nome de um riozinho que banha essa cidade. Em português: Rotemburgo sobre o Tauber.

A cidade era fortificada, porque poderia haver incursões de inimigos do Sacro Império Romano Alemão que quisessem tomá-la.

Para essa eventualidade, havia uma muralha que a cercava e a tornava absolutamente fortificada, como uma fortaleza.

Rothenburg ob der Tauber: vida burguesa em meio à poesia e à ordem
Rothenburg ob der Tauber: vida burguesa em meio à poesia e à ordem
Em seu interior, porém, encontramos o contrário.

Era uma cidade de trabalho, onde se vivia o dia-a-dia da pequena burguesia medieval ou do trabalhador manual.

Naturalmente, as construções mais bonitas eram as da pequena burguesia. Grande burguesia como que não havia lá. Era praticamente só a pequena.

As casas, em grande parte, comportavam a residência de mais de uma família. Eram prédios de apartamentos daquele tempo.

Havia uma entrada geral do edifício, o qual continha vários apartamentos.

Pode-se conjeturar que nos andares de cima ficavam os aposentos dos trabalhadores
manuais e nos dois andares de baixo residiam as pessoas mais abastadas.

Como não havia elevador naquele tempo, para morar lá no alto era necessário subir escadas a mais não poder.

O resultado era que o aluguel desses andares era mais barato.

Os prédios eram indiscutivelmente bonitos.

Não da beleza de um castelo, mas belos, dignos e inteiramente diferentes de uma favela ou das moradias de um bairro operário de qualquer cidade moderna.

Há uma ideia de solidez e aconchego nesses edifícios, que nos possibilita avaliar o prazer de estar em seu interior.

Tem-se a impressão de que lá come-se bem, dorme-se bem, e nos dias feriados descansa-se bem.

E na Idade Média o número de feriados era colossal.

As cores dos edifícios são discretas, embora não sejam tristes. São cores agradáveis.

Há uma preocupação de bom gosto e de arte em tudo, até nos pinheirinhos plantados diante das casas, que são encantadores.

Termino citando Karl Marx. Numa obra em que ele apresenta a história do operariado europeu, há uma frase que os comunistas atuais não gostam de repetir: "A idade de ouro do operariado europeu foi a Idade Média".







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