domingo, 5 de novembro de 2023

A Idade Média: era histórica mal conhecida
por causa de preconceitos

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs










2. Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Média, ela ainda é muito pouco conhecida, ou — o que é pior — mal conhecida por quem não é especialista.

As noções fragmentadas e contraditórias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos à Idade Média segundo a conveniência de cada um: desde o militante político que apelida a perversa concentração fundiária brasileira de “feudal”, até os novos “magos” de hoje que procuram se revestir de uma aura “medieval” para vender livros de auto-ajuda.

O fato mais grave, no entanto, é que a Idade Média segue sendo vítima de um grande preconceito.

Para muitos, ela ainda representa um período no qual a humanidade, subjugada pela ignorância e flagelada pela peste, viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisição.

Afinal de contas, continua a ser aceito o rótulo de “idade das trevas”, como se no milênio que permeia a queda do Império Romano e a chegada de Colombo à América não houvesse sido criado nada que fosse digno de nota.


Que dizer então do canto gregoriano, da Divina Comédia ou dos avanços arquitetônicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas?

Muitas vezes estes são detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histórico esquemático, segundo o qual deve haver uma época de barbárie que anteceda e justifique o Renascimento do século XVI — e assim equívocos históricos injustificáveis são perpetuados(2).

Foi contra essa “lenda negra” que a medievalista francesa Régine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Média(3).

3. O maior obstáculo ao conhecimento da Idade Média é justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste período.

Estimulado por uma ideia preconcebida, o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histórica à mera seleção de dados que corroborem sua impressão inicial.

Acreditamos, por exemplo, ser este o defeito de O Nome da Rosa, famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do século XIV.

Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval, o resultado é no mínimo parcial: foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do já gasto bordão sobre a Idade Média crédula e obscurantista.

O fato de se tratar de um texto de ficção não muda os dados do problema.

Veja-se a cena do incêndio da biblioteca ao final do romance: é destacada a destruição de livros, mas esqueceu-se de dizer que, se não fosse pela obra anônima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciência beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos, ela não teria chegado até nós(4).

O conhecimento autêntico pressupõe aquela “vontade de nos enriquecermos, de sairmos de nós mesmos” que Henri-Irenée Marrou associava à virtude da docilitas, a humilde demanda da verdade(5).

“Sair de nós mesmos”, neste caso, significa estar disponíveis a ouvir com atenção o que os documentos históricos têm a nos revelar, que é o contrário de projetar sobre eles idéias ou teorias preestabelecidas.

Com efeito, a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura prévia.







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domingo, 29 de outubro de 2023

Relógio de Paris com mais de 650 anos

O mais antigo relógio de Paris no Palácio de São Luís
O mais antigo relógio de Paris no Palácio de São Luís
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Paris é reputada capital do requinte e do bom gosto que atravessa os séculos com seu prestígio desde o impulso fundamental que lhe foi dado na era medieval representado pela Catedral Notre Dame e a Sainte Chapelle.

Também pela memória dos homens eminentes em virtude e procura do maravilhoso como São Luis IX, rei da França, quem mandou construir a Sainte Chapelle e o renomado Castelo de São Luís (conhecido como Conciergerie), nos bordes do rio Sena na Ile-de-la-Cité.

Apesar de ser uma cidade atemporal, ela preserva cuidadosamente um relógio que indica as horas aos parisienses há mais de 650 anos.

Hoje é o relógio mais antigo de Paris e o seu magnífico mostrador continua a surpreender os transeuntes instalado na Tour de l’Horloge, parte do referido castelo de São Luis!

O esplêndido relógio foi encomendado pelo rei Carlos V ao relojoeiro loreno Henri de Vic em 1371. Está instalado na torre nordeste do palácio dos reis da França.

Apesar da sua idade avançada, ainda hoje funciona e nunca deixa de surpreender os transeuntes que têm a boa ideia de admirá-lo!

Ele ainda deu seu nome à torre e ao cais onde está localizado, ambos hoje chamados de “de l’Horloge”.

Ele é objeto de manutenção constante, e foi restaurado e remodelado diversas vezes ao longo dos séculos.

Apresenta assim os vestígios de vários soberanos franceses.

Sob o pequeno telhado que o abriga, se observa as iniciais “H” e “C” entrelaçadas, símbolo do rei Henrique II e da sua esposa a rainha Catarina de Médicis.

Mas também “H” e “M” para o casal real de Henrique IV e Marguerita de Valois.

São assinaturas que indicam o trabalho realizado por estes reis e rainhas no emblemático relógio!

O rei Henrique III mandou inscrever uma frase em latim no topo do relógio que lembra às diferentes coroas dos países sobre os quais reinou: as da França, da Polônia e da Lituânia!

Devemos também a ele as duas belíssimas figuras alegóricas que representam a lei (à esquerda) e a justiça (à direita). Essa moldura é obra do escultor Germain Pilon, grande figura do Renascimento francês.

E não é por acaso então que nessa parte da Conciergerie se instalaram os supremos tribunais de Justiça da Franca.

Curiosamente o número 4 (das 16 hs) não está escrito “IV” como sempre se faz em latim, mas “IIII”. Esse recurso era usado em relógios anteriores ao século XV, daí o nome do “quatro de relojoeiro”!

Isto, por duas razões. Em primeiro lugar, prática, porque a notação IIII evita confundir IV e VI, números parecidos porque escritos ao contrário nos mostradores.

E também estético, porque essa escrita permite um equilíbrio gráfico entre as partes direita e esquerda do mostrador do relógio.

Muito dificilmente um relógio em estilo moderno duraria tanto e seria tão admirado envolto em tanto prestígio.





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domingo, 22 de outubro de 2023

Crescente interesse acadêmico pela Idade Média

Luis Dufaur
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1. Nas últimas décadas, a Idade Média vem suscitado um interesse crescente.

Desde os anos 50, aproximadamente, os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia, razão pela qual têm sido amplamente divulgados no Brasil; mas essa curiosidade já extrapolou os restritos círculos acadêmicos.

Nos dias de hoje, a Idade Média exerce também uma fascinação irrecusável sobre a imaginação do grande público, conforme testemunham a crescente quantidade de publicações de textos literários medievais e o fato de que recriações das narrativas sobre o rei Artur, o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsáveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas: é o sucesso da Idade Média na sociedade de consumo.

Esse interesse é bem compreensível, pois falar da Idade Média é, de certa forma, falar de nós mesmos.

Ela representa o longo período de gestação no qual foi criado o mundo moderno: as atuais nações europeias, das quais derivamos, juntamente com suas respectivas línguas e literaturas, são parte do legado medieval.

Nosso quotidiano está repleto de inovações surgidas naquela época, como as universidades, os bancos, e ainda a imprensa, o relógio mecânico e os óculos.

De acordo com Hilário Franco Júnior, devemos à Idade Média inclusive a origem dos modernos sistemas de representação política e os fundamentos da mentalidade científica que caracterizam a civilização ocidental(1).

Pode-se afirmar, portanto, que os estudos medievais também auxiliam a compreender a história e a cultura dos países americanos: a própria expansão marítima, que ocasionou a descoberta do Novo Mundo, tem suas raízes solidamente vincadas na Idade Média.

Temas da literatura medieval, como a gesta de Carlos Magno, permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina; além disso, é sabido que diversos escritores brasileiros de nosso século, entre os quais Manuel Bandeira, Guimarães Rosa e Adélia Prado, beberam fartamente de fontes medievais.





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domingo, 8 de outubro de 2023

A Cavalaria andante: seu lugar na Justiça medieval

São Jorge foi um modelo inspirador do cavaleiro andante. Igreja de S. Jorge, Hanworth, Inglaterra
São Jorge foi um modelo inspirador do cavaleiro andante.
Igreja de S. Jorge, Hanworth, Inglaterra
Luis Dufaur
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Uma forma de cavalaria que historicamente se adulterou muito nos últimos séculos da Idade Média, mas cujo ideal era muito bonito, era a cavalaria andante.

O cavaleiro andante tinha um lugar especial dentro da aplicação da Justiça medieval.

A cavalaria andante estava composta por um cavaleiro que ia sozinho, ou em grupo de dois ou três, por vales e montes, a fim de procurar as injustiças para reparar.

Então, defendia as viúvas, defendia os órfãos, defendia os pobres que estão sendo oprimidos por um senhor tirânico, etc.

Enfim, restaurava a prática da lei de Deus onde quer que se encontrasse. É muito bonito.

Imagine ver subitamente no alto de uma montanha a silhueta de um cavaleiro que anda: está à procura do quê?

De um mal a esmagar.

O cavaleiro andante e as virtudes que deve praticar.
O cavaleiro andante e as virtudes que deve praticar.
Do alto de uma montanha, num cavalo magro, um cavaleiro vai andando com o sol batendo na couraça, no capacete, e ele andando e não prestando atenção em nada.

O que é?

É um cavaleiro andante que está à procura de uma injustiça para reparar. É muito bonito.

Historicamente a cavalaria andante se deteriorou e acabou desaparecendo.

Mas, deixou a lembrança e admiração que suscita uma instituição em si mesma muito bonita e que exige muita virtude para ser bem exercida.



(Autor: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, 28/2/91. Sem revisão do autor)



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