Carlos Magno

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Carlos Magno

sob a luz dourada

da História

e da lenda







Carlos Magno sob a luz dourada da História e da lenda

Em 28 de janeiro de 2014, a Cristandade comemorou 1.200 anos do falecimento do imperador Carlos Magno (*748–†814).

Em sua pessoa o Papa instituiu o Sacro Império Romano Germânico, obra prima da ordem social e política cristã, hoje infelizmente posta de lado.

Eventos culturais do mais alto nível estão anunciados pela Europa toda para comemorar a data.

O Museu Nacional da Suíça, por exemplo, lhe consagra uma exposição especial reunindo objetos prestigiosos, verdadeiras relíquias, emprestados por numerosos museus e instituições suíças e estrangeiras.

É difícil, reconhecem os organizadores, montar o quadro completo dos imensos progressos que o grande imperador católico, venerado em certas dioceses como Beato, trouxe para a Civilização Cristã.

No domínios da educação, da arte, da arquitetura e da religião não houve como ele.

Salas temáticas serão consagradas à personalidade do grande Carlos e seus colaboradores mais próximos. A seu império, aos conventos, igrejas e palácios que mandou construir e retratam de modo vivo sua época de influência pessoal nas décadas de 740 a 900.

Todo um outro tema é o culto devotado a Carlos Magno pela Igreja Católica.

E ainda outro é a extraordinária produção de lendas que o povo foi criando em torno de sua magnífica e riquíssima personalidade após sua morte.
Não é tão importante saber se o Carlos Magno histórico correspondeu à legenda. Pois há, além do Carlos Magno histórico, o Carlos Magno da lenda.

Na história, entrementes, vê-se bem como o Carlos Magno da legenda contém toda uma teoria do rei perfeito elaborada pelo espírito popular.

Então, compreende-se bem a importância histórica da legenda.

O Carlos Magno da legenda teve mais influência na história do que o Carlos Magno da realidade, pois correspondeu a um anseio profundo dos homens.

Foi a câmara escura da mente popular que elaborou o Carlos Magno da legenda, o rei perfeito.

Vê-se aqui bem como trabalha o mais fundo do subconsciente humano, como ele tem noções difíceis de formular em abstrato, e que os especialistas de biblioteca muitas e muitas vezes não compreendem bem.

Compreende-se o bem o ato de virtude que fizeram os povos cristãos elaborando a imagem do imperador ideal.

Mas se compreende também quão fundo caiu o homem moderno, “liberado” das “crendices” medievais.

Basta ver a TV, os jornais ou a Internet. Onde há alguém, histórico ou legendário que chegue aos pés do grande Carlos?



O 1200º aniversário da coroação de Carlos Magno






Carlos Magno: luz do Céu que ilumina a estrada do futuro

Carlos Magno profeta da ordem temporal cristã
Carlos Magno profeta da ordem temporal cristã
Carlos Magno é a fórmula. Com inúmeras pessoas com quem eu fui tratando ao longo da vida, eu notei que o modo de se referirem a Carlos Magno tinha algo de profético.

Inclusive professores de História de curso secundário que pouco conheciam da vida dele e que falavam com mau-humor.

Mas, depois de dizer alguma coisa contra ele, alguma coisa os detinha e uma certa admiração lhes embargava a voz.

Eu dizia comigo: “O futuro está com esse homem, o futuro está com esse rei.”

E eu continuo nesta convicção de que Carlos Magno representa o futuro.

Quer dizer, o que significa isto?

Uma certa forma de grandeza, um certo ideal de grandeza, a convicção de que esse ideal tem um conteúdo de universalidade.

É uma grandeza que beneficia, mas também cobre a todos os povos sem exceção e que este ideal algum dia ainda ressuscitará.

Acho que há nisso algum auxílio da graça que toca a todas as pessoas que tratam do assunto Carlos Magno.

Se elas correspondem à graça, abre-se um qualquer foco de luz dentro de suas almas, mas esse foco de luz vem acompanhado de uma promessa do futuro.

Carlos Magno não é um caminho que se estancou, não é uma glória do passado que ficou parada num monumento de pedra.

Ela é uma luz que desce do Céu e que indica uma caminhada que deve continuar.

Nós devemos ter isto em vista, e que se bem que a Igreja não tenha canonizado Carlos Magno, entretanto há alguns fatos para tomar em consideração a esse respeito.

Primeiro lugar é que Carlos Magno na diocese de Aachen é considerado santo pela liturgia oficial da Igreja Católica na diocese de Aachen, que era a capital do seu império.

Carlos Magno: luz do Céu que ilumina a estrada do futuro
Carlos Magno: luz do Céu que ilumina a estrada do futuro
Essa circunstância se acentua com o fato de que realmente ele fez uma obra de um valor apostólico incomparável.

Porque a Europa do tempo dele estava apertada entre duas tenazes: de um lado os bárbaros que vinham procedentes do oriente europeu, e de outro lado os árabes que vinham procedentes do sul europeu.

Eles queriam se encontrar e ao se encontrar destruir a obra de Carlos Magno.

O que era destruir a obra de Carlos Magno?

Era destruir a religião católica na fé, nas convicções, das almas que eles iam conquistar assim pela espada.

Então o papel da espada no apostolado de Carlos Magno foi um papel fundamental. Porque se sem a espada nada se faria e se foi com o auxílio da espada que tanta coisa se fez, é preciso bem dizer que ele é o santo da espada.

Há um ponto obscuro na vida de Carlos Magno: é um casamento que ele teve com uma princesa da Lombardia.

A enormidade dos pecados que lhe são assim atribuídos depõem contra a ideia de que isto seja verdadeiro.

Porque pecados tão enormes não impedirem que uma auréola verdadeira de venerabilidade, de santidade, tivesse cercado esse homem até nossos dias, de maneira a que os revolucionários mais exacerbados, mais duros, tributam, entretanto, uma admiração a ele, lhe prestam manifestações de respeito e falam dele com respeito.

Quando satanás se levantou contra Deus porque ele soube da criação do Verbo e soube que o Verbo nasceria de Maria Santíssima, nas palavras de revolta ele disse palavras de crítica que lhe valeram o esplêndido castigo que São Miguel Arcanjo lhe impôs para todo o sempre.

Tudo isso junto me leva a ter a esperança que se descubram documentos, venham à luz fatos que provem bem que ele foi São Carlos, o Grande.

Os senhores podem imaginar a nossa alegria expondo esses documentos à consideração de um Papa que resolva canonizá-lo e nossa alegria de assistir na Basílica de São Pedro, São Carlos, o Grande, elevado à culminância dos altares.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 16/2/94. Sem revisão do autor)





Momento providencial em que apareceu Carlos Magno

Carlos Magno implora a Deus a vitória na batalha.  Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França.
Carlos Magno implora a Deus a vitória na batalha.
Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França.
O Império romano cristianizado havia sido derrubado pela avalanche dos bárbaros.

Os bárbaros eram todos eles ou arianos ou pagãos.

O arianismo era uma heresia que pode ser vagamente comparada ao protestantismo.

O ariano era tão anticatólico quanto o é o protestante, quer dizer, cortado da Igreja, herege, excomungado, inimigo.

Um bispo ariano chamado Úlfilas tinha pervertido os pagãos bárbaros para a religião ariana.

De maneira que grande parte dos bárbaros que invadiram o Império Romano, que era católico, vinham com a intenção de impor a religião ariana.

Outros eram pagãos, e a intenção deles era impor o paganismo.

Uns e outros eram bárbaros. E como bárbaros, eram incompatíveis por hábito, por psicologia, por tendência natural, à civilização.

Eles se estabeleceram no Império Romano do Ocidente, e foram espandongando, querendo ou não querendo, a civilização.

Basta dizer que em geral os bárbaros dormiam nas praças públicas das cidades, porque eles sentiam falta de ar de dormir dentro das casas. Não compreendiam que se pudesse dormir dentro de casa.

Mas havia uma tribo bárbara que sentia falta de ar em dormir na cidade. Quando chegava a noite, eles abriam a porta da cidade e iam dormir no mato, porque na praça da cidade eles não sentiam respiração.

Os bárbaros viam que os romanos eram alfabetizados, mas muito decadentes, corruptos e maus soldados. E eles achavam que a razão disso era a alfabetização.

E então, eles tinham o maior desprezo ao homem que se alfabetizasse. O alfabetizado era mais ou menos o efeminado.
Carlos Magno deteve os fluxos invasores pagãos e islâmicos na Europa. Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França
Carlos Magno deteve os invasores pagãos e islâmicos na Europa.
Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França.

Quando os bárbaros começaram a impor a sua tirania detestável sobre o solo europeu, no Império debandando, só ficou de pé a Igreja.

A Igreja, com suas dioceses, com seus conventos, etc., continuou de pé.

Então o ponto de salvação para sair do abismo era fortalecer a Igreja. Aí vem nova catástrofe: a Península Ibérica é invadida por maometanos, por causa da moleza dos visigodos que habitavam a Espanha.

A onda árabe começou a invadir a Europa semi-romana e semi-bárbara a partir dos Pirineus.

Sem falar que muitos maometanos tomavam barcos, desembarcavam na Itália, no sul da França, e começavam as invasões também.

De maneira que esta chaga viva, que era a Europa daquele tempo, ainda começou a sofrer a pancadaria maometana.

Foi nesse momento, em que tudo parecia perdido, que Deus suscitou esse homem extraordinário que foi Carlos Magno.

Um homem que, a meu ver, foi um verdadeiro profeta. Quer dizer, um homem que realizou o Reino de Deus, porque tinha o dom de compreender no que ele consistia e o dom de levar os outros a unirem as suas vontades para essa realização.

Tinha o dom, além do mais, de vencer, de derrubar os obstáculos que se opusessem a essa realização.

Carlos Magno era de uma família que já há duas gerações tinha o reino dos francos.

A sabedoria de Carlos Magno nos conselhos do Império.  Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França.
A sabedoria de Carlos Magno nos conselhos do Império.
Vitral de Carlos Magno. Catedral de Chartres, França.
Essa família, também ela dividida por lutas intestinas, tinha certo ascendente entre os francos que eram um dos povos bárbaros que havia na Europa.

Carlos Magno, dirigindo os francos, fez cinquenta e tantas expedições militares em que ele espandongou os bárbaros completamente. Depois também conteve o poderio maometano.

E com isto ele recuou as portas da História. Quer dizer, a História parecia condenar irremissivelmente o povo latino a desaparecer sob a pressão germânica e a pressão maometana. Carlos Magno salvou a latinidade e a catolicidade.

Esse homem era hercúleo. De alta estatura, de traços muito regulares e muito bem feitos, tendo conservado até ancianidade alguma coisa de moço.

Mas ao mesmo tempo, no seu tempo de moço com qualquer coisa da maturidade da ancianidade, ele incutia respeito no tempo de moço, como se ele fosse um velho. E sabia infundir entusiasmo no tempo de velho, como se ele fosse moço.

Ele era um homem tão amável, tão gentil, que a legenda popular dizia que ao longo de sua barba branca, quando ele sorria nasciam flores, e que a sua barba era toda florida.

Ele era chamado rei da barba florida.

Por aí os senhores podem imaginar a riqueza dessa personalidade: terrível no combate mas ao mesmo tempo tão amável, tão gentil, que os outros julgavam ver flores nascerem de sua barba.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 30/10/72.
Sem revisão do autor)





Carlos Magno e o ideal de Cristandade

“A Carlos se chama com razão de Magno: merece este nome enquanto general e conquistador, ordenador e legislador do imenso reino, enquanto inspirador da vida intelectual no Ocidente. Sua vida é uma luta contínua contra a brutalidade e a barbárie”
No dia 28 de janeiro de 2014 completaram-se 1.200 anos da morte de Carlos Magno. Em diversas cidades pertencentes outrora ao seu império, como Aquisgrão (Aachen em alemão; Aix-la-Chapelle em francês), Zurique, Frankfurt-am-Main, houve exposições sobre ele, visitadas por imenso público.

A importância dada ao jubileu carolíngio é mais do que explicável: poucas personalidades na história da Cristandade tiveram uma influência tão duradoura, irradiaram um prestígio tão grande e deixaram uma recordação tão arrebatadora quanto este monarca franco, elevado pelo Papa São Leão III na noite de Natal do ano de 800 à dignidade de Imperador Romano do Ocidente.

Os ideais de Carlos Magno

“Com ajuda de Deus, nossa missão é externamente defender a Santa Igreja de Cristo pelas armas e por todas as partes das incursões dos pagãos e das devastações dos infiéis, e internamente, fortalecê-la pelo reconhecimento da verdadeira Fé.

“A vossa missão, Santo Padre, consiste, à maneira de Moisés, em erguer os braços em oração a Deus, e destarte ajudar nossos exércitos, de modo que por vossa intercessão e sob a guia e proteção de Deus, o povo cristão alcance sempre a vitória sobre os inimigos de seu santo nome e que o nome de Jesus Cristo seja glorificado no mundo inteiro.”

Carlos Magno coroado imperador pelo Papa
Carlos Magno coroado imperador pelo Papa
Nessas palavras de Carlos Magno, dirigidas em carta a São Leão III, estão expressos seus ideais e boa parte da dupla obra que empreendeu: de um lado, defender a Igreja de seus inimigos externos; de outro, fortalecer a Fé.

Para cumprir a primeira parte desse programa, dedicou ele os 42 anos de seu reinado, tanto combatendo no Leste o paganismo de saxões e ávaros, quanto refreando no Oeste o avanço muçulmano.

É essa sua face heroica e guerreira que inspirará nos séculos futuros as canções de gesta, como a famosa Chanson de Roland.

Na segunda parte, que poderia ser qualificada de positiva, revela-se seu gênio de estadista e de incansável administrador e restaurador, empenhado na tríplice reforma religiosa, moral e cultural de seus súditos, visando à formação de uma civilização cristã segundo a concepção de Santo Agostinho em uma de suas obras mais famosas, a De civitate Dei:

“A gloriosíssima Cidade de Deus, seja aqui nesta Terra na sucessão dos tempos, onde ‘vivendo da Fé’ ela peregrina entre os ímpios, seja na estabilidade da eterna morada que presentemente espera com paciência ‘até que a justiça se transforme em julgamento’ e que obterá um dia o esplendor de uma vitória suprema por uma paz perfeita, defendê-la contra os que preferem seus deuses Àquele que a criou, eis o objetivo da obra que começo e com a qual cumpro a promessa que te fiz, meu caro discípulo Marcelino. Tarefa imensa e árdua, mas Deus é nossa ajuda”. (De Civitate Dei contra paganos, Liber I).

Eginhardo, formado na corte carolíngia e autor da Vita Caroli Magni, única biografia escrita por quem conheceu a fundo e na intimidade o Imperador, conta que este fazia ler com frequência trechos dessa obra do grande Padre da Igreja durante suas refeições, realizadas geralmente na companhia de seus familiares mais próximos.

A Cidade de Deus — uma reflexão teológico-histórica sobre o mundo pagão em ruínas após a tomada de Roma por Alarico em 410 e as vicissitudes do cristianismo nascente — delineia os contornos de uma sociedade perfeita que só pode surgir no seio do cristianismo.

Conhecedor profundo dessa inspirada obra, Carlos Magno não desejou senão realizar o ideal do príncipe cristão — tal como Santo Agostinho o imaginava — que emprega todo o seu poder “ad Dei cultum maxime dilatandum”.


O biógrafo de Carlos Magno

Eginhard escrevendo a vida de Carlos Magno, Grandes Chroniques de France
Eginhard escrevendo a vida de Carlos Magno.
Grandes Chroniques de France
Eginhardo— em alemão Einhard — (770-840), o biógrafo de Carlos Magno, nasceu na região do vale do rio Meno.

Pertencia a uma família da aristocracia franca e recebeu sua primeira formação no convento fundado por São Bonifácio em Fulda.

Por seus dotes intelectuais foi enviado em 792 à corte, a fim de terminar seus estudos na Escola do Palácio e integrar o grupo de jovens que seria a futura elite do reino de Carlos.

Teve por mestre Alcuíno, o maior sábio da época. De baixa estatura, apaixonado pela literatura greco-latina, mas também pela matemática e arquitetura, Eginhardo ganhou a confiança de seu soberano, que o enviou a Roma em 806 para receber a aprovação do Papa São Leão III da “divisio regnorum” — documento que regulamentava a sucessão no Império.

Sinal da estima geral de que desfrutava, foi ele que, no ano de 813, pediu a Carlos Magno em nome dos Grandes, que associasse seu filho Luís (o Piedoso) ao poder.

Em 829 ele se retira da corte e se estabelece em Mühlheim, propriedade que lhe concedeu o Imperador, denominada mais tarde Seligenstadt.

Lá ele começa a redigir, segundo o modelo de Suetônio na Vida dos doze Césares, a Vita Carolis Magni, na qual se encontra o testemunho vivo de tudo quanto ele viu e admirou em Carlos.

Uma preciosa biografia — mesmo porque única — para um conhecimento autêntico do Imperador.

No fim da vida, Eginhardo levou a vida de um monge. Em Steinbach, na proximidade de Michelstadt, pode-se visitar a basílica que ele construiu. Um belo testemunho da arquitetura carolíngia.

(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015





Os antepassados de Carlos Magno

Carlos Martel na batalha de Poitiers contra os invasores islâmicos
Carlos Martel na batalha de Poitiers contra os invasores islâmicos
“Nemo summum fit repente” (nada de importante ocorre de repente), diz o adágio latino, que bem pode ser aplicado ao surgimento de grandes personalidades. Estas são como picos do Himalaia, tendo em sua base e a seu lado outros tantos cimos fabulosos. Assim também com Carlos Magno e sua família.

A família de Carlos era desde os fins do século VI rica e influente, fornecendo sucessivos Prefeitos do Paço aos reis da dinastia merovíngia — uma espécie de ministros plenipotenciários, enquanto o monarca ocupava uma função meramente protocolar.

Santo Arnolfo, tataravô de Carlos Magno

Dentre os Prefeitos do Paço sobressai a grande figura de Santo Arnolfo, que exerceu este alto cargo no reinado de Teudeberto II (595-612), distinguindo-se por seus dotes de comandante militar e de administrador civil.

Justo, digno e equitativo, aliava aos gostos de um nobre as qualidades de um homem de Estado. Preceptor do futuro rei Dagoberto, fez deste um rei justo, “le bon Roi Dagobert”, como evoca ainda hoje uma graciosa canção infantil francesa.

Casado, aspirava entretanto a uma vida de recolhimento e oração; de Ansegisel, seu filho primogênito, descende Carlos Magno em linha direta.

Depois de 12 anos servindo na Corte, Arnolfo foi nomeado — para sua grande consternação — para a Sé episcopal de Metz, cujo bispo acabara de morrer.

Embora leigo, não teve como recusar. Ordenado e sagrado Bispo de Metz, governou a diocese durante mais de uma década, retirando-se afinal para levar a vida de recolhimento a que sempre aspirou. Faleceu no dia 18 de julho de 641; seus restos mortais repousam na catedral de Metz.

Carlos Martel

Na linhagem direta de Santo Arnolfo figuram Santo Hugo, arcebispo de Rouen, e seu irmão Carlos Martel, o martelo vencedor dos muçulmanos na batalha de Poitiers, em outubro de 73.

Essa vitória que, pondo freio ao avanço muçulmano na Europa Ocidental, representou um contributo importante para a obra de seu neto, Carlos Magno, rumo à formação de uma Europa cristã na alta Idade Média.

Neste sentido escrevia em 1788 o historiador britânico Edward Gibbon que, sem o Martelo Franco, muito provavelmente os sarracenos teriam chegado “às fronteiras da Polônia e às terras altas da Escócia; a frota árabe teria subido sem lutas o Tâmisa e em Oxford se ensinaria a interpretação do Corão”.

Jacob Burckhardt, historiador alemão, referia-se em 1880 a Carlos Martel como “o grande fundador de uma Cristandade ocidental que impediu que a bandeira do profeta (Maomé) balançasse durante séculos nas torres da França”. (Cfr. Helene Zuber, Razzia in Gallien, Spiegel Geschichte 6, 2012).

Carlos Martel em Poitiers. Charles de Steuben (1788-1856). Museu de Versailles
Carlos Martel em Poitiers. Charles de Steuben (1788-1856). Museu de Versailles
Carlos Martel teve três filhos: Carlomano, Pepino e Grifo, este último oriundo de seu segundo casamento. No ano de 737, quando seu primogênito tinha cerca de 20 anos, toma uma decisão que teria no futuro um resultado importante: deixa vacante o trono dos francos quando da morte do rei Teodorico IV.

Após a morte de Carlos Martel, no outono de 741, Carlomano e Pepino tomam o poder como Prefeitos do Paço e alijam dele seu irmão mais novo, mandando-o para um mosteiro.

Carlomano fica com a Austrásia, a Alamânia e a Turíngia, enquanto Pepino passa a governar a Neustrásia, a Borgonha e a Provença.

Em 743 ambos os irmãos resolvem instalar novamente um rei da dinastia merovíngia, Childerico III, que lhes legitimasse o governo.

Nos anos seguintes empreendem campanhas militares na Aquitânia, Alamânia e Baviera, consolidando sua posição nas partes extremas do reino. Ao mesmo tempo desejam reformar lamentáveis relaxamentos existentes no povo e no clero.

Assim, em 743 Carlomano convoca, com a participação de São Bonifácio, o Concilio Germânico, ocasião em que este santo, escrevendo ao Papa, traça um quadro dramático da situação moral da época:

“No momento as sedes das cidades episcopais encontram-se em grande parte entregues a leigos gananciosos e intrusos, a clérigos que se estadeiam na luxúria e se dedicam a ganhar dinheiro para o gozo mundano”.

E mais adiante fala dos padres “que têm quatro, cinco ou mais concubinas na cama, mas que não se coram nem se pejam de ler o Evangelho”. 

Pepino, por sua vez, convoca um sínodo de bispos na velha cidade real de Soissons, com a recomendação aos sacerdotes de seu reino de não hospedarem mulheres em suas casas, com exceção de suas mães, irmãs e sobrinhas.

Pepino, o Breve, rei dos Francos

No ano de 747, depois de seis anos de governo conjunto, Carlomano surpreende os francos com uma notícia sensacional: resolvera deixar o cargo de Prefeito do Paço para se retirar a um convento, o de Montecassino, na Itália.

Não se sabe ao certo se essa foi uma decisão forçada por seu irmão Pepino ou se resultou de a um movimento da graça divina. Fato é que Pepino tornou-se o único Prefeito do Paço no reino dos francos sob Childerico III.

Ao contrário de Carlomano, que tinha filhos, o casamento de Pepino com a rica condessa Bertrada ainda não frutificara. Depois de muitas orações, no dia 2 de abril de 748 Bertrada dá à luz a um menino, batizando-o com o nome de Carlos. Estava garantida a sucessão.

Três anos mais tarde, Pepino toma uma atitude mais ousada. Em novembro de 751, com o apoio do Papa São Zacarias, reúne os grandes do Reino em Soissons, onde se faz aclamar Rex Francorum separadamente pelos nobres e pelo povo.

Pepino, exercendo seu cargo de Prefeito do Paço, almejava o título de Rei. O poder de fato estava desde há mais de um século nas mãos dos Prefeitos carolíngios do Palácio.

A legitimação para a tomada do título de Rei foi dada a Pepino pelo Papa Zacarias, a quem Pepino enviou seus mais importantes conselheiros, Fulrado de Saint Denis, e o bispo Burkhard, de Würzburg, com a pergunta se era bom que entre os francos houvesse reis “que não tinham poder enquanto reis”.

A resposta do Papa foi: “É melhor designar como Rei aquele que tem o poder”.

São Zacarias foi o último Papa de origem grega. Além de dar grande apoio ao apostolado de São Bonifácio — o Apostolus germanorum —, estabeleceu e fortaleceu as relações da dinastia carolíngia com o Papado.

Em seguida, no ponto alto de uma cerimônia religiosa, ungem-no os bispos com os santos óleos. Quanto a Childerico, o último rei da dinastia de Clóvis, é enviado com o cabelo cortado curto — sinal da perda de sua dignidade real, segundo os costumes merovíngios — juntamente com seu filho Teodorico, para o mosteiro de Prüm.

Pepino o Breve, pai de Carlos Magno. Louis Félix Amiel, Musée historique de Versailles
Pepino o Breve, pai de Carlos Magno. Louis Félix Amiel,
Musée historique de Versailles
Neste mesmo ano de 751, Aistolfo, rei dos lombardos, conquista Ravena, a antiga capital do Império Romano, das mãos dos bizantinos, e no ano seguinte passa a acossar o Papa — então Estêvão II — e a exigir dele o reconhecimento de sua soberania sobre os territórios conquistados.

Abandonado pelo Imperador Romano de Constantinopla, Estevão II solicita ajuda contra os lombardos a Pepino, com quem se encontra na cidade de Ponthion, no reino Franco.

Em consequência das conversações, entre os dois surge uma aliança transalpina que marcará o horizonte político de toda a Idade Média.

No dia 28 de julho do mesmo ano, na Basílica de Saint-Denis, o Papa unge de novo Pepino, juntamente com seus filhos Carlos (747-814) e Carlomano (751-771).

Estabelecido o acordo com o Papa Estêvão II, Pepino rompe a aliança com os lombardos e se dirige militarmente contra eles. Cercado em sua capital Pavia, Aistolfo mostra-se inicialmente conciliatório, mas tão logo Pepino se retira, ataca novamente o Papa em Roma.

O rei dos Francos retorna em 756, derrota os lombardos e obriga Aistolfo a reconhecer o domínio franco, bem como a ceder ao Papa o Exarcado de Ravena, composto pelas cidades de Istria, Veneza, Ferrara, Ravena, Pentápolis e Perugia.

Essa famosa “doação de Pepino”, confirmada e aumentada por seu filho Carlos Magno em 774, constituiu os Estados Pontifícios ou Patrimônio de São Pedro.

Pepino, o Breve, empreendeu ainda guerras bem-sucedidas contra os saxões e os sarracenos, arrebatando a estes a cidade de Narbonne e expulsando-os para além dos Pirineus.

Em 757, o duque Tassilo II da Baviera prestou-lhe juramento de vassalagem. Nos anos seguintes Pepino vai se dedicar à conquista da Aquitânia, o que terá grande importância na futura formação da França.

Carlos e Carlomano

Antes de sua morte no ano de 768, Pepino dividiu o reino entre seus filhos Carlos e Carlomano. Seus restos mortais foram sepultados na Catedral de Saint-Denis, nos arredores de Paris.

Em agosto de 1793, no auge das insânias da Revolução Francesa, um bando de sans-culottes profanou seu túmulo e jogou seus restos mortais numa vala comum.

Ao primogênito Carlos, já experiente nos assuntos do governo apesar de ter apenas 20 anos, coube reinar na Turíngia, na Frísia, na Gasconha, na Nêustria e nas regiões francas entre os rios Loire e Schelde.

Carlomano tinha apenas 17 anos quando começou a governar a parte central do reino: a Provença, o Languedoc, o maciço central, a Alsácia, a Alamânia e a região ao sul de Paris.

Quanto à parte norte da Austrásia, bem como à região dos rios Maas, Mosela e Reno, berço dos carolíngios, e a Aquitânia, foram elas divididas entre os dois irmãos.

As capitais de ambos os territórios eram Noyon e Soissons, distantes uma da outra cerca de 30 km, onde os dois irmãos se fizeram aclamar em 9 de outubro de 768.

Carlomano reinava sobre um bloco mais compacto; por sua vez, as regiões que estavam sob o governo de Carlos eram mais ricas.

Embora Eginhardo assevere que as relações entre os dois irmãos tenham sido inicialmente harmônicas, é inegável que elas se esfriaram pouco depois, quando o duque Hunald se sublevou na Aquitânia, ao saber da morte de Pepino, o Breve.

Carlos solicitou o apoio do irmão para dominar a sublevação e encontrou uma firme recusa de Carlomano em lhe apoiar a expedição militar, aliás vitoriosa.

Tal recusa enfureceu Carlos, pois a seus olhos mais se parecia a uma fuga diante do adversário. Era previsível um entrechoque entre os irmãos, com graves consequências para o reino franco.

Esse perigo se afastou com a morte inesperada de Carlomano, após curto período de doença, no dia 4 de dezembro de 771. Com ela se esfumaçou o pesadelo de uma guerra fratricida.

(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015





Grandes guerras de Carlos Magno

Carlos Magno no cetro de CarlosV
Carlos Magno no cetro de CarlosV

Carlos Magno e a união do Reino Franco

Carlos não perdeu tempo e as duas partes do reino foram reunidas, sem que houvesse oposição dos súditos de Carlomano. Sua viúva, Gerberga, retornou com seu filho à Itália e se refugiou na corte de seu pai, o rei normando Desidério.

“Deus — alegra-se um monge — elevou Carlos como rei de todo o reino sem que fosse derramada sequer uma gota de sangue”.

É o fim de um longo processo de revigoramento e florescimento de um novo reino, que abarcou várias gerações de homens ínclitos, a começar por Santo Arnolfo.

É também o início de uma grande saga, a de Carlos Magno: no fim de seu reinado, ele tornar-se-á o soberano de um imenso território de mais de um milhão de quilômetros quadrados, comportando as atuais França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça, parte da Itália e da Áustria.

Surgia uma formidável nação, conduzida por um homem grande em todos os sentidos.

A personalidade de Carlos

Assim o descreve Eginhardo, no início da biografia do Imperador:

“Carlos era robusto e forte, de alta estatura, a qual entretanto não passava da justa medida. É geralmente conhecido que ele tinha sete pés de altura.(4) Sua cabeça era redonda, seus olhos muito grandes e vivazes, o nariz um tanto longo.

“Tinha belos cabelos grisalhos e uma fisionomia serena e alegre. A aparência era sempre imponente e digna, pouco importava se ele estava sentado ou de pé.

“O pescoço era de fato um tanto grosso e curto e o abdômen sobressaía um pouco, porém esses defeitos não chamavam a atenção por causa da bela proporção de seus membros.

“O passo era decidido, toda a postura de seu corpo, varonil, sua voz era clara, embora não fosse tão forte quanto seria de esperar dada a sua altura. A sua saúde sempre foi excelente, apenas nos últimos quatro anos de sua vida sofreu ataques de febre e no final coxeava de um dos pés...”

Não há documentos que atestem com certeza o lugar de nascimento de Carlos Magno. Talvez tenha sido em Düren, a meio caminho entre Colônia e Aix-la-Chapelle, onde Pepino presidiu em 748 uma sessão judicial; talvez tenha sido nas proximidades de Paris, como supõem alguns historiadores.

É uma pena que Eginhardo, cuja Vita Caroli Magni lança luz sobre todos os aspectos da personalidade do Imperador — enquanto militar, governante, diplomata, reformador da cultura, pai de família, homem de Fé — não nos forneça qualquer indício a respeito do nascimento de Carlos.

Ele afirma que os fatos relativos à sua infância eram por demais conhecidos para que fosse necessário mencioná-los.

Talvez Eginhardo tenha omitido propositadamente os fatos ocorridos entre 748 e 754, e que passadas três gerações, “não eram agradáveis de serem mencionados na Corte”.

Carlos começou a exercer um papel na Corte desde pequeno ao lado de seu pai e de sua mãe, segundo narram as Annales regni Francorum e o Liber Pontificales.

Com seis anos de idade, em 754, foi ao encontro do Papa Estêvão II e o conduziu até seu pai. No ano seguinte, “puer septennis”, participou do traslado das relíquias de São Germano para a igreja de Saint-Germain-des-Prés em Paris.

Em 759 assistiu à tomada de Narbonne, cidade que havia estado durante longo tempo em mãos muçulmanas.

Assim, desde cedo, Carlos foi se preparando para o exercício do poder supremo. Duas qualidades lhe foram de grande valia: sabia como ninguém impor a sua vontade (não arbitrária!) e tinha o discernimento de congregar em torno de si homens de valor em todos os campos: ministros de Deus de comprovada piedade e ortodoxia, sábios dos mais eminentes e eruditos da época, administradores, chefes militares e juízes.

O direito e a justiça lhe eram sagrados. No campo desempenhavam o papel de juízes os simples condes (Grafen); na Corte, os condes do paço (Pfalzgrafen). Contudo, muitas vezes Carlos intervinha pessoalmente.

Conta Eginhardo:“Quando um conde do paço lhe informava de uma disputa judicial que exigia sua decisão, ele mandava entrar imediatamente as partes contraentes, ouvia a explanação do caso e dava sua sentença, exatamente como se estivesse sentado na cátedra do juiz”.

“Imediatamente” — isso podia dar-se até mesmo no meio da noite.

Um juiz precisa ser bom orador. Como juiz supremo, Carlos tinha o dom da palavra, embora sua voz fosse fraca e não proporcional ao seu corpo.

Essa particularidade, indicada por Eginhardo, deixa ver como o biógrafo de Carlos era um observador perspicaz. Segundo ele, Carlos dos olhos grandes e vivos, “exercitava-se continuamente na equitação e na caça, como era o costume de seu povo; pois não se encontrará facilmente sobre a terra povo que nessa arte se possa medir com os Francos”.

Carlos nunca quis distanciar-se do povo, trajando roupas caras e extravagantes. Por isso ele se vestia “segundo os moldes dos francos”.

As camisas eram de linho e também as roupas interiores, sobre as quais trazia um gibão; quando fazia frio, protegia os ombros e o peito “com um casaco feito de pele de foca ou de zibelina”.

À mesa era comedido, embora tivesse grande apetite. Quatro pratos eram suficientes, “fora o assado que os caçadores lhe traziam num espeto e que lhe era muito mais preferível a qualquer outra iguaria”.

Bebia pouco à mesa. Abominava “em extremo” pessoas bêbadas, e jamais quis ver alguém de sua família em estado de embriaguez. Um traço admirável de seu caráter, levando em conta que a bebedeira era mais regra do que exceção nas ceias oficiais da época.

Carlos apreciava a vida de família e foi um bom pai. Todos os seus filhos tiveram sólida educação, independente de seu sexo, nas ciências, “pelas quais ele próprio se interessava”, na literatura, na astronomia.

Não conseguia estar longe dos filhos e dos netos. Conta Eginhardo: “Quando estava em casa, ele jamais comia sem a presença deles”. Nenhuma de suas filhas, que eram muito belas, quis ele dar em casamento, porque não conseguia prescindir de sua presença.

As guerras saxônicas

Carlos foi antes de tudo um grande guerreiro. A esse respeito escreve o historiador alemão Johann Baptist Weiss:

Vitral de Carlos Magno, na catedral de Chartres
Vitral de Carlos Magno, na catedral de Chartres
“A Carlos se chama com razão de Magno: merece este nome enquanto general e conquistador, ordenador e legislador do imenso reino, enquanto inspirador da vida intelectual no Ocidente.

“Sua vida é uma luta contínua contra a brutalidade e a barbárie, contra inimigos do Norte e do Sul, que ameaçam a nova cultura, a nova Religião, a nova cosmovisão da raça germânica.

“O número de suas campanhas militares ascende a 53, isto é, 18 contra os saxões, uma contra os aquitanos, cinco contra os lombardos, sete contra os muçulmanos na Espanha, uma contra os turíngios, quatro contra os ávaros, duas contra os bretões, uma contra os bávaros, quatro contra os eslavos do norte do Elba, cinco contra os sarracenos na Itália, três contra os dinamarqueses e duas contra os gregos.

“A prudência e a valentia de Carlos são únicas, assim como a rapidez com que fulmina seus inimigos, bem como sua sorte, que deixa entrever nele um predileto da Providência, um poderoso do Senhor”.

As guerras contra os saxões foram as que por sua longa duração — 33 anos! — mais puseram à prova a paciência e a perseverança de Carlos. Os saxões eram pagãos entregues a fazer devastações e pilhagens no reino franco.

Tremendos guerreiros, eles viviam em regime de castas, jamais foram vencidos definitivamente pelos grandes generais romanos como Júlio César, Drusus ou Tibério. Derrotados, concluíam pactos de paz, sempre prontos a rompê-los na primeira oportunidade.

Já no ano seguinte à unificação do Reino, na primavera de 772, Carlos reuniu seu exército em Worms, atravessou o Reno e atacou os saxões em Eresburg, citadela e santuário da Westfália, onde se encontrava o famoso ídolo Irminsul.

Uma luta encarniçada se travou, os francos levaram a melhor, destruíram o templo, queimaram o bosque sagrado e derrubaram o ídolo. Os westfálios se submeteram, aceitaram sacerdotes para serem evangelizados e entregaram 12 reféns.

Grande passo rumo à integração dos saxões ao império franco representou a conversão de Widukind, um dos mais notáveis chefes saxões, ocorrida em 785. De Widukind descende Santa Matilde, mãe do Imperador Oto I, o Grande.

Apoio ao Papa contra os lombardos

Caros Magno coroado rei dos lombardos, Claude Jacquand  (1803 - 1878)
Caros Magno coroado rei dos lombardos,
Claude Jacquand  (1803 - 1878)
Da Westfália Carlos correu em socorro do Papa Adriano I, atacado pelos lombardos.

Desidério, rei lombardo, desejava que o Papa ungisse como reis seus netos, os dois filhos de Carlomano, que haviam se refugiado com sua mãe Gerberga em sua corte.

Pretendia assim vingar-se de Carlos Magno pelo repúdio de sua filha, instigando com essa unção uma revolta no Reino Franco.

Adriano I se recusou a ungir os netos de Desidério que, em represália, atacou diversas cidades dos Estados Pontifícios e jurou dirigir-se com todo o seu exército contra Roma.

O Papa não cedeu e mandou murar algumas portas da Cidade Eterna. Em seu socorro acorreu Carlos.

Em setembro de 773 reuniu ele um exército em Genebra, atravessou os Alpes e estabeleceu o cerco de Pavia, capital dos lombardos.

O sítio, do qual saiu vitorioso, durou até meados de 774. Gerberga foi enviada para um convento. E seus dois filhos para um mosteiro.

Enquanto durou o cerco de Pavia, Carlos dirigiu-se a Roma, tendo lá chegado no Sábado Santo, 2 de abril de 774, sendo recebido com grandes manifestações de júbilo e honrarias.

Os romanos vieram ao seu encontro com ramos de oliveira, e os estudantes o aclamaram: “Salve o Rei dos Francos, o defensor da Igreja”!

Carlos dirigiu-se a pé até a Basílica de São Pedro, onde o Papa o esperava nos degraus do pórtico. No dia 6 de abril, Adriano I recordou a doação de Pepino.

Carlos não apenas a confirmou, mas ainda acrescentou aos territórios doados por seu pai a Córsega, o Exarcado de Ravena, as províncias de Veneza e Ístria, bem como os ducados de Benevento e Spoleto.

Ficou estabelecido que Carlos assumiria a proteção dessas províncias e exerceria, sob o título de “Patrício Romano”, a jurisdição suprema em Roma, no Ducado e no Exarcado.

De Roma, Carlos retornou ao cerco de Pavia. Os lombardos não tiveram mais condição de resistir; seus chefes abriram as portas para o exército de Carlos e lhe entregaram Desidério, o qual foi enviado — segundo os costumes da época — a passar o resto de sua vida num mosteiro.

Com a submissão dos lombardos, aos quais Carlos deixara intactos seus direitos, dá-se apenas uma mudança dinástica. Carlos assume o título de “Rei dos Lombardos”.

Enquanto os francos lutavam na Lombardia, os saxões insurgiram-se e devastaram a Frísia e o Hessen. Com a velocidade de uma águia, Carlos retorna e em 775 atravessa o Reno em Colônia, submete novamente os saxões da Ostfália e da Westfália.

Entrementes, explodiu uma conspiração para repor Desidério no trono da Lombardia, com apoio de altos nobres lombardos e da corte de Bizâncio, invejosa com os sucessos dos francos. O plano fracassou graças à vigilância do Papa Adriano I e à rapidez da reação de Carlos.

(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015





O fomento da cultura, a renascença carolíngia

Carlos Magno: busto relicário. Fundo: cúpula da catedral de Aachen
Carlos Magno: busto relicário. Fundo: cúpula da catedral de Aachen
As guerras não impediram Carlos de fomentar a reforma moral no Reino, tanto no âmbito temporal quanto eclesiástico, de impulsionar a cultura e as artes, bem como de estabelecer na estrutura de governo um eficiente sistema de administração e controle.

Para levar a cabo as reformas que desejava implantar, cercou-se em Aix-la-Chapelle (Aachen) — onde praticamente estabeleceu sua capital, vivendo alí a maior parte dos últimos 20 anos de sua vida — dos mais eminentes sábios da época.

Eles provinham de toda a Europa, tais como Alcuíno (inglês), Paulo Diácono (lombardo) e São Rabano Mauro, nascido em Mainz e futuro abade de Fulda, cognominado posteriormente de “Praeceptor Germaniae”.

Alcuíno, que Carlos conheceu em Parma, foi talvez um dos mais importantes “scholars” da corte carolíngia. Nascido por volta de 730, formara-se na escola diocesana de York, da qual se tornou um dos mestres. Uma de suas obras mais notáveis foi a correção da Vulgata de São Jerônimo, adotada pelo Concilio de Trento.

Seu papel enquanto conselheiro pode ser bem notado no texto emblemático da renascença carolíngia, a Capitular intitulada “Admonitio generalis”, de 789.

Nela se encontra o famoso artigo ordenando o estabelecimento de escolas em todas as dioceses e em todos os mosteiros para formar jovens com vocação clerical, que fossem suficientemente instruídos para bem rezar, ensinar e dirigir o povo cristão rumo à salvação.

Nessa linha se insere o empenho de Carlos na correção dos livros litúrgicos e na uniformização da liturgia.

No incremento da cultura, o Imperador incentivou a cópia e difusão das principais obras da Antiguidade. Batalhões de copistas trabalhavam sem cessar em sua corte.

Reforma caligráfica carolíngia: alternando maiúsculas, minúsculas e espaços a leitura ficava facilitada enormemente
Reforma caligráfica carolíngia: alternando maiúsculas,
minúsculas e espaços a leitura ficava facilitada enormemente
Não se deve esquecer que uma folha dupla de pergaminho exigia a pele de uma ovelha. As cópias produzidas nos ateliês de copistas impulsionados por Carlos representaram um investimento de capital imenso, pois custaram rebanhos de milhares de ovelhas.

Uma inovação de grande importância nas cópias de obras clássicas foi a introdução das letras minúsculas, que facilitaram enormemente a leitura, bem como a invenção do sinal de interrogação.

A reforma eclesiástica e administração do Império

Numa época em que se verificava um tremendo relaxamento da disciplina eclesiástica e se multiplicavam os escândalos ocasionados por padres e monges, Carlos Magno deitou especial atenção na reforma dos costumes, porque concebia como parte essencial de seu múnus real a salvação eterna de seus súditos.

Considerada a imensidão de seu Reino, árdua era a tarefa de bem administrá-lo. Era preciso transmitir ordens, verificar o seu cumprimento, retificar o que não estivesse correto, receber informações, mandar instruções, controlar o exercício da justiça e tomar um sem-número de outras providencias.

Para tal, Carlos instituiu os famosos “missi dominici”, que eram constituídos por dois enviados, um clérigo e um leigo, a todas as partes do Império em que era necessário estabelecer um controle, tomar medidas, desenvolver um plano, em suma verificar se as decisões reais, codificadas nas famosas Capitulares, estavam sendo bem aplicadas.

Essa instituição dos “missi dominici” — de tendência nitidamente centralista, cumpre reconhecê-lo — demonstra o desejo de Carlos de, controlando o poder de seus condes, assegurar a unidade e a justiça na administração do Estado, numa época atribulada por restos de barbárie e de tendência para o caos.

(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015






Carlos Magno Imperador do Sacro Império e sua morte

De 775 a 800 transcorreu um quarto de século. Durante esse período, praticamente não houve ano em que Carlos Magno não empreendesse uma campanha militar, seja nas marcas (territórios de divisa) espanholas, no sul da Gália ou em outras fronteiras do reino franco.

Relatá-las, ou mesmo referi-las, extravasa os limites deste artigo. Embora já em 799 as marcas espanholas estivessem asseguradas e, no Mediterrâneo, as Ilhas Baleares, Córsega e Sardenha fossem protegidas por tropas carolíngias contra os ataques mouriscos, os saxões continuavam em ebulição.

No início de 800, Carlos encontrava-se em campanha, esperando ajuda de seu filho Luís, o Piedoso, para lhes infligir uma derrota definitiva, quando recebeu notícias de Roma.

O Papa São Leão III, que em 795 sucedera a Adriano I, tinha sido gravemente agredido em Roma durante uma procissão no dia 25 de abril de 799, escapando por pouco de ser assassinado.

Preso por sediciosos, o Pontífice conseguiu escapar e procurou socorro junto a Carlos, com quem se encontrou em Paderborn, em agosto do mesmo ano. São Leão III permaneceu até o início do outono na corte de Carlos, retornando a Roma com um grande séquito de bispos e soldados.

Dominada a sedição na Cidade Eterna, os chefes do atentado foram presos e condenados à morte. A execução da pena foi adiada até a chegada do rei dos Francos.

Carlos chegou em fins de dezembro do ano seguinte. No dia 1o de dezembro de 800 julgou na Basílica de São Pedro os culpados do atentado contra o Papa, cuja condenação à morte foi confirmada.

Carlos Magno consigna a Santa Túnica de Nosso Senhor ao mosteiro de Argenteuil. Basílica de Argenteuil, região de Paris.
Carlos Magno consigna a Santa Túnica de Nosso Senhor ao mosteiro de Argenteuil.
Basílica de Argenteuil, região de Paris.
São Leão III, de própria iniciativa, prestou um juramento de que eram falsas as acusações de que era objeto e pediu que lhes fosse comutada a pena de morte em exílio.

No dia 25 de dezembro, na Basílica de São Pedro, estando Carlos rezando junto ao altar após a Missa solene, Leão III lhe coloca sobre a cabeça a coroa imperial, sob a aclamação dos romanos presentes: “Vida e vitória a Carlos, piedosíssimo Augusto, grande e pacífico monarca coroado por Deus!”.

Eginhardo assevera que Carlos não desejava essa honra e que teria deixado de ir à Basílica de São Pedro, caso soubesse o que iria acontecer.

J. B. Weiss, contudo, é da opinião de que a manifestação de desagrado do Imperador foi mais bem um ato político, uma vez que a dignidade imperial desagradava a muitos de seus súditos, receosos de mais guerras e eventuais problemas diplomáticos com a Corte de Constantinopla.

Seja como for, o gesto de São Leão III coroando Carlos Magno Imperador na noite de Natal de 800, instaurando assim um império de 1000 anos — o Sacro Império só foi abolido por Napoleão Bonaparte em 1804 — teve uma importância incomensurável para a Cristandade.

O peso, a influência, o prestígio do Império deslocavam-se do Oriente, de Constantinopla, para o Ocidente.

É a Cristandade ocidental que vai empreender a epopeia da cristianização dos povos bárbaros, das cruzadas contra os infiéis, do descobrimento do Novo Mundo, das missões na África e na Ásia — tudo isso a partir do impulso que a restauração do Império Romano proporcionará à civilização cristã ocidental.

* * *

Carlos Magno faleceu no dia 28 de janeiro de 814, tendo recebido o Viático no dia anterior. Ele foi o homem certo no lugar certo, no momento propício. E houve um Papa, São Leão III, que profeticamente soube discernir as vias da Providência.


(Fonte: Renato Murta de Vasconcelos. CATOLICISMO, fevereiro de 2015





Othon I, o Grande, restaurador da obra de Carlos Magno

Othon I representado no sarcófago de Carlos Magno, Aachen
Othon I representado no sarcófago de Carlos Magno, Aachen

Othon I, o Grande, foi chamado a reger o Sacro Império num momento muito delicado.

O sacro império fora instituído na pessoa de Carlos Magno que foi o ápice da sua dinastia. Os Carolíngios, isto é seus descendentes, gastaram inconsideradamente o patrimônio legado pelo grande Carlos em brigas recíprocas sem glória.

Depois do filho de Carlos Magno Luiz, o Piedoso, o Império foi dividido em três partes.

A França e a parte espanhola do Império coube ao príncipe Luis; a Alemanha coube a Carlos outro filho e a parte central coube a um terceiro filho de nome Lotário.

Esta parte central ocupava os Países Baixos, a Alemanha mais ou menos na linha da Borgonha e da Lorena, a Suíça e a Itália. Formava um grande eixo que corria a Europa de Norte a Sul.

Os Carolíngios alemães decaíram terrivelmente e nem se sabe bem exatamente quando faleceu o último carolíngio alemão.

Em 896 era rei da Alemanha um Carolíngio, Arnolfo, que entrou em Reims à força e se fez coroar Imperador por um Papa Formoso, português.

Arnolfo foi pai do último Carolíngio chamado Luiz, o Menino, coroado no ano de 900.

Othon I, rei e imperador
Othon I, rei e imperador
Extinta a dinastia, os chefes dos ducados étnicos mais importantes elegeram imperador a Conrado I, o Sábio.

Os eleitores não quiseram saber de imperador ou rei hereditário. Declararam que cada vez que o trono vagasse, elegeriam um outro. Nasceu assim o hábito de ser o imperador eletivo.

Quando Othon subiu ao trono, a Alemanha se compunha dos chamados ducados étnicos. Quer dizer, das grandes famílias de povos alemães: a Saxônia, a Lorena, a Baviera, a Suábia e a Francônia.

O povo alemão muito numeroso tinha uma tendência muito grande para o regionalismo, o individualismo, para a formação de pequenos lares, aldeias e circunscrições ricas em vida própria e inteiramente típicas.

Othon I encontrou diante de si o feudalismo que se formava e que estava na força de sua expansão.

A sua tarefa então consistiu, em primeiro lugar, em não conter nem destruir essas forças feudais que subiam.

Esses grupos feudais alemães julgavam conveniente que provindo todos de uma origem comum deveriam ter um governo comum para os vários grupos. Mas, por outro lado, em virtude de seu regionalismo, viviam brigando entre si.

Othon I realizou a dura tarefa de reunir os povos germanos dispersos
Othon I realizou a dura tarefa de reunir os povos germanos dispersos
Othon então teve que restaurar continuamente a unidade porque ela se desfazia em brigas locais. Mas deveria recriar sempre a união sem asfixiar os grupos feudais que eram os elementos constitutivos do tecido vivo do império.

Ao mesmo tempo, Othon tinha que lutar contra os adversários da Cristandade, que eram muito poderosos no Oriente. Por exemplo, o litoral báltico e a Polônia eram habitados por bárbaros cruéis em perpétua luta contra os alemães.

Então, Othon decidiu expandir a Fé para aquelas paragens e chegar, se possível, até um povo selvagem e inóspito que habitava a atual Dinamarca, e outros mais selvagens e mais inóspitos, na Suécia e na Noruega.





Othon I restaurador do Sacro Império

Coroa imperial de Carlos Magno, usada por Othon I
Coroa imperial de Carlos Magno, usada por Othon I
Othon I, segundo os contemporâneos, era um homem grande, de estatura impressionante, de olhos sempre em movimento. Seus olhos estavam constantemente observando todas as coisas.

Logo que subiu ao trono ele encontrou revoltados contra ele e lhe disputando a coroa, o irmão mais velho e o irmão mais moço.

Para resolver a briga, reuniram-se os representantes nobres de toda a nação alemã e decidiram, por eleição, que Othon deveria ser o imperador.

A coroação e unção dele como imperador se deu em Aix-la-Chapelle no ano de 938.

Ele teve guerras em todas as direções. Atacou a França mas não conseguiu conquistá-la. Celebrou a paz com os franceses.

Ao mesmo tempo, ele moveu guerra à Dinamarca e à Polônia nesse tempo pagãs.

O centro do reino de Lotário tinha se deslocado para a Itália e era disputado avidamente por dois carolíngios, Lotário e Besengário. O primeiro morreu e o segundo ficou oprimindo a viúva dele.

Então a viúva de Lotário mandou pedir a Othon que transpusesse os Alpes e fosse em seu socorro na Itália. Ele desceu, libertou a viúva opressa casou-se com ela, ficou rei da Itália e impôs tributo a Besengário. Por esta forma, estendeu seu reino e ficou com seu território consideravelmente ampliado.

Besengário revidou promovendo uma revolta do filho de Othon na Alemanha. O filho era duque da Baviera.

Então ele renunciou a alguns territórios seus em favor da Baviera e lá deixou seu filho. Deu algumas terras a Besengário exigindo que o reconhecesse como rei da Itália e aquietou um pouco essa revolta.

Isto feito, novos inimigos, os húngaros, vinham apontando no horizonte.

Othon I e sua esposa Adelaide, catedral de Meissen
Othon I e sua esposa Adelaide, catedral de Meissen
Os húngaros eram terríveis. No ano 955, somente, é que ele conseguiu, depois de muita luta, acabar com os húngaros. Desta maneira ele estava constantemente em dificuldades por causa da política externa.

Nos ducados étnicos uma porção de duques eram contrários a ele. Othon percebeu que para resolver o caso tinha de depô-los a todos e substituí-los com parentes seus.

Mas era uma tarefa difícil. Primeiro, porque não é fácil tirar-se um duque étnico de um ducado. Segundo, porque os parentes que ele colocou ofereceram muito pouca estabilidade. Estavam sempre se revoltando contra ele.

Foi exatamente o que sucedeu aos parentes do Othon. Não devemos pensar que ele colocava em cada ducado um homem fiel e esse homem aí ficava. Os súditos não gostavam do homem porque ele não era daquele grupo étnico e os homens não agradeciam a Othon como deviam agradecer.

Othon I
A Francônia ele deu a um filho que tinha o nome de Conrado, o Rubro. A Suábia ele acabou tirando a Ludolfo, que era rebelde e deu-o a um genro de Henrique, duque da Baviera. Depois ele também tirou a Baviera de Ludolfo.

Nos flancos dos ducados ele instituiu uma coisa curiosa. Havia os grandes ducados e ele então instituiu, perto dos ducados, os palatinados.

Os palatinados eram territórios que ficavam entre os ducados, mas que constituíam uma espécie de pontos encravados. E esses territórios dependiam diretamente dele, eram altamente fortificados e eram as chaves estratégicas para a entrada nos ducados.

De maneira que quando algum ducado fizesse guerra com ele, as tropas dos palatinados marchavam contra o ducado antes mesmo dele ter entrado com suas tropas em ação.

Esse era o mesmo processo com que os imperadores da antiga Pérsia mantinham a unidade do Império. Como o Império era muito extenso eles abriram vias de comunicação magníficas passando todas por pontos estratégicos.

Nesses pontos eles colocaram fortalezas formidáveis em guarnições imponentes. Eles diziam que era para não irritar as cidades.

Mas de fato era impossível a revolta contra eles, porque os pontos de comunicação estavam ocupados. Qualquer revolta que houvesse eles interceptavam e depois debelavam.

Ao mesmo tempo ele era um homem de muito bom gosto e por causa disso compreendeu que se pode muito bem ser, com espírito, com inteligência, com elegância, ao mesmo tempo príncipe espiritual e temporal.

Não ter a situação isolante de muito bispo de hoje que não governa nenhuma terra a não ser espiritualmente. Começou então a instituir principados eclesiásticos.

A parte do rei da Germânia na nomeação dos bispos era muito grande. Ele podia portanto, com seus descendentes colocar em feudos eclesiásticos bispos fiéis a ele e por esta forma ainda agarrar por outro lado o Império.
Trono de Carlos Magno em Aachen, onde foi coroado Othon I

Portanto, sem extinguir os ducados, criando elementos compensadores que evitassem que os ducados extinguissem a própria realeza.

Era uma tendência para instituir o equilíbrio sem destruir o feudalismo. Uma política muito sábia.

Quando Othon se encontrou no ápice de seu poder, ele quis também pensou na sucessão.

O estratagema foi: quando o rei tinha o herdeiro do trono já maduro, ele o fazia eleger como co-rei, de maneira que ficava assegurada a sucessão e a eletividade passava a ser apenas um símbolo.

No ano 961 seu filho Othon, que veio a ser Othon II, foi eleito também rei da Germânia, sagrado em Aix-la-Chapelle.

Othon I, no ano de 962, foi a Roma. E ali ele se fez coroar imperador do Sacro Império Romano Alemão.

Então, neste momento, ele cingia três coroas: a coroa de ferro, que era a coroa de rei da Itália, a famosa coroa da Lombardia; a coroa de prata que era a coroa da Alemanha; e a coroa de ouro que era a coroa de imperador do Sacro Império Romano Alemão.

Este Império abrangia um território muito considerável, o maior território da Europa.





Othon I e os problemas no Sacro Império derivados das diversidades étnicas

Othon I com o Papa João XII
Othon I com o Papa João XII
A noção do Sacro Império Romano Alemão se nos apresenta de um modo feudal. É o conglomerado de reinos que estão debaixo da dependência do imperador sagrado pelo Papa. Assim como temos o rei acima dos duques, acabamos tendo o imperador acima dos reis.

Othon era imperador e rei. Mas juridicamente e teoricamente alguém podia ser imperador sem ser rei.

Sobre este Império pairou desde logo uma ambigüidade. Essa ambigüidade deu origem a polêmicas, a discussões em que os espíritos se rebelavam muito.

Primeiro problema: o Sacro Império abrangia só os povos de nação alemã? Seu título faz pensar nisto, mas o próprio título traz uma contradição: romano. Se é romano não se pode dizer que seja da nação alemã.

Segundo problema: a abranger povos não germânicos quais eram esses povos? Eram apenas povos vizinhos que tivessem sido conquistados ou toda a cristandade estava sujeita naturalmente ao Sacro Império?

Esta questão também era discutida. E o curioso é que ela era discutida entre os povos não alemães e discutida entre os alemães.

Entre os alemães porque havia Alemães nacionalistas que entendiam que a pertencença de elementos não germânicos dentro do Império diminuía a plena propriedade que os alemães tinham do Império e que o Império era um mecanismo alemão para a Alemanha.

Os outros se consideravam expulsos. Nos outros povos era a tendência à independência, ao nacionalismo que conhecemos.

Em Lechfeld, Othon I salvou a Cristandade dos húngaros ainda pagãos
Em Lechfeld, Othon I salvou a Cristandade dos húngaros ainda pagãos
Entretanto, o fato concreto é que foi tão grande o poder dos imperadores que eles, a partir da constituição em 962, do Sacro Império Romano Alemão, os embaixadores dos imperadores tiveram precedência sobre os embaixadores de todos os reis.

O imperador, quando se encontrava com qualquer rei tinha precedência sobre todos os reis.

Os príncipes da casa imperial tinham precedência sobre os outros príncipes. A dignidade de príncipe do Império era uma dignidade maior que a de qualquer outro príncipe.

A França, sem reconhecer juridicamente a supremacia do Sacro Império, nesse tempo, funcionava como um verdadeiro protetorado do Sacro Império.

Até a queda de Dom João•VI, certos funcionários do Sacro Império Romano Alemão tinham, em Portugal, as mesmas prerrogativas dos funcionários portugueses. Isto é expressão de uma certa jurisdição.

A ideia de Othon I era restaurar o Império de Carlos Magno que, segundo a concepção antiga, existia quase que de direito natural.

A ideia da existência de um Império Romano que se não existia, devia existir, e que a qualquer momento podia ser restaurado, era uma coisa que já vinha do tempo dos bárbaros.

De maneira que quando Othon I, com a aprovação do Papa, que era o poder competente para dispor sobre o Império, segundo a concepção vigente, declarou a coisa restaurada, reputou-se que ele estava investido em toda a dignidade de imperador.

O Sacro Império (em azul) no fim do reinado de Othon I
O Sacro Império (em azul) no fim do reinado de Othon I
Luiz, o Piedoso, quando consentiu na divisão do Império, ele conservou para si a dignidade de imperador e deu três reinos para cada filho. E depois disso houve durante algum tempo a dignidade de imperador acima dos reis. Então entendeu-se que estava perpetuada essa situação.

Othon I, coroado imperador, continuou a luta contra os pagãos. Foi ele que fundou Magdeburgo, instituiu ali um bispado, fundou o bispado de Praga.

Em relação aos eslavos teve a política de conversão pela força, não muito legítima, mas muito eficiente, seguida por Carlos Magno.

Apesar disto, há um fato lamentável. As relações entre os imperadores e os papas tendiam a envenenar-se facilmente.

Em 963, depois de desentendimentos sérios, ele invade a Itália e depõe o Papa João XII, que ele considerava muito independente e cria um anti-papa chamado Leão VIII que ficou exercendo as funções de 963 a 965. Os romanos não satisfeitos com aquilo, em 964 elegem Bento V Papa. Othon o depõe e restaura Leão VIII.

Depois disto ele se desgosta de Leão VIII e levanta outro papa, João XIII. Este João•XIII parece que foi um Papa legítimo e governou de 965 a 972.

Outra démêlé muito forte dele foi com os bizantinos. Os bizantinos eram portadores da coroa imperial e eles não podiam se contentar com o fato de que a dignidade imperial do Ocidente fosse usada por gente nova, semi-bárbara, como eram os germanos. Quando viram restaurada a dignidade imperial, protestaram.
O túmulo de Othon I, hoje, em Magdeburgo, Alemanha
O túmulo de Othon I, hoje, em Magdeburgo, Alemanha

Mas a coisa se aclimatou bem, porque Othon, vendo o desdém dos bizantinos por ele, aborreceu-se e atacou a Itália do Sul. Ele precisava proteger a Itália do Sul contra a investida árabe e ele queria se vingar do desdém dos bizantinos.

Nesta situação, os bizantinos, sentindo que não podiam defender a Itália do Sul, reconheceram o Império e houve o casamento de um filho de Othon com uma princesa bizantina em 972, na igreja de São Pedro, em Roma.

Em 973, Othon I morreu de modo repentino e foi sepultado em Magdeburgo.

Durante seu reinado houve um grande florescimento das Letras, uma espécie de “renascença carolíngia”.





Carlos Magno: o Moisés da Cristandade medieval

Carlos Magno, iluminura do século XV. British Library
Carlos Magno, iluminura do século XV.
British Library
Nós lemos o seguinte sobre Carlos Magno, na grande “História Universal” de João Baptista von Weiss, historiador alemão católico condecorado pelo Papa Beato Pio IX com a Ordem de São Gregório:

Em 772, com 30 anos, Carlos tomou o governo do reino dos francos. Com razão Carlos se chamou Magno. Mereceu esse nome como general e conquistador, como ordenador e legislador de seu imenso império e como incentivador de toda a vida espiritual do Ocidente.

Por seu governo, as ideias cristãs alcançaram vitórias sobre os bárbaros. Sua vida foi uma constante luta contra a grosseria e a barbárie, que ameaçavam a Religião Católica e a nova cultura que nascia.

Nada menos que 53 expedições militares foram por ele empreendidas, a saber: dezoito contra os saxões, uma contra a Aquitânia, cinco contra os lombardos, sete contra os árabes, da Espanha, uma contra os turíngeos, quatro contra os ávaros, duas contra os bretões, uma contra os bávaros, quatro contra os eslavos, cinco contra os sarracenos da Itália, três contra os dinamarqueses e duas contra os gregos.

No Natal do ano de 800, o Papa São Leão III o elevou à dignidade de Imperador, fundando assim a mais nobre instituição temporal da Cristandade, O Sacro Império Romano Alemão.

A 29 de fevereiro de 814, Carlos faleceu, depois de ter recebido a Sagrada Comunhão. Foi enterrado, segundo a legenda, em um nicho da Catedral de Aix-la-Chapelle, em posição ereta, sentado em um trono, cingido de espada e com o livro dos Evangelhos nas mãos.

É ele o modelo dos imperadores católicos, o protótipo do cavalheiro e a figura central da grande maioria das canções de gesta medievais”.

Quando se fala de Carlos Magno, de seus feitos e de sua grandeza, me vem à ideia a figura extraordinária de Moisés, também com seus feitos e sua grandeza.

Moisés estabeleceu a ordenação política e social do povo eleito, que era a prefigura da Cristandade.

Ele recebeu a revelação dos Dez Mandamentos da Lei, o que levou o povo eleito até as portas da Terra Prometida, tirando-o do cativeiro.

Ele estabeleceu os elementos fundamentais para que o povo eleito se fixasse e dele viesse a nascer o futuro Salvador.

Moisés, catedral de Edinburgo, Escócia
Moisés, catedral de Edinburgo, Escócia
Carlos Magno teve uma tarefa que, considerada em essência, foi análoga à de Moisés.

Ele tomou o povo eleito verdadeiro, que não eram mais os judeus, que eram uma prefigura do povo eleito.

Mas o povo verdadeiro, que é o povo católico, que estava sujeito a uma servidão iminente da parte dos piores adversários.

E por uma luta tremenda, ele venceu esses adversários todos e estabeleceu os fundamentos da Civilização Cristã.

Para nós nos darmos ideia um pouco do que foi a tarefa de Carlos Magno, nós temos que considerar as condições de seu tempo.

Até o século V de nossa era, o Império Romano do Ocidente cobria toda a Europa Ocidental.

E, em linhas muito gerais, estendia as suas fronteiras desde o Reno e do Danúbio até Portugal, no sentido do Ocidente; até a Inglaterra no sentido do norte, e até a Itália no sentido do sul. Era portanto uma imensa unidade.

Ainda mais imensa porque as vias de comunicações muito mais lentas naquele tempo do que no nosso, faziam com que fosse muito difícil um imperador governar toda essa extensão.

De maneira que as dimensões do Império, calculadas em proporção com a máquina administrativa e política que deveria mantê-lo uno, eram proporções verdadeiramente gigantescas.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 30/10/72. Sem revisão do autor)





Carlos Magno, formador de homens de grande estatura,
mas submissos à autoridade temporal e à Igreja

Busto-urna com relíquias de Carlos Magno. Fundo: catedral de Aachen, capital de seu império.
Busto-urna com relíquias de Carlos Magno.
Fundo: catedral de Aachen, capital de seu império.
Carlos Magno, grande guerreiro foi ao mesmo tempo um grande formador de homens.

Ele formou um conjunto de heróis que passou para a História como o conjunto dos conjuntos, que foram os Doze Pares de Carlos Magno.

Quando se fala de Par de Carlos Magno, se fala também de uma relação ideal entre um senhor e seu servidor.

Na ordem temporal, nunca a relação entre um chefe e seus súditos foi tão nobre, tão elevada, tão forte, nunca condição de súdito foi tão categórica, mas ao mesmo tempo comunicativa de tanta grandeza, quanto alguém ser um Par de Carlos Magno.

Entre Carlos Magno e seu pares havia um andar de diferença. E ele era de tal maneira, que todos os Pares juntos não davam o que ele era.

Mas um Par de Carlos Magno era como que uma projeção de um aspecto da personalidade dele.

Um Par de Carlos Magno era como um filho e um embaixador de Carlos Magno, trazendo consigo toda a carlomanicidade que ele tinha, participando da majestade de Carlos Magno, da força, da grandeza... Eram outros ele mesmo, embora ele fosse inconfundível.

Nessa relação está exatamente a beleza do nexo que o unia a eles.

De outro lado, uma coisa muito bonita era a solidariedade desses Pares. Uma solidariedade sem vaidade, sem inveja, que visava apenas o serviço do Imperador.

Estátuas dos Pares da França em volta do túmulo de São Remígio, Reims
E no serviço do Imperador, a Causa da Civilização Cristã e, portanto, da Igreja Católica, e portanto, de Nossa Senhora, e portanto, de Nosso Senhor Jesus Cristo no mais alto dos Céus, por uma série de mediações, que Carlos Magno servia.

E por isso, eles eram intimamente unidos entre si. E o modelo ideal da amizade nobre, forte, varonil, despretensiosa e leal é a amizade que reuniu os Pares de Carlos Magno.

Por causa disto, por uma tradição cristã em todos os países da Europa, a alta nobreza procurou tomar o título de Par, exatamente um Par do Reino, no Reino Unido, um Par do Reino na França.

Eram uma cópia de Carlos Magno com seus Pares, de tal maneira Carlos Magno era a personificação de toda a perfeição de relações com os seus súditos, que ele elevava à condição de filhos e de outros “eu mesmo”, embora ele os mantivesse, ao mesmo tempo, claramente na posição de súditos.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 30/10/72. Sem revisão do autor)





Carlos Magno segundo o pintor Albrecht Dürer

No famoso quadro do pintor alemão Albrecht Dürer (1471 – 1528), o artista imaginou em 1512 – portanto muitos séculos depois – a Carlos Magno entre a idade madura e a orla da velhice.

O seu bigode ainda é, em parte, castanho louro, mas uma parte é já branca e completamente alva.

O seu olhar é de um homem experimentado, que está prevenido para ver o adversário vir de qualquer lado e a qualquer momento.

Ele é seguro de si como um Himalaia.

Todo seu olhar revela a contínua vigilância, mas todo o modo de ser, seu rosto, seu corpo, tudo o mais indica a contínua estabilidade, a contínua distância psíquica: “se for, veremos. Por enquanto estou tranquilo. E na hora do combate não deixarei de estar tranquilo, porque confio em Deus, meu Senhor”.

Uma coroa magnífica, feita de joias ainda não lapidadas – não se lapidavam as pedras nesse tempo – que se guarda, aliás, na Schatz Kammer, câmara do tesouro imperial, no palácio imperial de Viena hoje em dia.

E um manto maravilhoso de brocado, com a águia imperial servindo de ornato em alguns pontos.

Dir-se-ia que a águia é ele, e ele é entre os homens o que a águia é entre os pássaros.

A coroa é encimada pela Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim como a Cruz esteve no alto do Calvário, no alto dessa glória toda ela reluz também.

Essa Cruz é, ao mesmo tempo, a lembrança adorante de nosso Redentor e Criador.

Mas, de outro lado, é também a glorificação, quase um ato de reparação: fizeram para ele uma cruz, preta, dura, um instrumento de suplício, de infamação, quiseram difamá-Lo.

Agora está no alto da coroa imperial em ouro e pedras preciosas, pronto! Para glorificá-Lo! Como quem diz: “algozes miseráveis que fizestes o que fizestes, aqui está o Sacro Império Romano inteiro, do alto da minha fronte, oferecendo um ato de reparação”!


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 22/2/86. Sem revisão do autor)





Carlos Magno, modelo ideal de imperador católico

Todas as áreas de civilização têm seus homens-mito, que simbolizam certos traços de caráter e fatos que efetivamente não se deram na vida desses homens.

Em outras palavras, há um modo de ver o homem-mito que transcende o próprio homem.

Corresponde a uma concepção que freqüentemente se tem a respeito de pessoas que personificam o que elas simbolizam.

São pessoas que simbolizam uma realidade superior que é, por sua vez, um produto de nosso espírito.

Tal fato decorre da necessidade que sentimos da individuação ou personificação de certos princípios ou valores.

O homem-mito se situa, pois, numa esfera transcendente, uma super-esfera, da qual ele comunica aos homens a sua transcendência.

Essa transcendência é o mito. Então, a idéia de mito traz consigo a idéia de uma trans-esfera.

Falando-se de governantes, ainda hoje Carlos Magno continua presente.

É um modelo ideal.

Os reis se sentiam na obrigação de seguir esse modelo.

O modelo ideal de rei governou mais do que os reis de carne e sangue que regeram a Europa.

Talvez o que a figura de Carlos Magno tem de grandiosa, e até de incomparável, seja a ideia tão sublime que ele dá, de um imperator católico, guerreiro, meio profeta.

Ele sugere uma idéia tão alta desta condição que se chega a entrever um poder imperial maior que o dele, realizado numa ordem maior do que a dele: um imperator perfeito que não é Deus, é uma simples criatura.

Seria uma criatura possível, mas que, de fato, jamais existiu como é correntemente imaginado.

Há, portanto, dois Carlos Magnos: o Carlos Magno histórico e o da trans-esfera.

Imagina-se um Carlos Magno irreal, mas que, ao mesmo tempo, é mais profundo que o Carlos Magno real.

E esse Carlos Magno irreal atua. Sua lembrança gera consequências.

A História do mundo certamente seria algo diferente se, depois de sua morte física, o Carlos Magno da trans-esfera também desaparecesse.

A legenda acabou transformando Carlos Magno no Imperador da trans-esfera.





O busto e a estatueta de Carlos Magno:
o mito e a realidade do imperador

Busto relicario de Carlos Magno.
Fundo catedral de Aachen (Aquisgrão), Alemanha.
A urna-relicário conservada em Aachen (Aquisgrão), Alemanha, representa o busto de Carlos Magno e contém como relíquia um pedaço da calota craniana do grande imperador.

O busto relicário remonta a 1349 e apresenta, mais do que o Carlos Magno histórico, a imagem mítica do  imperador que os povos do Sacro Império foram elaborando ao longo dos séculos.

A importância desse relicário se pode medir num costume medieval das cerimônias prévias às coroações imperiais.

Quando o príncipe escolhido pelos Kurfürsten (Príncipes Eleitores) em Frankfurt chegava a Aachen para a coroação, o busto-relicário era levado até as portas da cidade para que alí recebesse seu sucessor.

A urna apresenta Carlos Magno com uma coroa muito bonita, feita de florões e de um arco que tem uma cruz no alto. A coroa foi usada pelo imperador Carlos IV na sua primeira coroação em 1346.

No alto, a coroa é fechada por um arco que tem no alto uma esplêndida Cruz, símbolo que o poder vem do Santíssimo Redentor Jesus Cristo.

Carlos Magno é representado sereno, digno, belo, mas não tem nada de enfeitado. Antes, pelo contrário, ele tem a força de um caipirão unida à majestade nesse monarca tão grande, e que se sente bem no seu papel, e quer ser assim.

Notem os adornos no peito dele. São águias que formam pequenos corpos bordados em todo busto.

Na metade inferior há flores de lis sobre um fundo azul. Trata-se da união das duas maiores potências da Europa medieval: o reino da França e o universo alemão.

Carlos Magno, estatueta equestre no Museu do Louvre. Fundo catedral de Metz, França.
Carlos Magno, estatueta equestre no Museu do Louvre.
Fundo catedral de Metz, França.
Por sua vez, a estátua equestre de Carlos Magno que se exibe no Museu do Louvre em Paris, tal vez seja a única figura historicamente fidedigna de Carlos Magno.

Na estatueta vemos o Carlos Magno segundo a história, e não Carlos Magno da ficção, como nós vimos acima.

Ele é muito rico? Ele é um rei de um país ainda pobre, mas que está cavalgando rumo a riqueza.

Alguém poderia achar que ele foi um miserabilista.

Vendo a estatueta percebe-se bem que ele tem qualquer coisa de bárbaro ainda.

Ele é forte, dominador. Ele cavalga sem muita filustria de andar protegendo direitos de bicho, direitos de planta, essas loucuras que ele, aliás, nem compreenderia se quisessem explicar para ele.

Ele era um homem deveras, e como um homem deve ser para merecer ser homem.

Carlos Magno foi tão rico de predicados que nele se pode reconhecer um enviado do Céu.

Quando Deus dá predicados extraordinários, por exemplo, a um grande músico, a um grande pintor, a um grande poeta, frequentemente, talvez seja sempre, Deus tem para aquele um desígnio especial.

De maneira que um grande homem ou é uma bênção, ou é um flagelo. Então se compreende que vendo um grande homem se diga: “Deus teve sobre ele desígnios especiais”.

Carlos Magno é afigurado como um homem de corpo robusto, que tem cabelos formosos que formavam uma moldura para o rosto dele, não dando um ar efeminado, mas emoldurando sua fisionomia altiva.

Carlos Magno, Livro do Armeiro-Mor, Arquivo Nacional Torre do Tombo
Carlos Magno, Livro do Armeiro-Mor, Arquivo Nacional Torre do Tombo
Portanto, os formosos cabelos de que a Providência o tinha dotado, eram para tornar aprazível olhar para um homem que entretanto era terrível.

O aprazível junto ao terrível formam uma combinação que se chama equilíbrio.

Ele é um homem extremamente equilibrado e que exerce um efeito equilibrador sobre os outros, ele mete medo, mas atrai.

A fisionomia dele é uma fisionomia alegre.

Se abusa muito da palavra alegre.

A palavra alegre quer dizer uma fisionomia de pessoa feliz, que tem a consciência tranquila e que vive alegre porque sabe que se cumprir os Mandamentos vai para o Céu.

É a alegria católica, não é a alegria dos infelizes que andam bancando uma felicidade feita de exterioridades para disfarçar a frustração interior.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 23/6/89. Sem revisão do autor)











O Imperador Carlos Magno: “Ele é entre os homens o que a águia é entre os pássaros”


Na famosa pintura de Albrecht Dürer Carlos Magno parece estar entre a idade madura e a orla da velhice.

Seu bigode ainda é, em parte, castanho louro, mas na outra parte, já completamente branco. Seu olhar, de um homem experimentado, está prevenido para enfrentar o adversário vindo de qualquer lado e a qualquer momento.

Ele é seguro de si como um Himalaia. Seu olhar revela vigilância permanente. Seu modo de ser, o rosto, o corpo e tudo o mais indicam a contínua estabilidade, a contínua distância psíquica. É como se ele estivesse dizendo: “Por enquanto, estou tranqüilo, e na hora do combate não deixarei de estar tranqüilo, porque confio em Deus, meu Senhor”.

Ele usa um manto maravilhoso de brocado, com a águia imperial servindo de ornato em alguns pontos. Dir-se-ia que a águia é ele. Ele é, entre os homens, o que a águia é entre os pássaros.

Está portando uma coroa magnífica que contém jóias ainda não lapidadas, encimada pela Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Assim como a Cruz esteve no alto do Calvário, no alto dessa brilhante coroa, reluz também a Cruz, ao mesmo tempo lembrança adorável de nosso Redentor e sua glorificação.

E, por outro lado, tal Cruz é quase um ato de reparação, de quem diz: “Fizeram para Nosso Senhor uma Cruz, preta, dura, um instrumento de suplício, de difamação. Quiseram difamá-lo. Pois bem, ela será colocada no alto da coroa imperia,l em ouro e pedras preciosas! Para glorificá-Lo! Algozes miseráveis, que fizestes o que fizestes, eis aqui o Sacro Império Romano, do alto da minha fronte, oferecendo um ato de reparação!”

* * *

Imaginemos que se interrompa uma novela pornográfica na televisão, para apresentar uma análise deste quadro. Haveria, por certo, quem desejasse destruir isto para continuar a ver a pornografia!

Nós, entretanto, queremos liquidar a pornografia e pôr neste horizonte o mundo do século XXI.

* * *

Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 22 de fevereiro de 1986. Sem revisão do autor.

Carlos Magno foi Rei dos francos (768–814), dos lombardos e Imperador do Ocidente (800–814). Pode ser considerado como o protótipo de Imperador cristão.

Albrecht Dürer: famoso pintor e gravurista alemão, filho de um ourives húngaro, nasceu e faleceu na cidade de Nüremberg (1471–1528). Considerado o maior pintor germânico do Renascimento, pode ser comparado aos grandes mestres italianos da época. Embora conservando em sua arte uma base germânica, ele assimilou o requinte dos artistas flamengos, apropriou-se do espírito de invenção dos italianos e contribuiu para os ornatos destes, tanto com seus tratados teóricos quanto por sua obra pictórica e de gravação.





Imperador Carlos Magno: nome que ecoa pelos séculos!

O que é mais admirável em Carlos Magno: o homem de piedade ou o guerreiro? O diplomata ou o organizador do Império? O restaurador da cultura ou o fundador de uma dinastia?

Sinto mal-estar diante da pergunta. Não porque ela não tenha sentido — pode-se fazer tal pergunta, ela tem razão de ser —, mas o modo como ela é feita tende a omitir o mais importante: todo o conjunto.

A questão está mal formulada, porque essas qualidades admiráveis não se excluem. Elas devem ser consideradas concretamente em um homem, e não abstratamente.

Ou seja, no Imperador do Sacro Império, tais qualidades formam um todo que o representa. Uma totalidade que fez com que os dois nomes “Carlos” e “Magno” adquirissem som de prata e de bronze, que ecoa pelos séculos.

Esse é a característica própria de Carlos Magno, que é muito maior do que a soma daquelas qualidades.

Considerando o unum de um homem, podemos melhor compreender como as várias qualidades resultam, de fato, numa beleza maior, pois o conjunto é mais belo que as partes. Mas isto, na medida em que as qualidades isoladas forem muito boas.

Exemplo: um vitral em que cada pedacinho de vidro de má qualidade reflete mediocremente a luz, deixando-a transparecer de forma embaçada e em cores indefinidas, dá um conjunto inexpressivo num vitral ordinário.

É preciso que cada vidrinho seja de muito boa qualidade para que o conjunto fique extraordinariamente lindo.

A matéria-prima tem de ser excelente para que o conjunto seja ainda melhor.

Carlos Magno é um exemplo estupendo desse princípio!

Carlos Magno ((742-814), foi Rei dos francos de 768 a 814, dos lombardos e Imperador do Ocidente de 800 a 814 — coroado em Roma pelo Papa Leão São III na noite de Natal do ano 800. Considerado protótipo de Imperador cristão, lançou as bases da Cristandade medieval.

Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 26 de outubro de 1980. Sem revisão do autor.





A Igreja sagra Carlomagno imperador e reergue a cultura

A Igreja instituiu, na ordem temporal, o Sacro Império Romano Alemão na pessoa de Carlos Magno, rei dos francos. Ele deu um impulso incomparável à educação e às artes.

Nessa obra educadora sobressaiu Alcuíno, conselheiro íntimo de Carlos Magno, pupilo de São Beda, o venerável, e abade do mosteiro de Saint Martin em Tours.

Falando da biblioteca de sua abadia em York, Alcuíno menciona obras de Aristóteles, Cícero, Lucanus, Plínio, Statius, Trogus Pompeius e Virgílio.

O bem-aventurado Papa Vítor III, que foi abade de Montecassino, na Itália, patrocinou a transcrição de obras de Horácio, Sêneca e Cícero. Santo Anselmo, quando abade de Bec, na Inglaterra,recomendava Virgílio e outros clássicos a seus estudantes, mas prevenia-os contra as passagens imorais.

Num exercício escolar de Santo Hildeberto, encontramos excertos de Cícero, Horácio, Juvenal, Persius, Sêneca, Terêncio e outros. Santo Hildeberto, aliás, conhecia Horácio praticamente de memória.

Inovação material decisiva foi a minúscula carolíngia. Antes dela os manuscritos não tinham minúsculas, pontuação ou espaços em branco entre as palavras.

A minúscula carolíngia, com sua “lucidez e sua graça insuperável, apresentou a literatura clássica num modo que todos podiam ler com facilidade e prazer” .

O medievalista Philippe Wolff equipara este desenvolvimento à invenção da imprensa.

O fácil acesso ao latim abriu as portas ao conhecimento dos Padres da Igreja e dos clássicos greco-romanos.

Pois é mito falso que os grandes autores da Antiguidade só vieram a ser resgatados pela Renascença, época histórica que iniciou o multissecular processo revolucionário que em nossos dias atingiu um clímax.
Lord Kenneth Clark mostrou que “só três ou quatro manuscritos antigos de autores latinos existem ainda; todo nosso conhecimento da literatura antiga se deve à coleta e cópia que começou sob Carlos Magno, e quase todo texto clássico que sobreviveu até o século VIII sobrevive até hoje!” .





Importância de Carlos Magno na promoção da educação e da cultura

Carlos Magno ordenou escolarizar o Império
No final do século VIII, houve uma primeira tentativa de reerguimento da cultura ocidental. Carlos Magno conseguira reunir grande parte da Europa sob seu domínio. Para unificar e fortalecer o seu império, decidiu executar uma reforma na educação.

O monge inglês Alcuíno elaborou um projeto de desenvolvimento escolar que buscou reviver o saber clássico estabelecendo os programas de estudo a partir das sete artes liberais: o trivium, ou ensino literário (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium, ou ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música).

A partir do ano 787, foram emanados decretos que recomendavam, em todo o império, a restauração de antigas escolas e a fundação de novas. Institucionalmente, essas novas escolas podiam ser monacais, sob a responsabilidade dos mosteiros; catedrais, junto à sede dos bispados; e palatinas, junto às cortes.

Essas medidas teriam seus efeitos mais significativos apenas séculos mais tarde. O ensino da dialética (ou lógica) foi fazendo renascer o interesse pela indagação especulativa; dessa semente surgiria a filosofia cristã da Escolástica.

Além disso, nos séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido estruturadas por Carlos Magno, especialmente as escolas catedrais, ganharam a forma de Universidades.

Progresso generalizado
O Renascimento do Século XII

Depois da contenção das últimas ondas de invasões estrangeiras no século X, seguiu-se uma fase de relativa tranqüilidade em relação às ameaças externas, que também coincidiu com um período de condições climáticas mais amenas.

A Europa Ocidental passa então por mudanças sociais, políticas e econômicas, que vão gerar o chamado Renascimento do Século XII.

Evoluções técnicas possibilitam o cultivo de novas terras e o aumento da diversidade dos produtos agrícolas, que sustentam uma população que passa a crescer rapidamente.

O comércio está em franca expansão, ocorre o desenvolvimento de rotas entre os diversos povos que reduzem as distâncias, facilitando não só o comércio de bens físicos, mas também a troca de idéias entre os países.

As cidades também vão abandonando a sua dependência agrária, crescendo em torno dos castelos e mosteiros.

Nesse ambiente receptivo, começam a ser abertas novas escolas ao longo de todo o continente, inclusive em cidades e vilas menores.

No campo intelectual, as mudanças são também fruto do contato com o mundo oriental e árabe através das Cruzadas e do movimento de Reconquista da Península Ibérica.

Na altura, o mundo islâmico encontrava-se bastante avançado em termos intelectuais e científicos. Os autores árabes tinham mantido durante muito tempo um contacto regular com as obras clássicas gregas (Aristóteles, por exemplo), tendo feito um trabalho de tradução que se tornaria valioso para os povos ocidentais, já que por este meio voltaram a entrar em contacto com as suas raízes eruditas entretanto “esquecidas”.

De facto, seja em Espanha (Toledo), seja no sul de Itália, os tradutores europeus vão produzir um espólio considerável de traduções que permitiram avanços importantes em conhecimentos como a astronomia, a matemática, a biologia e a medicina, e que se tornariam o gérmen da evolução intelectual européia dos séculos seguintes.





Carlos Magno exorta bispos e abades a alfabetizarem todos os que possam aprender

Santo Amando, bispo de Maastricht, dita seu testamento. Vida e milagres de Santo Amando, século XII. Biblioteca Municipal de Valenciennes, Ms.501, f.58v-59
Santo Amando, bispo de Maastricht, dita seu testamento.
Vida e milagres de Santo Amando, século XII.
Biblioteca Municipal de Valenciennes, Ms.501, f.58v-59
No livro “Charlemagne” de Alphonse Vétault (Tours, Ed. Alfred Mame et fils, 1876) se encontra uma Epístola ad Baugulfum abbatem Fuldens.
É uma carta do imperador Carlos Magno endereçada a esse abade de Fuldens:

Carlos, pela graça de Deus, rei dos Francos e dos Longobardos, patrício dos Romanos, em nome de Deus Todo-Poderoso, saudação.

Há frases aqui que cantam e tem uma grandiloquência que não se sabe como elogiar: “Carlos, pela graça de Deus, rei dos Francos e dos longobardos, patrício dos Romanos, em nome de Deus todo poderoso, saudação”.

Numa saudação está tudo dito.

Saiba vossa devoção a Deus, que depois de ter deliberado com nossos fiéis, estimados que os bispados e mosteiros que, pela graça de Cristo, foram colocados sob nosso governo, além da ordem da vida regular e as prática da nossa santa religião, deve, também aplicar seu zelo ao estudo das letras, e ensinar aqueles que com auxílio de Deus, possam aprendê-las, cada qual segundo sua capacidade.

Assim, enquanto a regra bem observada sustenta a honestidade dos costumas, a preocupação de aprender e de ensinar, de bem aprender e de ensinar, põe a ordem do idioma, de maneira que aquele que queiram agradar a Deus vivendo bem, não lhe negligenciaram de lhe agradar falando bem.

O pensamento, muito interessante, é este:

Pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo há, em nosso reino, muitas dioceses e abadias.

Nós queremos que essas dioceses e abadias se empenhem em ensinar a ler as pessoas que estejam em condições de aprender, com a graça de Deus.

Soror Baldonivia escrevendo. Vida de Santa Radegunda, século XII. Mediateca François Mitterrand, Poitiers
Soror Baldonivia escrevendo. Vida de Santa Radegunda, século XII.
Mediateca François Mitterrand, Poitiers
Porque ensinar a ler, naquele tempo, parecia uma coisa muito difícil. Eram poucos os que sabiam ler.

Então, parecia especialmente próprio pedir a graça de Deus para que alguém apren¬desse a ler.

Era um tempo muito próximo da invasão dos bárbaros, e aquele passado bárbaro próximo inspirava um certo arrepio quando se tratava de aprender a ler e escrever.

Então, ele diz: que aprendam a ler e escrever os que possam. Por quê?

Porque é conveniente que aqueles que louvam a Deus vivendo de um modo digno, também aprendam a louvar a Deus falando de um modo digno.

Os senhores vejam que linda ideia. A ideia de que a virtude traz consigo todas as espécies de boas maneiras, de boas atitudes.

E que, portanto, aquele que é virtuoso deve normalmente tender a falar bem, a se exprimir bem, a fazer bem feitas todas as coisas.

Como no Evangelho está dito de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ele fazia bem tudo quanto Ele tinha de fazer.

Então, os senhores tem aí um princípio que é muito caro a nós, e que é muito pouco caro a um catolicismo deturpado.

E é o princípio de que a religião é empenhada próxima e diretamente em promover a salvação das almas.

São João Evangelista escreve o Apocalipse.
As Sagradas Escrituras exigiam a alfabetização maciça dos fiéis.
Mas que como uma espécie de corolário, ela tem empenho em favorecer toda espécie de bem, de beleza, de dignidade de vida e de esplendor de existência entre os homens.

Que isto, por sua vez, dá glória a Deus e por sua vez facilita a virtude.

Os senhores tem aí um aspecto profundamente anticatólico das teologias modernas como a da Libertação, cujo efeito normal é tender para o primarismo, para as péssimas maneiras, para a sujeira, para a ostensiva falta de compostura.

Isso não só é incompatível com a religião, mas desvia as almas da verdadeira religião.

Porque Deus sendo autor de todas as formas de ordem, umas formas de ordem se apoiam nas outras; e aqueles que sabem, por exemplo, comer dignamente, falar corretamente, postar-se decentemente tem nisso um apoio para a virtude.

Essa é a ideia fundamental que Carlos Magno exprime.

Ideia fundamental que a Igreja teve em mente durante toda a sua existência, e que na Idade Média é patente.

Toda a elevação da civilização da barbárie até o estado generalizado em que se encontrava no fim da Idade Média, se deveu a esse princípio.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 6/1/73. Sem revisão do autor)





Como e por que Carlos Magno mandou alfabetizar o maior número possível

Carlos Magno, alma do renascimento da cultura e introdutor da alfabetização popular
Continuação da uma Epístola de Carlos Magno endereçada a Baugulgum, abade de Fuldens:
“Está escrito na Bíblia: “Tu serás justificado ou condenado por tuas palavras”. Se bem seja muito melhor agir bem do que ser sábio, entretanto é preciso saber antes de agir.

“Que cada um compreenda tanto mais a vastidão de seus deveres quanto mais a sua língua se entregue sem erro aos louvores de Deus”.

Ele diz que sem dúvida é preciso agir bem, e é melhor agir bem do que saber muitas coisas.

Mas a gente nunca age bem quando previamente não sabe bem as coisas. E a gente sabe melhor as coisas quando foi ensinado por alguém que se exprime bem.

Então, uma razão a mais para que os bispos e os abades ensinem e promovam a cultura. Isso é o fundo do pensamento dele.
“Pois se todos os homens devem evitar o erro voluntário, quanto mais devem evitar esse erro aqueles que estão ao serviço da verdade”.

Quer dizer, aqueles que estão ao serviço da verdade não devem falar palavras erradas, porque então não ensinam a verdade.

“Ah, nós recebemos de vários mosteiros cartas contando que os monges rezam para nós. Mas nessas cartas nós encontramos um senso reto, mas um modo de exprimir-se inculto.

“Aquilo que uma sincera devoção ditava fielmente ao pensamento, uma linguagem inexperiente não podia exprimir para terceiros, por causa da negligência que houve nos estudos nos mosteiros”.

Os senhores estão vendo a mente larga de um Carlos verdadeiramente Magno.

Ele recebe missivas dizendo que estão rezando pelo Imperador tão bem amado, etc., etc., mas num francês pernibambo.

Ele deduz: vocês devem estar com os estudos ruins. E eu não me contento de boas intenções expressas em mau francês. Vocês agora vão aprender francês direito.

É um homem que faz as coisas que tem que fazer.

“E assim nós ficamos com medo não só de que haja vários que saibam mal francês, mas também os vários que interpretam mal as Escrituras”.
É claro. Porque o sujeito que se exprime mal, dá as Escrituras para ele, ele interpreta de modo tonto.

Ora, se os erros de linguagem são perigosos, são muito mais perigosos os modos de entender errados.

Um erro de linguagem vai introduzir o modo de entender errado da Bíblia.
“É por isso que nós nos exortamos não somente a não negligenciar os estudos, mas ainda com uma humilde intenção abençoada de Deus, a rivalizar de zelo uns com os outros para ensiná-los, a fim de que vós possais, por esta forma, penetrar mais facilmente o mistério das Escrituras.

“Ora, como há nos livros Sagrados figuras, e analogias e outros ornatos do mesmo gênero, não é duvidoso para ninguém que cada um lendo-os, apanhe o sentido figurativo tanto melhor quanto ele for um homem culto.

“É preciso acolher para este ministério, homens que tenham vontade, o poder de aprender e o desejo de ensinar os outros. Que isso seja feito, entretanto, só com intenção piedosa, que as nossas ordens inspiram.

“Não negligencieis de enviar cópia dessa carta a todos os bispos vossos sufragâneos e todos os mosteiros que vós quereis gozar de nossa boa graça”.
Quer dizer, se não for mandado, olho severo do Imperador. Agora, tratem de trabalhar.

O pensamento que ele desenvolve aqui é muito bonito. A Escritura tem uma porção de metáforas, diz ele. A pessoa só pode compreender as metáforas se for uma pessoa culta.

Por exemplo, um Salmo diz “eu estou posto num pântano, num limbo profundo, para o qual não há base”.

Se o indivíduo vai entender isso ao pé da letra é um tonto que se deixou arrastar num pantanal.

Mas isso tem alto sentido espiritual. É que os vícios do homem são como que um limo, um pântano, um charco que não tem fundo. O sujeito procura um limite para seu próprio vício e não encontra porque o vício convida sempre a demasias maiores.

Outro diz: “eu me encontro como o pardal solitário abandonado de todos no alto da casa”. Não quer dizer que o salmista estivesse sentado na cumeeira da casa, como um pardal, como interpretaria um pastor protestante.

É, na realidade, uma imagem do justo amado por Deus e abandonado pelos homens.

Ele está fora do convívio humano porque é bom e os ímpios não gostam dele. Então ele pede o auxílio de Deus.

Essas aplicações supõem um mínimo de cultura, monges bem intencionados que explicam porem se são incultos não podem servir para pregar bem.

De onde, então, o desejo de Carlos Magno. É muito bonito nesta carta uma certa majestade no mandar, que nos dá bem a ideia da grandeza de Carlos Magno.

Quer dizer, é uma dessas grandezas naturais, por onde a ordem partida dele é tão razoável, vem de uma autoridade tão afeita a mandar o bem e tão superior, que é incontrastável.

Então quase não se concebe que ele não seja obedecido com uma obediência cheia de respeito e contentamento.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 6/1/73. Sem revisão do autor)





A minúscula carolíngia mudou o rumo da cultura e da alfabetização

O Sacramentário de Tyniecki adotou a minúscula carolíngia, clara, fácil de ler
O Sacramentário de Tyniecki adotou
a minúscula carolíngia, clara, fácil de ler
Nada de mais básico para a leitura do que uma escritura legível e uma boa caligrafia ou tipografia.

O leitor imagine um texto todo escrito em maiúsculas, sem espaços entre uma palavra e outra. Seria muito penoso de ler.

Era o caso da escritura dos romanos da qual provém a nossa.

Os romanos escreviam assim, como está registrado em inúmeros monumentos, como no arco de Septimio Severo em Roma por exemplo.

Devemos a facilidade de leitura da nossa escritura à Idade Média.

E sobre tudo ao imperador Carlos Magno.

Por volta do ano 780, o imperador ordenou que a Escola Palatina, que funcionava em seu palácio, passasse a usar letras minúsculas e pusesse espaços entre as palavras.

Foi assim que se tornou oficial a “Minúscula carolíngia”, antepassada direta de nossa escritura.

Carlos Magno agiu aconselhado pelo abade Alcuíno, monge beneditino de York, e que foi uma espécie de ministro de Educação muito prezado pelo imperador.

Os romanos escreviam tudo em maiúsculas e sem espaços.
Dedicatória ao imperador Septimio Severo, Roma.
O exemplo do palácio real pegou em todo o Império: escolas, livros, textos religiosos adotaram a nova forma de escrever.

Carlos Magno queria que as letras fossem arredondadas, de tamanho igual, de modo a ser o mais fácil possível de ler e de escrever.

A minúscula carolíngia substituiu a minúscula merovíngia irregular confusa e de leitura dificultosa.

Na nova letra, as maiúsculas ficaram como vieram dos romanos.

As minúsculas foram inspiradas pela escritura uncial e semi-uncial usada pelos monges da Inglaterra e Irlanda.

Alternando maiúsculas, minúsculas e espacos a leitura ficava facilitada enormemente
Alternando maiúsculas, minúsculas e espacos
a leitura ficava facilitada enormemente
A forma final foi elaborada pelo abade Alcuíno sob direta supervisão de Carlos Magno.

O mais antigo manuscrito que usa a “minúscula carolíngia” é o Evangeliário de Carlos Magno, ou de Godescalco que hoje se encontra na Biblioteca Nacional da França (NAL 1203) e que foi encomendado pelo imperador.

A minúscula foi uma grande e utilíssima novidade: homogênea, arredondada, formas claras, as mais legíveis possíveis, incluindo a separação das palavras com espaços.

A recém-nascida minúscula comportou variantes regionais e deu origem a diversos tipos de letras, das quais derivam as que o leitor está visualizando na tela de seu computador.

As abadias da França, Suíça, Alemanha, Áustria e Itália passaram a empregá-la.

Inglaterra e Irlanda a adotariam pouco depois, e o mesmo fizeram os outros países da Cristandade.

O manuscrito de Freising, primeiro escrito em língua eslava também adotou a minúscula de Carlos Magno.
O manuscrito de Freising, primeiro escrito em língua eslava
também adotou a minúscula de Carlos Magno.
Foi tão grande a expansão da letra do imperador que o manuscrito de Freising, primeiro texto redigido em língua eslava já a usava.

A facilidade de ler e escrever pesou decisivamente na conservação e transmissão das obras clássicas da Antiguidade.

Os escritos de Ovídio, Cícero, Virgílio, entre outros, copiados pelos monges ficaram acessíveis a todos.

Este formidável movimento cultural é conhecido como “Renascimento Carolíngio”.

Assim chegaram até nós, milhares de livros do mundo grego e latino, escritos com a “minúscula carolíngia”.

Pela primeira vez na história, um continente inteiro – a Europa –foi saindo do analfabetismo pela obra benfeitora dos monges das abadias católicas e do grande imperador Carlos Magno.





O monasticismo católico e a restauração da fé, da cultura e das ciências

O homem das letras desses primeiros séculos medievais era quase sempre um clérigo para quem o estudo dos conhecimentos naturais era uma pequena parte da escolaridade.

Esses estudiosos viviam numa atmosfera que dava prioridade à fé e geralmente tinham a mente mais voltada para a salvação das almas do que para o questionamento de detalhes da natureza.

Aqueles que desejavam investigar o mundo natural tinham suas opções limitadas pelo esquecimento do idioma grego.

Muitos dos estudos tinham que ser feitos com informações obtidas de fontes não científicas, eram frequentemente textos com informações incompletas e que traziam sérios problemas de interpretação.

Desse modo, por exemplo, manuais romanos de inspeção do solo eram lidos porque neles estavam incluídos elementos da geometria.

A vida quase sempre insegura e economicamente difícil dessa primeira parte do período medieval mantinha o homem voltado para as dificuldades do dia-a-dia.

O estudo da natureza era buscado mais por motivos práticos do que como uma investigação abstrata: a necessidade de cuidar dos doentes levou ao estudo da medicina e de textos antigos sobre remédios, o desejo de determinar a hora correta para rezar levou os monjes a estudar o movimento das estrelas, a necessidade de computar a data da páscoa os levou a estudar e ensinar os movimentos do Sol e da Lua e rudimentos da matemática.

Não era incomum o mesmo texto discutir tanto os detalhes técnicos quanto o sentido simbólico dos fenômenos naturais.





Não foi a alfabetização que gerou a sabedoria de Carlos Magno

Coroação de Carlos Magno pelo Papa São Leão III
Carlos Magno foi um homem de uma piedade acendrada, mas ao mesmo tempo era analfabeto.

E esse analfabetismo nos mostra muito quão pouca coisa é aprender a ler e escrever mecanicamente como se faz modernamente.

Há um vício para aqueles que aprendem a ler e escrever e é a ideia de que o pensamento começa no livro.

Segundo este vício, quando o sujeito se dispõe a pensar qualquer coisa, a primeira coisa que deve fazer é comprar um livro para ler algo, e depois pensar sobre o que leu.

Então ele pode achar que Carlos Magno não sabendo ler nem escrever não poderia ter pensamento.

Porém, ele tinha uma tal noção das coisas, uma tal inteligência, que sem saber ler nem escrever ele organizou a educação em todo o seu Império, chamando homens como o monge Alcuíno, abade de York. Essa sabedoria o ensino moderno não comunica aos estudantes.

Ele deixava os Bispos decidirem os assuntos da Igreja que só eles podem decidir, mas no fim ele fazia o uso da palavra.

E ele entrava no cerne dos debates teológicos que os Bispos tratavam. E, em geral com sucesso. Era ele que tinha a fórmula teológica certa. Entrementes, Carlo Magno foi um homem que não tinha passado por Seminários.

Coroação de Carlos Magno pelo Papa São Leão III
Coroação de Carlos Magno pelo Papa São Leão III
Os senhores compreendem o que é que era um homem desses.

Ele foi o arrimo da Igreja, ele foi a glória da Igreja, ele foi o filho da Igreja.

Não invadiu os direitos da Igreja, respeitou a soberania da Igreja, reconheceu-Lhe todo o poder.

E por causa disso, a Igreja também o coroou.

Todo mundo sabe o lindíssimo fato de que no ano de 800.

Estava ele na velha basílica de São Pedro — até hoje se mostra o lugar onde ele estava ajoelhado, rezando antes de o Papa entrar para a Missa do Galo — quando o Papa São Leão III entrou trazendo uma coroa de ouro.

E o Papa declarou que na pessoa dele, reconstituía o Império Romano esboroado, e o proclamava Imperador do Império Romano.

Carlos Magno, por modéstia, não quis.

O Papa levou-o até um balcão onde todo o povo o aclamou:

“Viva Carlos Magno, nosso Imperador!”

Estava restaurado assim o Império Romano, que haveria de durar por volta de mil anos.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 30/10/72. Sem revisão do autor)





Erradicação do analfabetismo: fruto da devoção a Jesus Cristo

Carlos II, o Calvo, rei dos francos

Os avanços culturais medievais brotaram de almas que aspiravam, sob o influxo da graça divina, ao triunfo do ideal católico no mundo, observou o professor americano Thomas E. Woods.

Alcuíno, abade de York que foi uma espécie de ministro da Educação de Carlos Magno, traduziu essa apetência coletiva numa carta ao imperador:

“Uma nova Atenas será criada na França por nós.

“Uma Atenas mais bela do que a antiga, enobrecida pelos ensinamentos de Cristo, superará a sabedoria da Academia.


“Os antigos só têm as disciplinas de Platão como mestre, e eles ainda resplandecem inspirados pelas sete artes liberais.

“Mas os nossos serão mais do que enriquecidos sete vezes com a plenitude do Espírito Santo e deixarão na sombra toda a dignidade da sabedoria mundana dos antigos”
.
Estátua de Carlos Magno,
venerado como Beato na Catedral de Metz, França-
São João Crisóstomo narra que o povo de Antioquia enviava os filhos para serem educados pelos monges.

São Bento instruiu filhos da nobreza romana e ordenou que seus mosteiros abrigassem escolas, não só para ensinar a religião, mas as letras e as artes.

São Bonifácio e Santo Agostinho ordenaram a seus religiosos criar estabelecimentos de ensino por toda parte.

São Patrício desenvolveu a alfabetização na Irlanda.

Carlos Magno mandou abrir escolas gratuitas em todo império, que além da instrução deviam fornecer alimento e agasalho às crianças, não podendo receber nada em troca.

O imperador mandou vir da Grécia as grandes obras dos clássicos gregos e latinos, e transcrevé-las em livros novos que podiam ser recopiados indefinidamente.

São Beda, o Venerável: o maior historiador
dos primeiros séculos do cristianismo.
Os beneditinos foram grandes mestres que tiraram
os povos bárbaros da ignorância
E até criou as letras minúsculas, a chamada minúscula carolíngia, pois até então só se escrevia com maiúsculas e sem pontuação como era o costume deixado pelos romanos. Essa novidade favoreceu muito a leitura.

Concílios locais, como o sínodo de Baviera (798) e os de Châlons (813) e Aix (816), ordenaram que se fundassem casas de ensino.

Theodulfo, bispo de Orleans e abade de Fleury, exortava:  

“Em aldeias e cidades, os sacerdotes devem abrir escolas. [...] 

Que não peçam pagamento; e se recebem algo, que sejam somente pequenos presentes oferecidos pelos pais”.

Que diferença a com a nossa época, em que frequentemente a educação pública é calamitosa e a educação privada é cara para muitos!










A coroação de Carlos Magno e a doutrina das duas espadas, símbolo dos poderes da Igreja e do Estado

São Leão III Papa sagra Carlos Magno
imperador do Sacro Império na noite de Natal do ano 800
A Igreja reconheceu e coroou na terra Carlos Magno que Deus por certo terá coroado no Céu, em virtude da promessa divina a São Pedro: “tudo o que atares sobre a terra será atado também nos céus; e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos céus.(Mt 16, 19).

A coroação tem este lado de bonito, que é a ideia do poder de um Papa.

O Império Romano pagão não nasceu dos Papas. Ele foi feito pelo Senado romano.

O Senado romano é que criou a grandeza romana. Os imperadores romanos apareceram durante a decadência da república romana; uma instituição pagã, portanto, mas que se cristianizou com Constantino.

O Papa se julgava no poder de recompor o Império Romano! Recompôs e fundou o Sacro Império Romano, quer dizer, o Império Romano Sagrado, feito para a defesa da Fé.

Aí se realizava aquele diálogo misterioso de Nosso Senhor com São Pedro, no momento em que Nosso Senhor foi preso.

Os teólogos sempre interpretaram que quando Nosso Senhor, na hora de ser preso, perguntou a São Pedro se tinha espadas consigo, São Pedro respondeu: “Tenho duas”. Nosso Senhor respondeu: “Isto basta!”

Os bons teólogos dizem que São Pedro afirmando que ele tinha os dois gládios na mão exprimiu simbolicamente o gládio da Igreja, que é espiritual, e o gládio do Estado, que é o poder da força militar, para reduzir as heresias e liquidar com o mal.

Carlos Magno no cetro dos imperadores.
Cetro para a sagracão de Carlos VI, século XIV.
Esses dois gládios bastam a São Pedro para cumprir a sua missão.

Nessa noite de Natal do ano 800, o Papa São Leão III acabava de forjar na pessoa de Carlos Magno um gládio de ouro, que era o Sacro Império Romano Alemão, com a missão de defender a Fé por toda a Cristandade.

Maravilhas, belezas! Elas nos lembram dias tão diferentes, que são os dias em que nós vivemos, em que tudo está exatamente no sentido oposto.

Mas há certos ideais que nunca morrem, porque eles são diretamente deduzidos da Fé, e são imortais como a Fé!

E quando a gente ouve contar esses fatos, a gente compreende que a História do mundo não pode terminar assim. E que ela não pode terminar simplesmente numa derrota.

Tem que haver uma monumental desforra. E a Revolução laicista e igualitária tem que ser pisada de maneira a se constituir o Reino de Maria, para o qual o mundo foi construído.

O mundo foi criado por Deus para que, em determinado momento, o reino dEle sobre o mundo fosse pleno. É preciso que isto se realize.

E nós então temos, da lembrança dessas coisas, uma esperança no futuro.

Nada de mais anacrônico do que o Império de Carlos Magno, mas é um anacronismo criador.

A lembrança desse Império cria uma esperança e a certeza de um futuro. Nós caminhamos para a restauração daquela ordem de que foi Carlos Magno um símbolo.

Carlos Magno, estatueta no museu do Louvre  Fundo: Guariento di Arpo (1310-1370).
Carlos Magno, estatueta no museu do Louvre
Fundo: Guariento di Arpo (1310-1370).
Nós podemos pedir a Carlos Magno que reze por nós.

Nem todos os episódios da vida de Carlos Magno são inteiramente claros. A Igreja não se pronunciou bem exatamente sobre se ele é santo ou não santo.

Mas, em certas regiões da Europa, se festeja uma festa do bem-aventurado Carlos Magno que os antepassados dos progressistas tomados de zelo — porque nessas horas os progressistas têm zelo — quiseram abolir a festa de Carlos Magno.

Mas o Beato Pio IX lançou um Breve no qual ele declarava que, nos lugares onde Carlos Magno era cultuado como bem-aventurado, o culto podia continuar.

Nós podemos no interior de nossas almas, pedir a Carlos Magno que nos dê essa força invencível, para nós fundarmos o Reino de Maria, como ele fundou a Idade Média, da qual ele foi a pedra angular.

Santa Joana d'Arc recebia revelações do Céu, e ela sabia bem onde estariam Monseigneur São Luís e Monseigneur São Carlos Magno, como ela disse, não é?

Então, digamos como Santa Joana d'Arc: Monseigneur São Luís e Monseigneur São Carlos Magno, rogai para que acabe o caos contemporâneo e que venha logo o Reino de Maria!

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 30/10/72. Sem revisão do autor)





Carlos Magno, primeiro sacro imperador de Ocidente


Em 772, com 30 anos, Carlos tomou o governo de todo o Reino Franco. Com razão Carlos se chama Magno.

Mereceu este nome como general e conquistador, como ordenador e legislador de seu imenso império e como incentivador da vida espiritual do Ocidente.

Por seu governo as idéias cristãs alcançaram vitória sobre os bárbaros. Sua vida foi uma constante luta contra a grosseria e a barbárie, que ameaçava a Religião Católica e a nova cultura que nascia.

Nada menos de 53 expedições militares foram por ele empreendidas: 18 contra os saxões, uma contra a Aquitânia, 5 contra os lombardos, 7 contra os árabes na Espanha, uma contra os turíngios, 4 contra os avaros, 2 contra os bretões, uma contra os bávaros, 4 contra os eslavos, 5 contra os sarracenos da Itália, 3 contra os dinamarqueses e 2 contra os gregos.

No Natal do ano 800, o Papa São Leão III o elevou à dignidade de Imperador, fundando assim a mais nobre instituição temporal da Cristandade: o Sacro Império.

A 28 de fevereiro de 814 Carlos faleceu, depois de ter recebido a Sagrada Comunhão. Foi sepultado, segundo a legenda, em um nicho da catedral de Aix-la-Chapelle, em posição ereta, sentado em um trono, cingindo espada e com o livro dos Evangelhos nas mãos.

É ele o modelo dos imperadores católicos, o protótipo do cavaleiro e a figura central da grande maioria das canções de gesta medievais.

(Fonte: J.-B. Weiss, "História Universal")





O Sacro Império Romano-Alemão
modelo autêntico de união de nações
Opção certa à cacofonia da União Europeia

Carlos Magno e a capela palatina de Aix-la-Chapelle, hoje catedral.
Carlos Magno e a capela palatina de Aix-la-Chapelle,
hoje catedral.
Numa famosa gravura de Dürer, Carlos Magno é representado com admirável precisão o que a História narra sobre a personalidade do grande Imperador.

Mas tal foi a riqueza de sua personalidade que os artistas tiveram difiiculdade em encontrar as formas que exprimissem a força, o poder, o hábito de dominara que lhe era próprio.

Porém era uma força que não nascia do transbordamento brutal de um temperamento efervescente, mas de uma alta noção do direito do bem.

Seu poder é menos o das armas, que o do espírito.

Majestoso, é entretanto cheio de bondade.

Há em toda a sua pessoa qualquer coisa de sagrado: é o homem providencial, que instaurou o Reino de Cristo na ordem temporal, e fundou os alicerces da civilização cristã; é o Imperador investido pelo Papa da missão apostólica de ser por excelência o paladino da Fé.

Esse foi Carlos Magno, o primeiro realizador da unidade temporal da Europa cristã.

Hoje o “Brexit” constitui um formidável abalo para os promotores de uma República Universal. Ainda se discute o que é que advirá na Europa.

Mas, alguns arguem que a União Europeia não é necessária ou intrinsecamente ruim, mas é algo conveniente imposto por uma história de séculos de guerras.

Podem acrescentar até que a crescente agressividade demonstrada pela Rússia obriga ainda mais os países europeus a estreitarem forças contra o perigo comum.

Então, perguntam, a paz não exigiria formar uma imensa união de Portugal até os confins da Rússia, ainda que sacrificando as nacionalidades históricas?

O dilema União Europeia SIM vs União Europeia NÃO, tem uma terceira opção, que essa sim reúne as vantagens da União e afasta suas desvantagens.

Trata-se da Cristandade que teve sua organização internacional acabada no Sacro Império Romano Germânico instituído pela Igreja Católica na pessoa de Carlos Magno.

Vejamos como desenvolve o caso o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, que em vida foi professor de História Moderna e Contemporânea na PUC-SP:

Coroa dos Imperadores do Sacro Império
Coroa dos Imperadores do Sacro Império
Se se pergunta se é uma novidade a Federação, a resposta deve ser negativa.

A Europa já constituiu, em outros tempos, um grande todo de natureza federal, pelo menos no sentido muito amplo e muito genérico da palavra.

Em 476, o Império Romano do Ocidente deixou de existir.

O território, europeu, coberto de hordas bárbaras, não possuía Estados definidos e de fronteiras duráveis.

Era toda uma efervescência de selvajaria, que só foi amainando à medida que a ação dos grandes missionários assegurou, um pouco por toda parte, um início de pujante germinação para a semente evangélica.

A esta altura, tornando os costumes menos rudes, a vida menos incerta e turbilhonante, a ignorância menos espessa, estava constituída na Europa um grande conglomerado de povos cristãos que, por sobre todas as suas diversidades naturais, estavam unidos por dois vínculos comuns profundos, nascidos de um grande amor, e de um grande perigo:

a) - sinceramente, profundamente cristão, adorando pois em espírito e verdade (e não apenas em palavras e rotina) a Nosso Senhor Jesus Cristo, amavam e desejavam verdadeiramente praticar a Sua Lei, e estavam convictos de sua missão de estender o domínio desta Lei até os últimos confins da terra,

São Leão III Papa sagra Carlos Magno  imperador do Sacro Império na noite de Natal do ano 800 Friedrich Kaulbach, (1822 – 1903)
São Leão III Papa sagra Carlos Magno
imperador do Sacro Império na noite de Natal do ano 800
Friedrich Kaulbach, (1822 – 1903)
b) - como fruto desta fé coerente e robusta reinava em todos os espíritos um mesmo modo de conceber o homem, a família, as relações sociais, a dor, a alegria, a glória, a humildade, a inocência, o pecado, a emenda, o perdão, a riqueza, o poder, a nobreza, a coragem, em uma palavra, a vida,

c) - daí, também, uma forte e substancial unidade de cultura e civilização, a despeito de variantes locais prodigiosamente ricas em cada nação, em cada região, e em cada feudo ou cidade;

d) - diante da dupla pressão dos sarracenos vindos da África, e dos pagãos vindos do Oriente da Europa, a ideia de um imenso risco comum, em que todos deviam auxiliar a todos, para uma vitória que seria de todos.

Todo este conjunto de fatores de unidade encontrou seu grande catalisador em Carlos Magno (742-814), que encarnou aos olhos de seus contemporâneos o tipo ideal do soberano cristão, forte, bravo, sábio, justiceiro e paternal, profundamente amante da paz, mas, invencível na guerra, considerando sua mais alta missão por a força do Estado ao serviço da Igreja para manter a Lei de Cristo em seus reinos, e defender a Cristandade contra seus agressores.

Este homem símbolo realizou seus ideais.

E quando São Leão III, no ano de 800, na basílica de São Pedro, o coroou Imperador Romano do Ocidente, deu o mais alto remate à obra que Carlos Magno estava levando a efeito: ficava constituído, abrangendo toda a Europa cristã, um grande Império, destinado antes de tudo a manter, a defender, a propagar a Fé.

Este Império durou de 809 a 911.

Coroação de um imperador do Sacro Império,
pelos bispos de Mainz, Colônia eTrier
Em 962, o Imperador Otão, o Grande o ressuscitou, dando origem ao Sacro Império Romano Alemão.

Assim, com vicissitudes diversas, das quais a mais terrível foi a cisão trágica do protestantismo e a eclosão das tendências nacionalistas, no século XVI, manteve-se pelo menos teoricamente esta grande instituição até 1806.

Naquele ano Napoleão Bonaparte obrigou Francisco II, o último Imperador Romano Alemão, a aceitar a extinção do Sacro Império, e a assumir o simples título de Imperador da Áustria com o nome de Francisco I.

Não obstante certos períodos de crise, o Sacro Império teve grandes eras de glória, e sua estrutura serviu de fato para exprimir o ideal cristão de uma grande família de povos, unida à sombra maternal da Igreja, para manter a paz, a Fé, a moral, para defender a Cristandade, e apoiar no mundo inteiro a livre pregação do Evangelho.

Assim, em princípio, vê-se que a Igreja não se limita a permitir, mas favorece de todo coração as superestruturas internacionais, desde que se proponham um fim lícito.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, “Catolicismo”, nº 14, Fevereiro de 1952).

E acrescentamos em continuidade com o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira: a União Europeia hoje em crise não visa esse fim lícito. Mas, sim uma unidade sem religião, laica, sem moral, altamente dirigista e burocrática.

Em suma, uma unidade massificante, socializante, e isso gerou uma justa recusa. De ali o drama derivado do ‘Brexit’.

Assim, no III milênio encontramos que a solução a um dos problemas que devora os países de Europa, tem uma fonte inspiradora de soluções no auge da Idade Média!





Estado laico? Religioso? Como um Papa Santo e um grande Imperador viram o problema

Carlos Magno ao Papa São Leão III: princípios da aliança entre o altar e o trono

Carlos Magno é venerado em algumas dioceses como Beato, vitral de 1519, Musée National Suisse
Carlos Magno é venerado em algumas dioceses como Beato,
vitral de 1519, Musée National Suisse
Nota: São Leão III – Papa de 795 a 816 – foi contestado por parentes do defunto Papa Adriano I, maltratado e encarcerado. Após ser liberado por alguns fiéis, ele apelou a Carlos Magno. Tudo ficou resolvido quando em Roma, no ano 800, Carlos o declarou inocente e condenou seus acusadores. No dia seguinte, 24 de dezembro, durante a Missa da Vigília de Natal em São Pedro, o Papa sagrou Carlos Magno como Imperador.

Nesta carta, Carlos escreve a Leão para lhe manifestar sua dor pela morte de Adriano I e sua alegria pela eleição do novo Papa. Também lhe expõe, de modo muito sintético, os princípios que, segundo Carlos, deveriam regular a aliança entre o altar e o trono (…).

Carlos, pela graça de Deus, Rei dos Francos, dos Longobardos e Patrício dos Romanos, a Leão Papa, saudação de perpétua bem-aventurança em Cristo.

Após ter lido com atenção a carta de Vossa Excelência e de ter ouvido o decreto de eleição, ficamos muito contentes – confesso –, seja pela unanimidade de vossa eleição, seja pela obediência de vossa humildade e pela fidelidade que tendes demonstrado em relação a nós com a vossa promessa solene (…).

Por todas essas coisas agradecemos do mais profundo de nosso coração à Divina Misericórdia, pois, após a chaga de dor digna de pranto que infligiu à nossa alma a morte do nosso diletíssimo pai e fidelíssimo amigo [Papa Adriano I], Deus se dignou, de acordo com a habitual previdência de Sua Bondade, nos conceder um conforto como Vós.

Por isto nós confiamos a Vossa Santidade nossa prosperidade e a de todos nossos súditos, Vos pedindo – por assim dizer – a tarefa de obter para nós a felicidade.

Nos vo-la confiamos em nome da misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus que teve pena de sua Santa Igreja elevando Vossa Santidade ao seu cimo. (…)

Papas e emperadores. No centro: o Santíssimo Sacramento. Spencer Collection
Encomendamos [a Angilberto de falar] sobre todas as coisas que nos pareciam a nós opcionais ou a Vós necessárias, a fim de que tratásseis e discutísseis tudo aquilo que Vos pareça oportuno para a exaltação da Santa Igreja de Deus, a estabilidade de vossa honra e a solidez de nosso patriciado.

De fato, do mesmo modo que eu havia estabelecido um pacto com o beatíssimo predecessor de Vossa Santa Paternidade, desejo agora estabelecer com Vossa Santidade uma aliança inviolável de idêntica fé e caridade, para que, em virtude da graça que Deus concede a Vossa Santidade Apostólica, chegue até mim por toda parte a bênção apostólica invocada pela intercessão da oração dos santos, e a Santíssima Sé da Igreja Romana, pela intercessão de Deus seja sempre bem defendida pelo nosso devotamento.

Cabe a nós, pelo auxílio da Divina Misericórdia, defender por toda parte a Santa Igreja de Cristo com as armas.

No exterior, da incursão dos pagãos e das devastações dos infiéis; e no interior, fortificando-a com a profissão da fé católica.

A Vós, Pai Santíssimo, cabe levantar – como Moisés (cf. Ex. 17, 8-13) – as mãos a Deus para ajudar nossa milícia, de modo que, pela vossa intercessão e em virtude da guia e do dom de Deus, o povo cristão obtenha sempre e por toda parte a vitória sobre os inimigos de Seu Santo Nome, e que o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo seja glorificado no mundo inteiro.

Entrementes, que a prudência de vossa autoridade cumpra em tudo as leis canônicas, a fim de que em vossa conduta resplandeça manifestamente aos olhos de todos o exemplo da santidade plena, e que todos ouçam da vossa boca palavras de santa exortação; para que “vossa luz brilhe de tal maneira diante dos homens, e que esses vendo as vossas boas obras glorifiquem Nosso Pai que está nos Céus” (Mt 5, 16).

Deus onipotente se digne conservar incólume a autoridade de Vossa Santidade durante muitos anos, para a exaltação de Sua Santa Igreja”.

Assinado: Carlos

(Fonte: Carlos Magno, “Le lettere”, Città Nuova, 110 páginas; op. cit., pp. 57-61)





Assim falava um chefe de Estado medieval: discurso de Carlos Magno

Carlos Magno medalhão comemorativo
Carlos Magno medalhão comemorativo
Sermão de Carlos Magno, pronunciado na grande assembléia de Aix-la-Chapelle, no mês de março de 802.

Sermão do Senhor Carlos, Imperador:

“Ouvi, bem amados irmãos! Fomos enviados aqui para vossa salvação, a fim de vos exortar a seguir exatamente a Lei de Deus e para vos converter na justiça e na misericórdia à obediência das leis desse mundo.

“Exorto-vos primeiramente a crer em um só Deus, Todo Poderoso, Padre, Filho e Espírito Santo; Deus único e verdadeiro, Trindade perfeita, Unidade verdadeira, Criador das coisas visíveis e invisíveis, em quem está nossa salvação, e que é o Autor de todos os bens.

“Crede no Filho de Deus feito homem para a salvação do mundo, nascido da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Crede que por nós sofreu a morte; que, ao terceiro dia, ressuscitou dentre os mortos; que subiu ao Céu, onde está sentado à destra de Deus.

“Crede que virá para julgar os vivos e os mortos, e que dará a cada um segundo suas obras.

“Crede numa só Igreja, ou seja, na sociedade dos bons por todo o universo; e sabei que só estes poderão ser salvos, e que só aos que perseveram até o fim na Fé, na comunhão e na caridade desta Igreja pertence o Reino de Deus.

Os que, por causa de seus pecados, estão excluídos dessa Igreja e não retornarem a Ela pela penitencia, não podem fazer neste século nenhuma ação que seja aceita por Deus. Estais persuadidos que recebestes no batismo a absolvição de vossos pecados.

“Esperai na misericórdia de Deus, que nos perdoa os pecados, cada dia, pela confissão e pela penitência. Crede na ressurreição de todos os mortos, na vida eterna, no suplício eterno dos ímpios.

Carlos Magno recebe bispos da Gália, Grandes Chroniques de France
Carlos Magno recebe bispos da Gália, Grandes Chroniques de France
“Tal é a Fé que vos salvará se a guardardes fielmente, e se lhe acrescentares as boas obras, porque a Fé sem as obras é uma Fé morta, e as obras sem a Fé, mesmo quando são boas, não podem agradar a Deus.

“Amai, pois, antes de tudo ao Senhor Todo-Poderoso com todo vosso coração e com todas vossas forças; tudo aquilo que credes ser-Lhe grato, fazei-o sempre, segundo vosso poder, com o socorro de Sua graça, mas evitai tudo o que O desagrada; porque mente quem pretende amar a Deus e não guarda Seus Mandamentos.

“Amai vosso próximo como a vós mesmos, e dai esmola aos pobres segundo vossos recursos.

“Recebei os viajantes nas vossas casas, visitai os pobres, e sede caridosos com os prisioneiros; na medida em que possais, não façais mal a ninguém, e não pactueis com aqueles que fazem mal a outrem, pois é mau não só prejudicar o próximo, mas também entender-se com aqueles que o prejudicam.

“Perdoai mutuamente vossas ofensas se quereis que Deus vos perdoa os pecados.

“Resgatai os cativos, socorrei aqueles que são injustamente oprimidos, defendei as viúvas e os órfãos, pronunciai juízos conforme à eqüidade; não favoreçais nenhuma injustiça, não vos abandoneis a longas cóleras, evitai a embriaguez e os festins inúteis.

“Sede humildes e bons uns para os outros; sede fiéis a vossos senhores; não cometais roubos, nem perjúrios, e não tenhais nenhum entendimento com aqueles que os cometem.

“Os ódios, a inveja e a violência nos afastam do Reino de Deus. Reconciliai-vos o quanto antes uns com os outros, pois, se está na natureza do homem pecar, arrepender-se é angélico, mas perseverar no pecado é diabólico.

“Defendei a Igreja de Deus e ajudai-a, a fim de que os Padres de Deus possam rezar por vós. Lembrai-vos do que prometestes a Deus no batismo: renunciastes ao demônio e às suas obras, não retorneis em nada para ele, não retornais em nada às obras às quais renunciastes, mas permanecei na vontade de Deus como prometestes, e amai Aquele que vos criou e por quem tendes todos os bens.

“Que cada um sirva a Deus fielmente no lugar onde se encontra.

São Pedro e São Paulo falam a Carlos Magno que dormia.
Catedral de Bourges, França
“Que as esposas sejam submissas a seus maridos; em toda bondade e pudor, guardem-se de atos desonestos; não cometam envenenamentos e não cedam em nada à cupidez, porque as que cometem esses atos estão em revolta contra Deus.

“Que elas eduquem seus filhos no temor de Deus e doem esmolas conforme suas fortunas, com coração bom e alegre. “

Que os maridos amem suas esposas e não lhes digam nenhuma palavra grosseira; dirijam seus lares com bondade e reúnam-se com mais freqüência na igreja. Que doem aos homens o que lhes devem, sem murmurar, e a Deus o que é de Deus, de boa vontade.

“Que os filhos amem os seus pais e os honrem.

Que não lhes desobedeçam em nada e guardem-se contra o roubo, o homicídio e a licenciosidade.

“Que os clérigos e os cônegos obedeçam diligentemente as ordens de seus Bispos, conservem sua residência e não andam de um lado para outro.

“Que não se imiscuam nas questões do século.

“Que conservem a castidade: a leitura das Sagradas Escrituras deve lembrá-los, freqüentemente, o serviço de Deus e da Igreja. “Que os monges sejam fiéis às promessas que fizeram a Deus; não se permitam nada contrário à vontade de seu Abade, não procurem nenhum benefício vergonhoso; saibam de cor sua regra e a sigam regularmente, lembrando-se de que para um grande número teria sito melhor não pronunciar votos do que não cumprir o voto pronunciado.

“Que os duques, os condes e os juízes sejam justos para com o povo, misericordiosos para com os pobres; que não vendam a justiça por dinheiro, e que nenhum ódio particular os faça condenar os inocentes.

Que tenham sempre no coração estas palavras do Apóstolo: ‘Teremos que comparecer, todos, perante o tribunal de Cristo, onde cada qual será julgado segundo suas obras, boas ou más'.

Assinatura de Carlos Magno
Assinatura de Carlos Magno
O que o Senhor expressou pelas seguintes palavras: 'Assim como julgastes, assim sereis julgados', isto é, sede misericordiosos a fim de que Deus vos faça misericórdia.

“ ‘Não há nada secreto que não deva então ser conhecido, nada escondido que não deva ser descoberto. No dia do juízo daremos contas a Deus de toda palavra inútil’.

“Esforcemo-nos pois, com a ajuda de Deus, em agradá-lo em todas nossas ações, a fim de que, depois da vida presente, mereçamos nos rejubilar na eternidade com os Santos do Senhor.

“Esta vida é curta, e a hora da morte é incerta, que outra coisa temos para fazer senão mantermo-nos sempre prontos?

“Não esqueçamos como é terrível cair nas mãos de Deus. Pela confissão, penitência e esmola tornamos o Senhor misericordioso e clemente: se Ele nos vê retornar para Ele de todo o coração, terá logo piedade de nós e nos fará misericórdia.

“Senhor, concedei-nos as prosperidades desta vida, e a eternidade da vida futura com Vossos Santos. Que Deus vos guarde, irmãos bem amados!”.

(Autor : Charles de Ricault d’Héricault, « Histoire Anecdotique de la France », Bloud et Barral, Libraires -Éditeurs, Paris, T. I, pp. 301-304)





A teoria da Translação

Coroação de Carlos Magno: os reis devem sua coroa aos Papas
Coroação de Carlos Magno: os reis devem sua coroa aos Papas
Por 'teoria da translação' é conhecida a conseqüência do poder dos dois gládios, explicitada pelo Papa Bonifácio VIII.

A saber, o Soberano Pontífice tinha o poder supremo de sagrar ou destituir o Imperador.

Neste caso, ele 'transladava' o poder imperial a outro nobre que julgasse mais digno.

São significativas da vigência de tal teoria as seguintes considerações.

A fraqueza dos primeiros reis dos romanos depois do Interregno fez com que os Papas fossem bem sucedidos em obter deles o reconhecimento formal do princípio da Translação.

A um quarto de século um do outro, Nicolau III, depois Bonifácio VIII, alcançaram assim um verdadeiro triunfo.

Gregório X, em 1273, conferira a Rodolfo de Habsburg o titulo de Rei dos Romanos para bem marcar que na criação deste príncipe a última palavra pertencia ao Soberano Pontífice.

Comprometido pelas promessas que tinha feito a Gregório, considerando-se antes de sua coroação em Roma como administrador provisório do Império pelas boas graças da Santa Sé, Rodolfo orientou sua política italiana segundo a vontade deste.

A Nicolau III, em quem revive uma parte do espírito de Inocêncio III, ele cede, em 1279, a Romagna e sanciona a tal propósito a teoria da Translação do Império, proclamando a superioridade do poder pontifício sobre o dos reis; os príncipes alemães reconhecem, nessa ocasião, que recebiam seu privilégio eleitoral do Vigário de Cristo, luminária maior da Cristandade.

Um sucesso ainda mais brilhante foi alcançado por Bonifácio VIII, o Papa-Imperador por excelência.

Passando pelas mudanças de sua atitude em face a Adolfo de Nassau e Alberto de Habsburg, uma doutrina, entretanto, permanece, da qual dão testemunho os documentos que os fatos inspiraram ao Papa, e, particularmente, o discurso que pronunciou a 30 de abril de 1303, quando em consistório público reconheceu solenemente Alberto.

O caso alemão deve, com efeito, ilustrar aos olhos do mundo a plenitude do poder no Espiritual e no Temporal que Bonifácio VIII reivindica.

O ponto de partida de tal doutrina é a Translação do Império feita pelo Papado aos alemães na pessoa de Carlos Magno, gesto que mostra plenamente que o Sucessor de São Pedro dispõe dos 'reges et regna' (reis e reinos); tudo aquilo que o Império tem em preeminência e em dignidade, ele o deve à Cúria.

São Leão III coroa Carlos Magno e instaura o Sacro Império Romano Alemão  no Natal do ano 800 na Basílica de São Pedro
São Leão III coroa Carlos Magno
e instaura o Sacro Império Romano Alemão
no Natal do ano 800 em Roma
É dela que os imperadores receberam o poder do gladio, dela igualmente que eles obtêm o conjunto de seu poder.

A eleição da qual são objeto na Alemanha, não é senão uma simples proposta; no Papa retorna o controle tanto do ato eleitoral quanto da pessoa do eleito, sem que, aliás, a validez da eleição possa comprometer sua decisão.

A confirmação do eleito significa para este a promoção à realeza; mesmo quando confirmado, o rei permanece sob a vigilância do Papa, que pode depô-lo; ele é, com efeito, seu soberano.

Enfim, enquanto Vigário de Cristo o Papa pode proceder a uma nova translação do Império em favor de quem ele julgar conveniente, e fazer retornar os territórios imperiais à Igreja Romana, que foi sua primeira detentora.

A Translação do Império é, sob todos os pontos de vista, o sinal do poder imperial do Soberano Pontífice.

A despeito dessa sujeição do Rei ou Imperador dos Romanos à autoridade do Sucessor de São Pedro, Bonifácio VIII proclama, entretanto, a universalidade do poder do 'monarca' (o Imperador do Sacro Império), soberano supremo do mundo, ao qual são, por direito, subordinados todos os reis.

O da França, ao menos em 1303, não constitui exceção à regra geral. Percebe-se, assim, que, para Bonifácio VIII, o Império beneficia-se, mas com o brilho da primeira luminária em menor grau, dos privilégios do poder pontifício: o imperador, sob a alta autoridade do Papa, reina 'super reges et regna'.

O conjunto desta doutrina foi, em 1303, completamente aprovada por Alberto de Habsburg.

A 30 de abril, seu chanceler João de Zurique proclamou a supremacia pontifícia em termos inauditos:

“Sois Vós que sois o Senhor, não de uma terra, de uma pátria ou de uma província, mas, sem limite algum, da totalidade do universo; a Vós aplicam-se as palavras de Isaías:

'Senhor, nosso juiz; Senhor, nosso legislador, por Vós reinam os reis e os poderosos distribuem a justiça; o Reino dos Romanos é o Reino da Igreja; juiz supremo de todos, Vós não podeis ser julgado por ninguém”.

Algumas semanas depois, Bonifácio recebeu de Alberto uma mensagem em que o Rei dos Romanos aderia oficialmente à teoria dos dois gladios e à da translação e da origem pontifícia do direito dos eleitores (Príncipes Eleitores).

Também com todas as letras, Alberto exprimia sua fidelidade e sua obediência ao Bem-aventurado Pedro, a Bonifácio VIII e a seus sucessores, e proclamava-se, ele próprio, o vassalo do Papa, ‘homo Papae’.


(Autor : Robert Folz, “Le Souvenir et la Légende de Charlemagne dans l’Empire Geermanique médiéval », Slatkine Reprints, Genebra, 1973, pp. 295 a 297)





As doações carolíngeas e os Estados Pontifícios

Carlos Magno campeão invicto da Cristandade, vitral da catedral de Bourges
Carlos Magno campeão invicto da Cristandade, vitral da catedral de Bourges

Carlos Magno passou o Natal (de 773) no acampamento de Pavia; e, à medida que se ia aproximando a Páscoa da Ressurreição, aumentava-lhe o desejo de ir a Roma para orar no Santuário dos Apóstolos, se bem que, além da devoção, certamente não lhe faltassem motivos políticos.

Seu pai, não menos devoto que o filho, estivera como ele duas vezes sitiando Pavia e não tinha ido a Roma, apesar da curta distância.

O filho tinha certamente decidida a incorporação do Reino lombardo à seu império, e para isso deveria entender-se com o Papa, ao qual confirmaria as doações de Pepino e faria ainda outras .

Em fins de março seguinte, Carlos, com grande companhia de bispos, abades, duques, condes e homens de amas, empreendeu a viagem a Roma, enquanto continuava o assédio de Pavia; passou pela Toscana.

O Papa enviou até Novae (situada a trinta milhas romanas da cidade Eterna) para o receber as companhias de homens armados denominadas 'scholae militiae' e os estudantes com palmas e ramos de oliveira nas mãos, levando também cruzes e cantando hinos, sem que faltassem as aclamações ou vivas ''como se recebe um Exarca (de Ravena) ou um Patricio”, dignidade que fora concedida a Carlos já no ano de 754.

São Pedro e São Paulo falam a Carlos Magno que dormia,
vitral da catedral de Bourges
Ao encontrar-se com os estudantes e as cruzes, Carlos apeou do cavalo e foi com seus dignatários a pé até à Igreja de São Pedro, onde o recebeu o Papa, que estava com seu clero no alto da escadaria.

Carlos, ao subir, foi osculando um por um cada degrau, e eram muitos, até que chegou ao último. Aí abraçaram-se o Papa e o Rei, e depois desceram ambos com seus respectivos séquitos até à ‘confessio' de São Pedro, onde o Rei solicitou licença para entrar na cidade e orar nas diversas igrejas.

Ante o túmulo de São Pedro juraram ambos cumprir o que tinham pactuado, e o Rei entrou na cidade, onde assistiu, na Basílica do Salvador (junto à de Latrão) trés batizados realizados pelo Papa.

Era 2 de abril, Sábado Santo de 774.

Voltou o Rei a São Pedro e, no dia seguinte, Domingo de Pascoa, foram a seu encontro os frades e homens de armas para lhe acompanhar até à Igreja de Santa Maria, onde assistiu Missa, e depois tomou refeição com o Papa.

Nos dois dias seguintes ouviu Missa nas igrejas de São Paulo e São Pedro; o Papa presenteou Carlos Magno com uma coleção dos cânones, acompanhando-a com bonitos versos.

Carlos Magno faz doação à Igreja, vitral da catedral de Bourges
Carlos Magno faz doação à Igreja, vitral da catedral de Bourges
No dia 6 de abril houve grande sessão pública na Igreja de São Pedro.

Nela o Papa solicitou a plena realização das boas obras oferecidas ao Romano Pontífice por Pepino, pelo próprio Rei Carlos e por Carlomano; logo fez ler a carta de 14 de abril de 774, datada em Quierzy, ‘per donationis paginam', que foi reconhecida e confirmada pelo Rei numa nova carta, redigida pelo capelão Hitério, e na qual o Rei outorgou e ofereceu entregar à Santa Sé um grande número de cidades e territórios (os quais, apesar dos vais-e-véns da História, em grande parte efetivamente passaram ao poder do Papa).

Foram eles: desde Iuni, incluindo a ilha de Corsega, por Sarzano (Surianum), o Monte Bardonis, o desfiladeiro dos Apeninos, La Cisa (entre Parma e Contremoli), Barceto, Parma, Reggío, daí por Mântua (Módena) até o monte Silicis (Monselice); além disso, todo o Exarcado na sua antiga extensão, as províncias de Veneza e Ístria e os Ducados inteiros de Spoleto e Benevento.

Assinaram esta ata todos os bispos, duques e condes. Em seguida foi depositada sobre o altar e depois junto à ‘confessio’.

O Rei e seus francos jurarem cumprir a doações; o Rei pôs uma cópia escrita por Hitério sobre os Evangelhos, junto ao corpo de São Pedro, e, finalmente, levou cópias do ‘scrinarius’ da Santa Sé.


(Autor: Guilherme Oncke, “História Universal”, Montaner y Simón, Editores, Barcelona, Tomo XII, pp. 357 a 358)





A guerra santa em Carlos Magno e seus Pares

Carlos Magno batalha contra os saxões, British Library
Vamos imaginar Carlos Magno no momento de se jogar contra os sarracenos que invadiram o sul da Espanha.

Então, ele está com a tenda dele armada, mas é uma tenda bonita, guerreira, militar, com pendões etc., etc.

Uma tenda medieval com guerreiros andando de um lado para o outro com uma compenetração que é de homem que está andando para a guerra sagrada.

Entram cinco, oito, dez homens. São os pares de Carlos Magno que se aproximam. Carlos Magno está majestoso, num repouso fecundo, desses repousos dos quais homens saem prontos para a batalha.

Urna de Carlos Magno, Aix-la-Chapelle
Urna com os restos de Carlos Magno, Aachen, Alemanha
Nós o podemos imaginar como o pintou o Dürer: com uma imensa barba, um homem de cinquenta para sessenta anos, com olhos grandes, traços regulares, todo feito de harmonias, mas de uma força de Hércules.

Todos se aproximam, quando os pares vão passando pelo acampamento, todo mundo tem um frisson: “Olhe Roland, olhe Olivier, olhe aquele!” Todo mundo se extasia.

À medida que eles vão chegando perto da tenda de Carlos Magno, no exército vai havendo um silêncio, porque se compreende que um fenômeno enorme de alma vai se passar: Carlos Magno vai se encontrar com os seus pares, e vai dar as ordens de batalha.

Quando eles entram, eles se extasiam também diante da pessoa de Carlos Magno!

Carlos Magno, digno, grave, mas ao mesmo tempo afável, pergunta a eles que informações eles têm. Eles:

Sire, o inimigo levou a sua audácia a tal ponto que queimou tal convento assim etc., e ocupa tal posição fortificada em tal lugar, etc., etc. Nós perdemos tantos homens na luta contra eles e não conseguimos rechaçá-los.

— O que conta o meu valente Olivier, que fez tais coisas e tais coisas?

— Sire, a audácia do Crescente chegou até mais outro ponto, mas nós conseguimos estraçalhá-los etc., e apareceu Sant'Ana, Mãe da Bem-Aventurada Virgem Maria, nesta hora, quando o guerreiro tal gritou: “Sant'Ana, socorrei-nos!”

E, com uma falange de Anjos, ela mandou que esses homens fossem embora.

Depois tal coisa e tal. Todos rezam e Carlos Magno depois dá o plano de batalha.

— “Vós, que vencestes na Espanha, que dobrastes os infiéis na Catalunha, e não sei mais o quê, vós ireis para tal lugar etc., etc...” repetindo um pouco os feitos de glória de cada um, para entusiasmar.

Oração comum, saem todos, reina o silêncio na tenda de Carlos Magno. A cena acabou. A batalha vai começar.

É muito superior!


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 15/10/75. Sem revisão do autor)








Carlos Magno: fortaleza de um santo num homem-fortaleza

Estátua na fonte de Roland, Bremen, Alemanha
Fonte de Roland, Bremen, Alemanha
Um espírito deformado diria que o próprio do católico é ser manso, humilde, misericordioso, e que, portanto, convém ser muito compassivo, terno, afável, ameno, com um sorriso muito atraente, apaziguante, característicos em muitos santos.

O católico, continuaria, é um ministro do Deus da paz, da misericórdia, de Nosso Senhor Jesus Cristo Homem Deus que disse de si mesmo: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e vós encontrareis a paz para as vossas almas”.

Portanto, e aqui entra a distorção, não se pode imaginar um homem santo, venerado com o consentimento da Igreja na diocese de Aix-la-Chapelle, que dá a impressão de personalidade magnífica, cheia de força.

Esse santo, na realidade, não seria bem santo porque não seria como Nosso Senhor Jesus Cristo, completaria o objetante.

Ora, não há contradição nenhuma porque as virtudes cardeais que são: a Prudência, a Fortaleza, a Temperança e Justiça, indicam o nosso rumo.

As virtudes cardeais nos fornecem os meios e os modos pelos quais nós devemos alcançar o rumo que nós queremos que, em última análise, é o Céu.

Entre, as virtudes cardeais figura a virtude da Fortaleza. Fortaleza é ser forte. Um homem que a possui, e como um santo deve possui-la, ele próprio é uma fortaleza.

Vários heróis medievais procuraram tomar fortalezas como emblema de seu próprio escudo, e nós vemos na heráldica que nos mostra os escudos, brasões da Idade Média, um sem conta de escudo e brasões com emblema da fortaleza.

Carlos Magno procurou praticar a fortaleza com a perfeição com que os outros santos procuraram praticar as outras virtudes.

Todos os santos praticaram em sua vida as três virtudes teologais e as quatro virtudes cardeais, mas em grau heroico, não basta ter praticado bem, mas em grau heroico.

Cada santo é chamado pela graça para um determinado tipo de virtude. Por exemplo, São Francisco foi exímio na prática de virtude da pobreza. Santo Inácio de Loyola, exímio na prática da virtude da obediência, São Francisco de Sales a virtude da doçura, e assim por diante.

Carlos Magno em Aix-la-Chapelle é venerado como santo, e esteve para a Fortaleza, como São Francisco para a pobreza, etc., etc. Então, era missão dele, considerando a virtude da fortaleza apaixonar-se por ela, entusiasma-se por ela, e levá-la ao último ponto que deveria ser levada.

A virtude da Fortaleza, por causa do pecado original no homem, pode facilmente ser confundida com defeitos do homem.

Um brutamontes, um violento; um homem injusto, de trato desagradável, sem caridade, é um homem que abusa de sua superioridade.

Então, para que aparecesse o modelo da fortaleza, era bom que aparecesse um homem que tivesse uma personalidade ao mesmo tempo muito rica na fortaleza, mas que em cada ponto tinha um contraforte da fortaleza.

Ele era forte, mas amável, alegre, acolhedor, mas isto, mas aquilo. Isto é um primeiro aspecto da Fortaleza.

Mas em segundo lugar, não é só o “mas”, a gente não diz: “São Francisco de Assis era caridoso, “mas” também....”; não, é caridoso! não tem “mas”.

Então, em nenhum modo ele pratica a fortaleza sem “mas”? Pratica!

De que maneira ele pratica?

A virtude da Fortaleza era em tudo completada por um grande juízo, uma grande maturidade, um grande critério por onde ele fazia o uso muito inteligente, muito eficaz, de sua força.

Portanto dava a estocada dada no momento certo, do jeito certo, para liquidar com o homem ou o exército, ou a nação ruim, que fazia o mal e por isso merecia ser liquidada.

Detalhe de estatueta no Museu do Louvre. Fundo: teto catedral de Aix-la-Chapelle
Aquela descrição do exército de Carlos Magno que chega de longe, que primeiro são esse, e depois são aqueles, depois são aqueles outros, etc., e os dois que vão ficando com medo, e o rei dos lombardos que fica com vontade de se meter nas entranhas da terra...

Toma em consideração que os medievais achavam que o inferno fica no centro da Terra, e, portanto, meter-se no centro da terra é meter-se no inferno-

Quer dizer, fugir para o inferno de medo do que vai acontecer porque eles pecaram e agora vem Carlos o Forte, Carlos o Justo, Carlos o Santo, Carlos o Invencível, que chegou na hora para cumprir o desígnio de Deus.

Naquele tempo muito difícil de obter mármores porque os melhores mármores da Europa se encontram na Itália.

Mas Aix-la-Chapelle figura na Alemanha, portanto do outro lado dos Alpes, e atravessar os Alpes com mármores ou do Oriente que são lindíssimos e caríssimos, é uma façanha dificílima: cheia de possibilidade de desastre, estradas péssimas, então ia o cortejo e de repente caiu tudo com mármores, etc., em precipícios, etc.

Ele conseguiu mandar vir um belo número de colunas de mármores que Napoleão mandou roubar, e construiu uma igreja em louvor da Virgem Santíssima.

Carlos Magno era um grande devoto da Virgem, e é apresentado por ele como indo para o caixão com uma imagem da Virgem junto ao peito dele.

E a Catedral de Aix-la-Chapelle é em louvor de Nossa Senhora, era o imperador mariano, sobre cuja história santamente terrível está a iluminação do sorriso de Maria.

A posteridade considerou Carlos Magno.

E é a aclamação dos povos para o homem enorme que é como um bimbalhar de sinos que não acabam mais.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 5/11/90. Sem revisão do autor)











O mais admirável em Carlos Magno: sua altíssima sacralidade

Carlos Magno busto relicario.
Fundo: cúpula da catedral de Aachen
O mais admirável da magnífica obra de Carlos Magno foi a criação de um estado de espírito de altíssima sacralidade.

Esse espírito provinha de uma comunicação da graça que abençoava tudo quanto ele fazia.

Por isso sua imensa obra teve uma clave transcendente que está fora de comparação com outras coisas que ele ou outros fizeram.

Esta clave sobrenatural lhe dava uma visão das coisas temporais com uma altura que nem o gênio dá.

Da altura em que ele concebia o poder e a unção de Deus ele via todos os problemas, mesmo naturais do mundo.

Essa participação de Deus formou propriamente o caráter imperial do governo dele.

É uma vastidão de horizontes fenomenal sobre o universo, sobre a vida humana, sobre a terra, as possibilidades do homem, etc., etc., enquanto reflexos de um Deus transcendente.

Ele é um homem que levou uma vida sacrificada terrível, mas tinha a alegria estável da finalidade obtida.

Ele deixou a matriz do feudalismo, suscitando uma grande admiração por um tipo de alma que todos os homens a partir de então e até a Revolução, não deixaram de tender. Essa admiração foi tão grande que até hoje, exceto historiadores preconceituosos, ninguém fala mal dele.

A Igreja, Corpo Místico de Cristo, foi a fonte do espírito que o grande Carlos difundiu.

O mundo só não ficou muito mais carolíngio ainda porque não foi tão católico quanto devia ser. Porque a Igreja é carolingeogênica por definição.

As gente só compreende toda a dimensão da beleza das virtudes pessoais que Carlos Magno teve ou não teve, imaginando-as em Calos Magno.

Carlos Magno teve um problema de casamentos. Isso para um católico é um problema perturbador?

Se você imagina Carlos Magno, você vê a castidade com uma beleza que não é fácil imaginar de outra maneira. Não me interessa, para efeito do que estou falando, este efeito circunscrito, limitado da realidade histórica.

Carlos Magno probo, cultural, fazendo aquele renascimento da cultura, foi completamente diferente de um príncipe Médicis do tempo da Renascença. Quer dizer, ele é um pano de fundo sobre o qual tudo quanto é bonito fica lindo.

Carlos Magno, coroado por São Leão III
Agora o que que é o unum do pano de fundo de Carlos Magno? É o próprio espírito da Igreja, é a Igreja.

São Gregório VII foi para o Papado o que Carlos Magno foi para a ordem temporal.

Vocês, provavelmente não ouviram um elogio tão insistente de Carlos Magno, mas vocês todos não tomam como novidade o que estou dizendo, porque uma graça flutua em torno de nome dele e todos intuem.

Agora, o que que é isto em Carlos Magno? É uma quintessência do espírito da Igreja dado ao laicato. Carlos Magno é o exemplo por excelência do leigo católico.

Não adianta dizer que Carlos Magno não está canonizado. Eu não discuto nada disto.

Eu digo só, que é notório que existe em torno dele esta graça e que sua figura reluzente é uma das poucas coisas que a Revolução não conseguiu destruir. Ela conseguiu pôr em silêncio, mas não conseguiu destruir.

Este fundo revela um predicado na alma dele de onde tudo isto se irradia e o próprio foco deste unum é a Igreja.

Se não fosse a Igreja Carlos Magno não teria nada disto. E o fogo da Igreja se irradia a partir do clero. Esse ponto é preciso não esquecer.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 22/2/86. Sem revisão do autor)





Carlos Magno a São Leão III:
o imperador protetor da Fé a serviço do Papado

Carlos Magno, Historischen Museum, Frankfurt
Carlos Magno, Historischen Museum, Frankfurt
Carlos Magno, em sua primeira carta ao Papa São Leão III (eleito em 795), falou de seu próprio cargo de protetor da Fé católica nos seguintes termos, capazes de chamar muito a atenção do Sumo Pontífice.
“Conforme ao que pactuei com Vosso Predecessor, quero conservar conVosco uma aliança inquebrantável de amor e lealdade no teor seguinte: da Vossa parte me acompanhará em tudo a Bênção apostólica; e de minha parte estará protegida sempre a Santa Sé”.
À maneira de Clóvis e Pepino, Carlos propunha ao sucessor de São Pedro um verdadeiro pacto bilateral.

Segundo esse, o Papa ficava incumbido de procurar para Carlos a bênção do Céu, que – como já sabemos – significava para o franco não só a bem-aventurança eterna, mas a conquista de todos os povos bárbaros para convertê-los e a obtenção “das coisas boas deste mundo”.

E em troca de tudo isso Carlos Magno defenderia o Papa contra hereges, pagãos, bizantinos e todos os inimigos temporais.
“Meu dever é – continua Carlos – proteger-Vos em todas as partes, com as armas, contra inimigos exteriores, contra ataques dos gentios e a devastação pelos infiéis (ficavam portanto justificadas as guerras contra os bárbaros saxões); e também é meu dever robustecer, no interior, a Santa Igreja, mediante o reconhecimento da Fé católica”.
Mais adiante acrescenta, dirigindo-se ao Papa:
“Vosso dever é ajudar-me nas minhas empresas guerreiras, levantando Vossas mãos a Deus a fim de que o povo católico (a Cristandade do Ocidente) vença sempre e por todas as partes os inimigos do Nome dEle, e a fim de que se glorifique o Nome de Cristo em todo o orbe”.
Esta carta já contém toda a teoria da posição universal do Rei como protetor da Igreja; tão universal é o cargo do protetor como o do Sumo Pontífice.

Carlos Magno, coroado por São Leão III

(Fonte: Guilherme Oncken, “História Universal”, Montaner y Simón, Editores, Barcelona, Tomo XII, pp. 395 e 396.)





Fundo medieval emerge na França
e abala fachada laica-democrática

A sacralização da vida política francesa na Idade Média foi tão profunda que não foi possível apagá-la e até ressurge hoje
A sacralização da vida política francesa na Idade Média foi tão profunda
que não foi possível apagá-la e até ressurge hoje
Na última eleição presidencial na França, o catolicismo fez uma irrupção rumorosa num país que se julgava definitivamente ganho pelo laicismo anticlerical da Revolução Francesa.

Todos os candidatos — inclusive o comunista-anarquista Mélenchon — acenaram para esta ou aquela passagem, ainda que remota, por alguma corrente do catolicismo, ou contato com ela.

O que houve? Cientistas sociais e políticos, jornais, acadêmicos, líderes partidários atilados se puseram na ingente tarefa de tentar descodificar o enigma.

Um deles foi Alain Tallon, reitor da Unité de Formation et de Recherche – UFR (outrora mais claramente “Faculdade”) de História da Universidade da Sorbonne, especialista em história religiosa, entrevistado pelo quotidiano parisiense “La Croix”.

Tallon partiu de uma evidência que não era “politicamente correta”: “A dimensão religiosa, e mais especialmente a questão do cristianismo, é essencial em nossa história.

“A própria laicização da sociedade francesa não conseguiu apagar totalmente o fato religioso. (...) A França, ao contrário de seus vizinhos alemães, italianos e espanhóis, foi um país uniformemente católico”, acrescentou, antes de pôr o dedo na chaga:

“Outra peculiaridade: a Revolução Francesa foi feita contra uma França católica. Nós vivemos ainda sob os efeitos desse divórcio entre a França republicana e a França católica”.

O professor Tallon foi sagaz, tentando embaralhar a oposição: o oposto de ‘republicana’ (realidade temporal) não é bem ‘católica’ (realidade religiosa espiritual).

Ele estava se referindo às posições ‘república versus monarquia’ e ‘laicismo versus catolicismo’.

Ou mais concisa e palpavelmente, à posição entre ‘republicano enquanto ateu’ versus ‘monarquista enquanto católico’. Mas isto na França é tema de explosividade atômica.

O jornalista tentou procurar outra via menos perigosa. E levou para um assunto, na verdade, não muito menos coruscante.

Prof. Tallon: a sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente
Prof. Tallon: a sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente
O professor Tallon foi claro: “Na França, a política sempre tirou, e largamente, seu vocabulário e seus ritos da religião”, leia-se do catolicismo.

E acrescentou: “Isso é verdade desde a Idade Média. A sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente na Europa. Os franceses inventaram o rei taumaturgo. [NdT: que faz milagres. Após a sagração dos reis, eles saíam à praça e tocavam os doentes ‘escrofulosos’, dizendo: ‘o rei te toca, Deus te cura’ e muitos saíam dizendo-se curados!].

“Enquanto isso, a monarquia espanhola é profundamente laica desde a Idade Média: o rei não é ungido”.

Na França, os reis eram ungidos com óleo bento numa cerimônia eclesiástica na catedral de Reims. Em virtude dessa unção eles passavam a diáconos da Igreja, com um mundo de privilégios eclesiais e um rango menor no clero.

Esse costume é tão forte que até hoje os presidentes da República são considerados cônegos da catedral de São João de Latrão, com estala reservada. O ex-presidente Sarkozy chegou a ocupar essa sede canônica em sua primeira visita a Roma.

O jornalista, certamente menos letrado que o reitor da Faculdade de História de Paris, procurou outra pista. E acabou ouvindo verdades que arrepiam ao laicismo democrático, igualitário e vulgar inaugurado em 1789.

O reitor Tallon sublinhou que em país algum houve a sacralização do poder como na França. “E essa sacralização sobreviveu após a monarquia, inclusive sob Bonaparte e, em certo sentido, sob Charles de Gaulle”.

Todos esses chefes de Estado tentaram dar ares de monarca ungido pela Igreja. Napoleão se fez coroar pelo Papa Pio VII (de modo muito contestável) e Charles de Gaulle assumiu um ar pessoal de monarca, obviamente sem coroa alguma.

No subconsciente popular, Carlos Magno ainda é o modelo de governante
No subconsciente popular, Carlos Magno ainda é o modelo de governante
“O modelo de Carlos Magno — prosseguiu o professor — fez sonhar todos os soberanos franceses.

“Foi por isso que Henrique IV quis se reconciliar com Roma, em vez de criar uma Igreja nacional como fizera o modelo inglês. (...)

“Ele também compreendeu que se tratava do único meio para ele se tornar rei da França.

“Um rei da França protestante era uma coisa impossível, política ou ideologicamente.

“A sacralização da monarquia atingira tal ponto, que um rei calvinista não teria sido sagrado, não teria curado as escrófulas. Era algo inconcebível. Ele teria rompido com Roma e com o universalismo católico.

“A monarquia francesa se sente herdeira legitima de Roma porque o rei é o primeiro dos cristãos. (...)

“Nós nos sentimos investidos de uma missão pela França desde o fim da Idade Média. Essa foi a ideia constitutiva da criação da ‘nação França’.

“Desde a monarquia carolíngia o tema imperial foi sempre conjugado com Roma e o Papado. Quando houve conflitos opondo o Papa ao Imperador, a monarquia francesa sustentou o Papado.

“O episódio de Joana d’Arc foi um dos elementos. E isso continuou pela Renascença, com um rei como Francisco I se fazendo pintar em 1518 por Jean Clouet representado como São João Batista…

“Os embaixadores ingleses contam que eles foram recebidos pelo rei vestido como se fosse Cristo ! É algo completamente surpreendente…

“A ideia da nacionalidade francesa não foi constituída unicamente pela monarquia, mas também pela Igreja Católica”, concluiu.





Raízes profundas da Idade Média emergem no presente francês

Para obter votos o futuro presidente Macron foi se fotografar na festa de Santa Joana d'Arc em Orleans
Para obter votos o futuro presidente Macron
foi se fotografar na festa de Santa Joana d'Arc em Orleans
Pode parecer estranho, mas não é. No segundo turno da eleição presidencial francesa, em 7 de maio de 2017, os dois candidatos apostaram corrida para ver quem se identificava mais com a heroína medieval Santa Joana d’Arc, registrou a “Folha de S. Paulo”.

Nenhum deles é especialmente devoto, nem muito praticante, provavelmente só queriam o voto do eleitor.

Mas o que há na cabeça dos franceses para que ainda hoje o candidato se tornar presidente de uma República formalmente laica e agnóstica ele necessite mostrar-se também ligado ao passado sacral católico da França?

O jornal progressista e socialista parisiense “La Croix” foi à procura de eminências do pensamento francês para achar uma explicação do fenômeno que, para ele, parece uma aberração.

François Huguenin, autor de As grandes figuras católicas da França (“Les grandes figures catholiques de la France”, ed. Perrin) respondeu assim:

“Existe uma trama comum entre o cristianismo e a fundação da França. É impossível separar os fios da tapeçaria sem desmanchar tudo. O catolicismo é a matriz da França”.

Segundo seu ponto de vista, desde Clóvis, o primeiro rei franco que se fez batizar, “todos os nossos governantes estão submetidos a uma transcendência, uma verticalidade. Eles têm consciência permanentemente de que há um Deus que os transcende”.

No livro Deus escolheu a França (“Dieu choisit la France”, ed. Presses de la Renaissance), o professor auxiliar de História Camille Pascal concorda.

O singular é que isso acontece no fundo das cabeças de muitos presidentes, até mesmo socialistas, que da língua para fora não querem saber de religião.

A fidelidade ao Papa foi nota característica da França medieval. São Luis foi se encontrar com o Papa Inocêncio IV em Lyon que lhe pediu auxilio. Louis-Jean-Francois Lagrenee (1724-1805)
A fidelidade ao Papa foi nota característica da França medieval.
São Luis foi ver em Lyon o Papa Inocêncio IV que lhe pediu auxilio.
Louis-Jean-Francois Lagrenee (1724-1805)
Rémi Brague, historiador de filosofia medieval, foi aprofundar-se no catarismo, heresia do sul da França que suscitou contra si uma verdadeira Cruzada que a extinguiu no século XIV.

Segundo Brague, o catarismo fracassou porque recusava o ato de fidelidade feudal ao suserano, algo que o francês não podia aceitar.

Recusar a fidelidade do vassalo ao senhor e vice-versa trazia o “risco de destruição da ordem feudal”.

E explica: “Em nosso país, jamais existiu uma situação na qual a política não teve alguma dimensão religiosa e vice-versa”.

Mas houve e há todo o contrário: uma ferocidade laicista anticristã que se exprime no culto fanático dos Direitos do Homem.

Mas, a esse respeito, também o anticristianismo laicista teve um nascedouro cristão, é claro que num cristianismo herético.

E explica: foi a Revolução Protestante! Ela pregou que Cristo era o único mediador, que a Bíblia era o único mestre, que só havia a fé, sem necessidade das outras virtudes.

Desse tronco nasceu o Iluminismo racionalista que sabotou os fundamentos da monarquia até derrubá-la e implantar uma República laica, ateia, que muda segundo o capricho dos homens.

O pastor Antoine Nouis, conselheiro teológico da revista protestante “Réforme”, reconhece que “a ideia de uma pluralidade de religiões num mesmo reino é no fundo uma anomalia” que tinha que dar nas guerras de religião (1562-1598).

Nicolas Le Roux, secretário geral da Associação dos Historiadores Modernistas das Universidades Francesas, explica que no modo de ver do povo francês,

“O reino era visto como um corpo, imagem do Corpo Místico da Igreja. O rei era a cabeça desse corpo político e social. Por meio do convívio social, das festas, das procissões, das missas, se atingia a salvação.

“Deixar de ir à Missa, quebrar as imagens de Nossa Senhora, cantar os salmos em francês punha em perigo essa vida em comum, a salvação de todos”.

Contra a visão católica partilhada pelo conjunto não faltaram os galicanos, que punham a França por cima do Papa de Roma.

Alain Tallon, reitor da Faculdade de História da Sorbonne, estudou o caso e concluiu que apesar dos atritos históricos, “a subordinação ao Papado era considerada indispensável para a monarquia francesa. Ainda quando se discordava do Papa, fazia-se questão absoluta de não romper com Roma”.

O laicismo do século XVIII contestou a autoridade da Igreja. Ostentou a ideia de que se pode viver fora d’Ela, ser diferente, até proclamar um outro deus, o Ser Supremo da Revolução Francesa.

Para François Huguenin, a violência revolucionária foi “um sismo comparável à ascensão de Hitler ao poder em 1933: a aparição de uma lógica de violência exacerbada pelo vazio instalado no poder”.

Afrescos carolíngios da Abadia de São João com estátua de Carlos Magno, Müstair, Suíça
Afrescos carolíngios da Abadia de São João
com estátua de Carlos Magno, Müstair, Suíça
E segundo Jacques-Olivier Boudon, Napoleão encarnou o revolucionário violento que subiu como mais tarde fez Hitler. Mas, uma vez no poder, Napoleão tentou chegar a uma concordata com a Igreja para “instalar a paz religiosa após o cisma constitucional de 1789.

Porém, a ferida entre “azuis” (laicos e republicanos) e “brancos” (católicos e monarquistas) ainda continua muito profunda”.

A contribuição religiosa do Islã foi nula e fonte de guerra constante. O historiador de filosofia medieval árabe e judia, Rémi Brague, fala com clareza :

“Não, o islã não contribuiu para nossa história.

“Os saqueadores árabes e berberes que vieram até Poitiers só tinham o Corão numa mão e a cimitarra na outra. Eles vieram para pilhar”.

Hoje essas tendências subterrâneas carregadas de alta tensão voltam a se chocar.

Antoine Nouis vê na “atual crispação francesa a respeito do laicismo um fruto do desenvolvimento do conflito entre o Iluminismo e a religião”.

Nicolas Le Roux ironiza: “A liberdade de consciência é uma invenção. Cada um faz o que quer na sua casa. Mas depois de fechar a porta, não cante muito alto!

“O verdadeiro problema continua sendo que os modelos de Estado católico-monárquico e laico-republicano não são capazes de coabitar. Essa é a questão que se punha no século XVI e que se põe hoje”, concluiu.





Carlos Magno, europeu, patriarca e imperador típico, homem angélico

Carlos Magno, europeu, patriarca e imperador típico, homem angélico
Carlos Magno, europeu, patriarca e imperador típico, homem angélico
Carlos Magno tinha em si toda a Europa.

Ele era rei dos francos, mas os francos não eram bem exatamente a França e Carlos Magno tinha em si a Europa inteira.

E para a gente ter a ideia de como foi Carlos Magno, a gente precisa considerar a Europa como se ela fosse uma nação em confronto com outras nações não europeias.

E aí a gente pega bem a imensidade de alma que foi Carlos Magno e como tudo estava nele. Era um germe de coisas grandiosas que viriam depois.

Carlos Magno foi um homem que teve a glória de ser arquetípico e então, ele era o europeu típico, ele era o patriarca típico, era o imperador típico de maneira tal que qualquer monarca que queira chegar ao auge de sua glória tem que se comparar com Carlos Magno.

E ver até que ponto ele imita, ele reproduz em si os traços de Carlos Magno em todos os aspectos. Aspecto de guerreiro nem se fala, o guerreiro perfeito é Carlos Magno.

Nós outro dia estávamos aqui elogiando o chevalier sans peur et sans reproche, mas cabe algum elogio. Mas o que é em comparação com Carlos Magno? Uma formiga!

Ninguém é guerreiro mais do que ele nem tanto quanto ele. Ele é o homem da guerra, é o anjo da guerra.

Carlos Magno poderia ser chamado um homem angélico.

Carlos Magno receve a submissão de Viduquindo rei dos saxões, en Paderborn ano 785, Ary Scheffer (1795 - 1858), Museu do Palácio de Versailles
Carlos Magno receve a submissão de Viduquindo rei dos saxões, en Paderborn ano 785,
Ary Scheffer (1795 - 1858), Museu do Palácio de Versailles
Mas de outro lado ele era o civilizador por excelência. Em todos os lugares por onde ele passava fazia alguma coisa que promovesse a cultura, a instrução, etc.

Mas não é essa instrução que se dá hoje nas escolas públicas e que não vale coisa nenhuma, era a instrução Católica Apostólica Romana, abrangendo todos os conhecimentos humanos que era possível conhecer naquela época.

A gente toma Carlos Magno como rei, ninguém no tempo dele foi organizador como ele, ninguém no tempo dele construiu tanto quanto ele, ninguém no tempo dele foi ao mesmo tempo terror dos adversários e pai de todos os povos.

E não só pai de todos os povos mas, pai de cada indivíduo que tinha dentro desses povos.

E um imperador aberto [ininteligível] chamasse para lá. Com contrastes dolorosos que faziam dele um homem de sofrimento.

Por exemplo, o que é que Carlos Magno deveria pensar da duração da própria obra.

Quando ele tinha uns filhos tão nulos que na canção de gesta nem são mencionados.

Roland é muito mencionado e é mencionado que é sobrinho de Carlos Magno. Dando-se muito valor à circunstância de ser sobrinho.

Você compreende que quem dá tanto valor à circunstância de ser sobrinho, daria muito mais valor à circunstância de ser filho, é evidente. Entretanto, dos filhos de Carlos Magno, nada.

Os filhos dele foram nulos, o império caiu, mas a recordação do império ficou. A nostalgia do império ficou e, da ruína da Europa nasceu o feudalismo.

Da ruína da Europa nasceu o feudalismo muito mais inteligente do que o império à maneira romana com que ele tinha sonhado.

Mais ainda, coisa mais importante, em vida dele mesmo o papa restaurou o Império Romano coroando-o imperador.

O povo o saudou como imperador e uma entidade com designação de Sacro Império Romano Alemão continuou representando a ele até mil anos depois numa obra colossal.

Por cima desta obra é a recordação dele, nome venerado e respeitado, pronunciado com respeito até pelos seus detratores. Quer dizer glória de um homem angelizado, Carlos Magno.

Há um busto dele em Aix-la-Chapelle que parece que é uma composição.

Se é assim, a pessoa que esculpiu teve uma tal ideia do que ele foi que a gente tem a impressão de estar vendo Carlos Magno.

Está apresentado mais ou menos como um homem de uns quarenta anos, com o cabelo dourado, com ar dominador mas ao mesmo tempo acolhedor, preocupado mas ao mesmo tempo jovial, forte mas ao mesmo tempo afável e cheio de virtudes harmonicamente contrastantes que formam um grande santo.

Um dos meus sonhos para o Reino de Maria é a canonização de Carlos Magno.

Há complicações para isso. O casamento dele desfeito com uma princesa lombarda. Uns teutônicos que ele andou matando porque não queriam crer, há umas complicações assim.

Mas eu tenho a impressão que Nossa Senhora, que pode tudo quanto quer, que Ela um dia vai canonizar Carlos Magno.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 22/7/91. Sem revisão do autor)





Reconhecidos os ossos do “Pai da Europa”: Carlos Magno

Carlos Magno: busto relicário em Aachen, Alemanha
Cientistas alemães anunciaram que, após quase 26 anos de pesquisa, os ossos contidos há séculos em preciosas urnas e relicários da catedral de Aachen, podem ser tidos com grande certeza como os próprios de Carlos Magno, informou The Local, jornal com noticias em inglês editado na Alemanha.

Os estudos científicos e suas conclusões foram apresentados no dia 28 de janeiro de 2014, 1.200º aniversário da morte do grande imperador.

Os cientistas contabilizaram 94 ossos e fragmentos nos relicários do Rei dos Francos, coroado Imperador do Sacro Império Romano Alemão pelo Papa São Leão III.

Carlos Magno tem direito a culto como bem-aventurado em numerosas dioceses da França, Alemanha e Bélgica, com Missa especial e orações próprias.

Imagens do Beato Carlos Magno são cultuadas em igrejas e catedrais dessas dioceses.

O busto relicário contém parte da calota craniana de Carlos Magno
Em 1988, a equipe abriu o sarcófago principal exposto ao culto na Catedral de Aachen.

Porém, os cientistas agiram em segredo, pois se trata de um personagem altamente polêmico, com furiosos inimigos anticristãos.

Os resultados do estudo se tornaram públicos.

O professor Frank Rühli, chefe do Centro de Medicina Evolutiva da Universidade de Zurique, Suíça, um dos cientistas responsáveis pelo trabalho, declarou:

“Em virtude dos resultados obtidos desde 1988 até o presente, podemos dizer com grande probabilidade que se trata do esqueleto de Carlos Magno”.

Estudando as dimensões dos restos, os cientistas puderam construir a imagem do homem enterrado em Aachen.

Essa imagem bate de modo impressionante com as descrições dos cronistas que conheceram o imperador no fim de sua longa vida.

O prof. Frank Rühli, chefe do Centro de Medicina Evolutiva da Universidade de Zurich,
e colegas analisam a tíbia esquerda de Carlos Magno
Segundo os especialistas, os ossos pertencem a um homem alto, magro e idoso.

Sua altura seria de 1,84 metros (seis pés), o que quer dizer que ele era inusualmente elevado para sua época.

A equipe calculou que pesava 78 quilos, dando a ele um corpo esbelto e um índice de massa corpórea por volta de 23.

Esta figura corresponde ao relato do biógrafo francês e contemporâneo do imperador, frei Eginhard (770-840).

O frade relata que Carlos Magno mancava no fim da vida e os cientistas encontraram nas rótulas dos dois joelhos e num calcanhar sinais de feridas que causariam essa manqueira.

Não foi possível verificar se o Imperador morreu de pneumonia, como alguns supunham, pois não foi identificado nenhum sinal nesse sentido.

As análises científicas correspondem à descrição do imperador no fim de sua vida
A maior parte dos ossos estava no requintado féretro venerado na catedral imperial de Aachen (Aquisgrão em português e Aix-la-Chapelle em francês), na Alemanha.

Algumas partes da calota craniana se encontravam no famosíssimo busto-relicário, também conservado em Aachen.

Supõe-se que a ausência de alguns ossos se deve ao fato de que foram doados a outras catedrais e igrejas para receberem culto oficial católico.

O Beato Carlos Magno reinou como Rei dos Francos desde o ano 768 sobre territórios que hoje fazem parte da França, da Alemanha e da Itália.

Coroado imperador pelo Papa São Leão III no Natal do ano 800, ele estendeu o domínio imperial da Cruz até a Espanha, no oeste, e até as fronteiras da Alemanha no sul e no leste.

Sua obra civilizadora e ordenadora do caos medieval lhe valeu o reconhecimento universal de “Pai da Europa”.

De fato, foi ele quem voltou a reunir o continente e organizar os povos após o desfazimento do Império Romano, relembrou o jornal britânico “The Mail online”.

Urna que contém a maioria das relíquias de Carlos Magno, na catedral de Aachen, Alemanha.
A era de seu reinado fiou conhecida como Renascimento Carolíngio porque foi um período de atividade cultural e intelectual até então inigualado.

Ele tirou a Europa do caos e promoveu a Igreja Católica até a alta dignidade que lhe é devida na ordem espiritual e restaurou sua influência proporcionada na ordem temporal.

As monarquias francesas e alemãs sempre se consideraram herdeiras do império de Carlos Magno.

E até a atual União Europeia, instituição democrática, confere como máxima distinção a comenda de Carlos Magno.

Embora não soubesse ler, falava correntemente o franco, o teutônico, o latim e o grego. Ele ordenou o ensino gratuito fundamental em todo o império.

Todos os ossos foram estudados e catalogados,
e correspondem à mesma pessoa
Carlos Magno deixou imensa fama como guerreiro a serviço do cristianismo.

Empreendeu sua primeira campanha militar aos 27 anos, para auxiliar os Papas ameaçados pela tribo dos longobardos. Ele os derrotou e eles acabaram se convertendo à religião verdadeira.

Desde Aachen, que foi sua capital, ele empreendeu 53 campanhas militares destinadas à expansão da Fé e a manutenção da ordem do Sacro Império.

Carlos Magno defendeu a Europa cristã das invasões dos muçulmanos no sul do continente e dos saxões pagãos no leste, até falecer com 72 anos, uma idade excepcional na Idade Média.

A tarefa científica não foi fácil, pois o corpo do venerado imperador foi objeto de diversas mudanças de local, esclareceu “Discovery News”.

Ele foi enterrado numa cripta sentado em seu trono.

No ano 1000 o imperador Otto III mandou abrir o local e, segundo as crônicas contemporâneas, ficou impressionadíssimo à vista de Carlos Magno entronizado, portando a coroa de ouro, segurando o cetro imperial com as mãos revestidas de luvas rituais.

“Ele não tinha perdido nenhum de seus membros, salvo uma parte do nariz.

“O imperador Otto substituiu a parte faltante com uma peça de ouro, levou consigo um dente de Carlos como relíquia e mandou lacrar a entrada da câmara”, segundo a Crônica de Novalesia, escrita por volta de 1026.

Trono de Carlos Magno teria sido feito com pedras do palácio de Pilatos,
ou da igreja do Santo Sepulcro.
Em 1165, Frederico I Barbarossa reabriu a câmara, exibiu os restos como relíquias e mandou enterrar Carlos num sarcófago de mármore no chão de catedral.

Meio século depois, o imperador Frederico II depositou os restos numa urna de ouro e prata.

Em 1349, alguns ossos foram retirados pelo imperador Carlos IV para serem cultuados como relíquias.

O imperador de tantas guerras não conheceu a paz nem no sepulcro.

Ele voltou a ser desenterrado em 1861 com objetivos de pesquisa científica. E o mesmo aconteceu agora.

Análises com raios X e scanners especializados confirmaram que ele mereceu também o nome de Magno (Grande), pois media 1,84 metros (6 pés) de altura.

“Ele devia ser como uma torre que se destacava sobre o 98% das pessoas de seu tempo”, observou o professor Rühli.

Rühli e seu colega australiano Maciej Henneberg, professor Anatomia e Patologia da Universidade de Adelaide, constataram que ele deve ter sido esbelto.

Nenhuma doença séria foi identificada em seus ossos.

Estão previstos também exames de DNA que, entretanto, não se espera venham a introduzir modificações relevantes no quadro já cuidadosamente elaborado durante mais de um quarto de século, segundo “Scientific American”.





AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

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