domingo, 26 de outubro de 2025

A tradição familiar, as estirpes e o governo do Estado

Festa de aniversário, William Powell Frith (1819 – 1909), Mercer Art Gallery, Harrogate Museums and Arts
Festa de aniversário, William Powell Frith (1819 – 1909), Mercer Art Gallery, Harrogate Museums and Arts
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Continuação do post anterior: Por que os filhos parecem com os pais As forças misteriosas da hereditariedade




Três elementos – a hereditariedade de corpo, de alma e o ambiente moral – completados com outros, como a expressão da mentalidade da família no modo de ser cortês, no modo de conversar, de decorar a casa, de cozinhar, de tratar os negócios, no modo até de conceber as relações afetivas, o casamento, o noivado, etc, todo este conjunto constitui a tradição que uma família transmite.

Se estas forças podem ser extraídas, desenvolvidas e firmadas pela família, a família deve produzir esta tradição.

Chamamos estirpe uma família que assim produz uma tradição: um tipo físico muito continuado, um tipo de constituição psíquica e nervosa muito definida, um tipo de virtudes, e às vezes também de defeitos muito definidos, um sistema de vida, um estilo de existência, tudo muito definido.

Estirpe é uma família que carreia consigo uma grande densidade de tradição, sob todos estes aspectos, e que constitui um todo homogêneo e igual a si mesmo, através de vários séculos.

Os homens passam, a estirpe é sempre a mesma; como um rio, em que a água passa, mas ele é sempre o mesmo.

Esta noção de estirpe precisa ser completada.

Alegria numa família popular, Jan Steen, (1668)
Alegria numa família popular, Jan Steen, (1668)
Não há estirpes somente na classe nobre, mas em todas as classes sociais.

Se ela é o produto natural do desenvolvimento da família, e se esta é chamada pelos desígnios da Providência a desenvolver-se, devemos ter séries e séries de estirpes em todos os graus da hierarquia social.

Estirpes de padeiros, de príncipes, de lixeiros, de joalheiros, de cantores.

É o conjunto destas estirpes que constitui a nação.

E a nação não apenas no presente, mas como uma continuidade histórica, no passado, no presente e no futuro.

O Brasil de hoje é o mesmo Brasil de outrora porque descende das mesmas e antigas estirpes, conservando uma identidade de tradição.

Porém, à medida que estas estirpes vão se desbotando e sendo substituídas por novas, sem verdadeira tradição, ele já não é mais o mesmo.

Este é um processo multissecular.

O Egito de hoje já não é o Egito de outrora, pois as estirpes não são as mesmas.

O que nasceu no feudalismo, tanto nas cidades como nos campos, foi um conjunto enorme de homens que formaram estirpes.

Este conjunto de estirpes, e de organizações com base em estirpes, é que propriamente constituiu a Idade Média.

O que ela teve de mais intrínseco e arraigado foi esta estrutura de estirpes, vivificada pelo espírito de família.

A Igreja ama e favorece as estirpes


Por que razão a Revolução detesta esta ordem de coisas? Porque é a menos igualitária delas.

Casamento, Giulio Rosati (1858–1917)
Casamento, Giulio Rosati (1858–1917)

A afirmação de que os homens não só são desiguais depois de nascidos, mas o são antes mesmo de nascerem, é abominável aos revolucionários.

Nesta concepção, via de regra o futuro do indivíduo está pré-estabelecido pelo aproveitamento que o seu livre arbítrio dará, conforme corresponda ou não à graça de Deus, às riquezas que a hereditariedade nele depositou.

Ainda que aproveite muito, não será mais do que aquelas riquezas o permitirem.

E elas são muito desiguais.

Chegamos assim a uma desigualdade hereditária, que é o contrário do que a Revolução Francesa afirmara.

Ela quis fazer crer a igualdade de todos os homens.

Tolerou, por não ter outra solução, a desigualdade baseada no mérito.

Mas esta tradição, resultado de um conjunto de méritos passados, que dá ao homem uma formidável vantagem sobre os demais, este elemento de desigualdade, jamais ela toleraria.

A desigualdade fundamental que afirmamos está necessariamente ligada às estirpes e à organização da família.

A estirpe é contrarrevolucionária ainda por outro aspecto.

Tomemos como exemplo algum clube: o Harmonia, em São Paulo, um clube grã-fino.

Brinde de muitas gerações em família, P.S. Krøyer, 1888
Brinde de muitas gerações em família, P.S. Krøyer, 1888
É puramente artificial, meramente convencional.

Poderia chamar-se Lírio Azul, ter sua sede num bairro proletário e constar de outros sócios.

A estirpe, não: é como deve ser, e não pode deixar de ser daquele modo.

Ela constitui uma espécie de personalidade coletiva de cada um.

Cada qual será ele mesmo na medida em que estiver integrado em sua estirpe, e desenvolver as qualidades próprias a ela; não poderá ser outra coisa, não poderá querer para si algo que era próprio dos príncipes Condés.

Cada qual só conseguirá ser o que é, da melhor forma que puder.

Se esta personalidade coletiva se romper ou truncar, é sua própria personalidade que ficará ferida.

Cada homem não pode deixar de fazer parte da sua estirpe.

Se esta sofrer algum detrimento, é ele que sofrerá.

A sua mentalidade é um fragmento dela.

O natural da pessoa é estar integrada num todo com o qual tenha conaturalidade.

As estirpes e o Estado


Se houver uma família com caracteres bem definidos, espraiando-se numa parentela muito remota, mas muito unida, em que todos tenham a sensação viva de serem membros da mesma família, cada membro será amparado por um grupo social independente do Estado.

A família é uma potência, um todo, move-se independentemente do Estado, constitui uma célula com a qual o Estado tem que contar.

Seus membros não dependem de Institutos de Previdência; se empobrecerem, a família os ajudará.

Os parentes constituem o meio de suas relações, que lhes asseguram uma posição social, independente da maneira de se trajarem, etc.

Com instituições desta natureza o Estado pouco pode.

Se alguém nasceu em determinada estirpe, o Estado não a pode promover muito além disso.

Alegoria do bom governo, Ambrogio Lorenzetti (1290 - 1348), Prefeitura de Siena
Alegoria do bom governo, Ambrogio Lorenzetti (1290 - 1348), Prefeitura de Siena
Uma estirpe definida é o fator da própria independência do indivíduo, cria uma barreira contra arbitrariedades do Estado.

Numa sociedade repleta de estirpes há grupos sociais muito importantes, que o Estado deve a todo momento tomar em consideração.

Uma sociedade sem estirpes, onde só há parentescos vagos e as famílias se desbotam, é a sociedade de hoje.

Na organização feudal e medieval a matéria-prima são as estirpes.

São um, dois, dez séculos de continuidade histórica realizada por essas estirpes.

É preciso notar que os historiadores são concordes em afirmar a existência de obras que precisam ser levadas a cabo por várias gerações: a fundação de certos países, o desenvolvimento de certa política, a criação de certas fontes de prosperidade.

A instituição que, de direito natural, assegura a realização da obra histórica através das gerações, é a família.

A estirpe faz com que, ao longo das gerações, uma dinastia realize uma obra: uma família de sineiros aperfeiçoe certo tipo de sinos, uma de viticultores chegue a produzir um vinho excelente, ou uma de professores apure um sistema didático incomparável.

São obras de gerações, e são as obras mais profundas da História.

De direito natural, devem ser desenvolvidas por estirpes.



GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 19 de outubro de 2025

No feudalismo as famílias florescem e saem do caos

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Eis a verdadeira história do feudalismo.

Funck-Brentano tem razão ao demonstrar que o feudalismo nasceu dos fatos tratados nos post anteriores. Cfr. A família organizou a vida social e os países ; As estirpes ordenaram os homens que fugiam do caos

Mas há uma série de outros que ele não cita, e que o prepararam.

Vejamos contudo, sumariamente, alguns deles.

Entre os sucessores de Carlos Magno, ficou assentado que os cargos seriam vitalícios e hereditários; isto era já um princípio de feudalismo.

Mesmo no tempo de Carlos Magno ele já nomeava condes, que eram os grandes proprietários de determinada região.

Vê-se que ele já tinha o intuito de apoiar a administração central sobre os valores locais autênticos.

domingo, 12 de outubro de 2025

Por que os filhos parecem com os pais
As forças misteriosas da hereditariedade

No ambiente familiar se transmite um espírfito único de geração em geração, Hugo Engl (1852 - 1926). Wikimedia Commons
No ambiente familiar se transmite um espírito único de geração em geração,
Hugo Engl (1852 - 1926). Wikimedia Commons
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Num discurso à nobreza romana, Pio XII fala das forças misteriosas da hereditariedade.

São misteriosas, de fato, pois que até hoje os biologistas não conseguiram definir satisfatoriamente as regras que presidem a hereditariedade.

Mas ela é um fato, e muito importante, constatado sob mil aspectos diversos.

Cada homem traz dentro de si várias hereditariedades.

Somos a resultante biológica de um sem número de correntes de vida, que vieram ter em nós o seu ponto de encontro.

Assim como numa lagoa existem águas de diversos rios que nela desembocam, assim existem em nós essas hereditariedades.

Somos recipientes em que várias correntes do passado se fundem.

O pintor John Singleton Copley e três gerações de sua família (1738 – 1815)
O pintor John Singleton Copley e três gerações de sua família (1738 – 1815)
A hereditariedade física, em primeiro lugar, que se atesta pela semelhança dos traços, pela transmissão da saúde e dos defeitos, da beleza e da feiúra, da graça ou do emburramento, da elegância ou do desengonçamento.

Tudo são hereditariedades.

Conhecemos certas famílias que timbram pelo bom gosto no trajar-se; outras, pelo mau gosto.

Um exemplo bem descrito é a família Guermantes-Courvoisier, de Marcel Proust, que estava sempre na penúltima moda.

Tudo isto, embora muito relacionado com a hereditariedade física, o está ainda mais com a mental.

Deus cria as almas para os corpos, e cada uma é criada com adequação para um determinado corpo.

Assim, havendo hereditariedade física, Deus a respeita, criando almas hereditariamente semelhantes aos corpos que irão nascer.

Se bem que a alma não seja transmitida dos pais para os filhos, mas infundida por Deus, há uma continuidade na sua obra.

Pode-se atestar numa família uma série de disposições de alma, puramente espirituais, mas também ligadas a este fenômeno da hereditariedade.

Temos então uma realidade que na família atravessa gerações: a transmissão de um conjunto de predicados físicos e morais.

Essa transmissão é o primeiro núcleo daquilo que se chama tradição.

Tradere significa entregar; é o que se transmite, o que se entrega.

O espírito familiar nasce naturamente em qualquer parfte onde há família, como esta indo a Missa em algum lugar da antiga Rússia. Sergei Ivanov (1864-1910) Wikimedia
O espírito familiar nasce naturalmente onde há família,
como esta indo a Missa em algum lugar da antiga Rússia.
Sergei Ivanov (1864-1910) Wikimedia
O primeiro dado da tradição é a transmissão de caracteres físicos e morais.

A hereditariedade e o ambiente

Esta transmissão de caracteres físicos e morais é acentuada pelo ambiente.

Suponhamos que eu, comentou o Dr. Plinio Correa de Oliveira, que tenho uma inclinação natural para a advocacia, tendo nascido numa família de advogados, fosse transplantado artificialmente para uma de financeiros, que entende de preço de sapatos, qualidade de graxas, alta dos couros, etc.

Eu teria me tornado um ser meio engarrafado, porque as aptidões naturais que em mim jazem em estado germinativo teriam ficado sem a possibilidade de se expandir.

No momento em que eu quisesse fazer um rodeio de frases bem feito, uma argumentação sutil, não encontraria nas graxas e nos sapatos matéria para tal.

Eu precisaria conversar e interessar-me pelas graxas, ficando meio contaminado pela sua sujeira.

O resultado é que eu poderia talvez até dar um bom comerciante de graxas, mas haveria algo de irremediavelmente trincado em minha pessoa.

As forças profundas de minha hereditariedade pediam que eu fosse advogado, intelectual, mas as circunstâncias da vida teriam esmagado este apelo do meu ser, e me imposto uma personalidade artificial.

As famílias dotadas para governar bem são essenciais para um bom governo. O rei Luis XIV e familia. Atribuido a Nicolas de Largillière  (1656 – 1746),  Wallace collection
As famílias dotadas para governar bem são essenciais para um bom governo.
O rei Luis XIV e familia. Atribuido a Nicolas de Largillière  (1656 – 1746),  Wallace collection

Como, pelo contrário, fui educado numa família de advogados, os meus pendores naturais tiveram expansão, e pude realizar-me.

Tudo o que em mim havia em estado germinativo desabrochou, floresceu, e realizou o pouco que podia realizar.

Num ambiente de família onde existe hereditariedade de alma, de corpo e de atmosfera moral, encontramos todo um ambiente espiritual que acentua o efeito da hereditariedade, obrigando a pessoa a dar absolutamente tudo quanto tem.

Mas a hereditariedade é uma força cheia de mistérios.

Tem exceções, é próprio dela ter exceções, às vezes até gloriosas.

Há homens que brilhantemente rompem a crosta das disposições familiares, para virem a ser algo muito mais alto.

Mas a regra geral permanece intacta.



 Continua no próximo post: A tradição familiar, as estirpes e o governo do Estado




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 5 de outubro de 2025

Do abismo do caos saiu o inimaginável:
a grande ordem medieval

A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A Idade Média, tal como se apresentava no seu ponto de partida, corria o risco de nunca conhecer senão o caos e a decomposição.

Nasceu de um império desmoronado e de vagas de invasões sucessivas, formada por povos desarmônicos que tinham cada um os seus usos, seus quadros e sua ordem social diferentes, quando não opostos.

Quase todos esses povos bárbaros tinham um sentido muito vivo das castas, da sua superioridade de vencedores.

De ali só poderia sair o mais inconcebível esboroamento, e de fato o apresentou no início.

Contudo, verificamos que nos séculos XII e XIII essa Europa tão dividida, tão perturbada por ocasião do seu nascimento, atravessa uma era de harmonia e de união tal como nunca conhecera.

E talvez não conhecerá mais no decorrer dos séculos.

Ds bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos, só podia resultar o desabamento geral
Dos bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos,
só podia resultar o desabamento geral
Por ocasião da primeira cruzada, vemos príncipes sacrificarem os seus bens e os seus interesses, esquecer as suas querelas para tomarem juntamente a Cruz.

Os povos mais diferentes reuniram-se num único exército.

A Europa inteira estremeceu à palavra de um Urbano II, de um Pedro, o Eremita, mais tarde de um São Bernardo ou de um Foulques de Neuilly.

Vemos monarcas, preferindo a arbitragem à guerra, submeter-se ao julgamento do Papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões.

Fato ainda mais notável, encontramo-nos perante uma Europa organizada.

Ela não é um império, não é uma federação — é a Cristandade.

É preciso reconhecer aqui o papel representado pela Igreja e pelo papado na ordem europeia.

Foram, com efeito, fatores essenciais de unidade.

A diocese, a paróquia, confundindo-se frequentemente com o domínio, foram durante o período de decomposição da Alta Idade Média as células vivas a partir das quais se reconstituiu a nação.

As grandes datas que para sempre marcariam a Europa são as da conversão de Clóvis, assegurando no mundo ocidental a vitória da hierarquia e da doutrina católicas sobre a heresia ariana.

E a coroação de Carlos Magno pelo Papa Estêvão II, que consagra o duplo poder espiritual e temporal, cuja união formará a base da cristandade medieval.

É preciso ter em conta, de uma maneira mais geral, a influência do dogma católico que ensina que todos os filhos da Igreja são membros de um mesmo corpo, como o lembram os versos de Rutebeuf:

Tous sont un corps en Jésus-Christ,

Dont je vous montre par l’écrit

Que li uns est membre de l’autre.


Todos somos um só corpo em Jesus Cristo,

E assim eu vos mostro, pelo que está afirmado,

Que nós somos membros d’Ele.

Busto-relicário de Carlos Magno. Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
Busto-relicário de Carlos Magno.
Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
A unidade de doutrina, vivamente sentida na época, jogava a favor da união dos povos.

Carlos Magno compreendera-o tão bem que, para conquistar a Saxônia, enviava missionários de preferência a exércitos, e o fazia por convicção, não por simples ambição.

A história repetiu-se no Império Germânico com a dinastia dos Otões.

A Cristandade pode definir-se praticamente como a “universidade” dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual.

Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem europeia assaz desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa contudo quando a examinamos no seu conjunto.

A paz na Idade Média foi muito precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, “a tranquilidade da ordem”.




(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 28 de setembro de 2025

O rei medieval: mais pai de família que governante moderno

São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
Grandes Chroniques de France. Bibliotèque Nationale, Paris
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Se a sociedade medieval funcionava com um organismo regido por uma vida própria, com uma extraordinária variedade de usos e costumes e uma estonteante autonomia nas leis e normas a todos os níveis, então como se podia exercer a autoridade real sobre um corpo que como que não precisava de cabeça?

O teólogo Henri de Gand vê na pessoa do rei um chefe de família, defensor dos interesses de todos e de cada um.

Tal parece ser bem a natureza da monarquia medieval.

O rei, colocado no topo da hierarquia feudal tal como o senhor na direção do domínio e o pai na chefia da família, é simultaneamente um administrador e um justiceiro.

É o que simbolizam os seus dois atributos — o cetro e a mão da justiça.

Como administrador, o rei tem em primeiro lugar ocasião de exercer o poder diretamente sobre o seu próprio domínio.


Conhece por experiência própria os detalhes administrativos de um feudo e sabe o que pode exigir dos seus vassalos, tendo nesse feudo os mesmos direitos e os mesmos deveres que eles.

Em diversas ocasiões, isto foi importante para o conjunto do reino.

Ora mais ora menos, um vassalo é tentado a imitar o suserano, daí o poder real ter podido dar aos barões exemplos salutares.

As reformas que ele introduzia no seu domínio, mas que não tinha o direito de impor aos outros, difundiam-se muitas vezes ao conjunto do país, como foi o caso da liberdade geral para os servos do domínio, no início do século XIV.

Isto provocava uma emulação benfazeja, da qual a própria realeza por vezes se beneficiava.

Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália
Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor 
que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália
Assim, os grandes vassalos tinham o direito de cunhar moeda, mas o rei, velando por que a sua fosse sempre a mais sã e a mais justa, acabou por levar toda a França a preferi-la às outras.

Não se deve, aliás, dar crédito à lenda dos reis falsos moedeiros, que só pode ser confirmada no caso de Filipe, o Belo, e para as épocas das grandes misérias públicas da Guerra dos Cem Anos.

Sobre os domínios senhoriais, o rei possui apenas um poder indireto.

Os barões que dependem imediatamente dele são pouco numerosos, mas todos podem apelar ao rei a propósito do seu suserano, e as ordens que ele dá transmitem-se por uma série de intermediários em todo o reino.

O direito que ele exerce é essencialmente um direito de controle: velar por que tudo o que está prescrito pelo costume seja normalmente executado, manter a “tranquilidade da ordem”.

A esse título ele é o árbitro designado para apaziguar as querelas entre vassalos.

O rei não tinha poder algum sobre a família. Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real
O rei não tinha poder sobre a família nem sobre seus membros.
Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real.
Pela razão que todos querem saber da família real inglesa atual.
Belo exemplo é a resposta de São Luís aos que lhe sugeriam, segundo o Dit d’Amiens, que seria melhor deixar os barões baterem-se entre si, com o que se enfraqueceriam a si próprios:

“Se eu os deixasse guerrear, poderiam estabelecer acordo entre si e dizer que o rei só os deixa guerrear devido à sua malícia.

“E poderia acontecer que se voltassem contra mim, pelo ódio que me teriam, portanto seria eu a perder; sem contar que eu conquistaria o ódio de Deus, que considera benditos os apaziguadores”.


Esse poder poderia permanecer completamente platônico, já que durante a maior parte da Idade Média o rei de França, com o seu exíguo domínio, dispõe de recursos inferiores aos dos grandes vassalos.

Mas o prestígio que lhe confere a unção,* além do elevado comportamento moral da linhagem capetiana, revelam-se singularmente eficazes contra os senhores mais turbulentos.

* - A unção, feita pelo arcebispo de Reims com o óleo da Santa Âmbula aí conservada, consagra a pessoa real. Os primeiros capetianos, para assegurarem a sua sucessão, tomavam o cuidado de mandar ungir os filhos enquanto ainda estavam vivos.

Prova-o suficientemente o exemplo do rei da Inglaterra, declarando que não pode fazer cerco ao local onde se encontra o seu suserano; e também o deste mesmo rei, recorrendo à arbitragem real para regular os seus próprios diferendos com os barões.

(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS