domingo, 17 de novembro de 2024

Relações familiares entre patrões e empregados no trabalho

Mestre açougueiro e aprendiz
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Durante toda a Idade Média, no início as oportunidades são as mesmas para todos, e o aprendiz só não se torna mestre por falta de jeito ou indolência.

O aprendiz liga-se a seu mestre por um contrato de aprendizagem — sempre esse laço pessoal, caro à Idade Média — comportando obrigações a ambas as partes: para o mestre, a de formar seu aluno no ofício, e seu sustento durante esse tempo; para o aprendiz, obediência a seu mestre e dedicação ao trabalho.

Transpôs-se assim ao artesanato a dupla noção de “fidelidade-proteção”, que une o senhor a seu vassalo.

Mas como aqui uma das partes contratantes é uma criança de 12 a 14 anos, todos os cuidados são tendentes a reforçar sua proteção.

Deste modo, por um lado manifesta-se maior indulgência para com suas faltas, estorvamentos e até vagabundagens; por outro, delimitam-se severamente os deveres do mestre: ele não pode ter mais que um aprendiz por vez, para que seu ensino seja frutuoso; não pode explorar seus alunos, descarregando sobre eles uma parte de seu trabalho.

Mestre padeiro e aprendiz
O aprendiz só poderá exercer a profissão como mestre depois de exercer a maestria por um ano, para que se tenha certeza de suas qualidades técnicas e morais.

“Ninguém deve ter aprendiz se não for tão sábio e tão rico que o possa ensinar, governar e sustentar, e isso deve ser conhecido pelos homens que protegem o ofício” — dizem os regulamentos.

Eles fixam também quanto o mestre deve despender diariamente com a alimentação e manutenção do aluno.

Os mestres são ainda submetidos a um direito de visita, exercido pelos jurados da corporação, que vem a domicílio examinar como o aprendiz é alimentado, ensinado e tratado.

O mestre tem para com ele os deveres e obrigações de um pai. Entre outras coisas, deve velar por sua conduta moral.

O aprendiz lhe deve respeito e obediência, apesar de conservar uma certa independência.

No caso de ele abandonar a casa de seu mestre, este deve esperar um ano antes de tomar outro, e durante esse período é obrigado a recebê-lo, se voltar.

Todas as garantias do lado mais fraco, e não do mais forte.

O tempo do aprendizado varia segundo as profissões. Em geral é de 3 a 5 anos.

No final o aluno põe à prova suas habilidades perante os jurados de sua corporação.

Essa é a origem da obra-prima, cujas condições se irão complicando com o correr dos séculos.

Armeiros
Ele deve pagar uma taxa, aliás mínima, que corresponde à sua quota da corporação.

Em alguns ofícios em que o comerciante deve provar sua solvabilidade, exige-se uma caução.

Foram estas as condições da maestria na Idade Média.

A partir do século XIV elas haviam sido independentes, mas a partir de então começam a se ligar ao poder central.

O acesso à maestria vai sendo dificultado pouco a pouco.

Por exemplo, tornou-se então obrigatório em quase todas as corporações um estágio intermediário de 3 anos, como companheiro; o postulante devia desembolsar o que se chamou “compra do ofício”, variando de 5 a 20 soldos.




(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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domingo, 10 de novembro de 2024

Relações patrão-empregado eram de pai para filho

Mestre e aprendiz fabricando tonéis, catedral de Bourges
Mestre e aprendiz fabricando tonéis. Vitral da catedral de Bourges.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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“Todos os membros de um mesmo ofício fazem parte da mesma corporação (antepasado nobre e remoto dos atual sindicato), mas nela não desempenham o mesmo papel.

“A hierarquia vai dos aprendizes aos mestres-jurados, formando o conselho superior da corporação.

“Durante toda a Idade Média, no início as oportunidades são as mesmas para todos, e o aprendiz só não se torna mestre por falta de jeito ou indolência.

“O aprendiz liga-se a seu mestre por um contrato de aprendizagem — sempre esse laço pessoal, caro à Idade Média — comportando obrigações a ambas as partes: para o mestre, a de formar seu aluno no ofício, e seu sustento durante esse tempo; para o aprendiz, obediência a seu mestre e dedicação ao trabalho.

Transpôs-se assim ao artesanato a dupla noção de “fidelidade-proteção”, que une o senhor a seu vassalo.

“Mas como aqui uma das partes contratantes é uma criança de 12 a 14 anos, todos os cuidados são tendentes a reforçar sua proteção.

“Deste modo, por um lado manifesta-se maior indulgência para com suas faltas, estorvamentos e até vagabundagens; por outro, delimitam-se severamente os deveres do mestre: ele não pode ter mais que um aprendiz por vez, para que seu ensino seja frutuoso; não pode explorar seus alunos, descarregando sobre eles uma parte de seu trabalho.

Marceneiros, catedral de Chartres
Marceneiros. Vitral da catedral de Chartres
“O aprendiz só poderá exercer a profissão como mestre depois de exercer a maestria por um ano, para que se tenha certeza de suas qualidades técnicas e morais.

“Ninguém deve ter aprendiz se não for tão sábio e tão rico que o possa ensinar, governar e sustentar, e isso deve ser conhecido pelos homens que protegem o ofício” — dizem os regulamentos.

“Eles fixam também quanto o mestre deve despender diariamente com a alimentação e manutenção do aluno.

“Os mestres são ainda submetidos a um direito de visita, exercido pelos jurados da corporação, que vem a domicílio examinar como o aprendiz é alimentado, ensinado e tratado.

O mestre tem para com ele os deveres e obrigações de um pai. Entre outras coisas, deve velar por sua conduta moral.

“O aprendiz lhe deve respeito e obediência, apesar de conservar uma certa independência.

“No caso de ele abandonar a casa de seu mestre, este deve esperar um ano antes de tomar outro, e durante esse período é obrigado a recebê-lo, se voltar.

“Todas as garantias do lado mais fraco, e não do mais forte.


Mestre oferece vinho a cliente e aprendiz segura a cabeça, catedral de Chartres
O mestre oferece vinho a um cliente enquanto o aprendiz segura a cabeça.
Vitral da catedral de Chartres
“O tempo do aprendizado varia segundo as profissões. Em geral é de 3 a 5 anos. No final o aluno põe à prova suas habilidades perante os jurados de sua corporação.

“Essa é a origem da obra-prima, cujas condições se irão complicando com o correr dos séculos.

“Ele deve pagar uma taxa, aliás mínima, que corresponde à sua quota da corporação. Em alguns ofícios em que o comerciante deve provar sua solvabilidade, exige-se uma caução.

“Foram estas as condições da maestria na Idade Média”.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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domingo, 3 de novembro de 2024

Covadonga: o milagre que parou a invasão muçulmana

Gruta de Covadonga: local do milagre
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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No ano 722, em Covadonga começou a reconquista da Espanha invadida pelos árabes muçulmanos.

Foi ali que, segundo as crônicas, Pelayo (primeiro rei das Astúrias), derrotou aos seguidores de Maomé, com o auxílio miraculoso de Nossa Senhora.

Aquela vitória milagrosa deu início a 800 anos de Cruzada nos quais se constituiu a Espanha católica.

Cangas de Onís foi a capital do novo Reino de Astúrias até o ano 774.

Nela se estabeleceu o rei Don Pelayo, e desde ela empreendeu com seus homens diversas campanhas no norte da Espanha.

Cangas de Onís ficou com seu heroico rei como único foco de resistência ao expansionismo muçulmano até então invicto.

Don Pelayo
Do antigo e decadente reino visigodo cristão tudo tinha desaparecido.

Só ficou Don Pelayo, um punhado de valentes e, o mais valioso de tudo, o impulso vencedor da Cruz e de Nossa Senhora de Covadonga.

Na batalha de Covadonga, Don Pelayo portava uma Cruz com a inscrição em latim:

 “HOC SIGNO TVETVR PIVS. HOC SIGNO VINCITVR INMICVS”

Quer dizer: “Com este signo o piedoso é protegido. Com este signo o inimigo é vencido”.

Hoje é o símbolo de Astúrias.

Junto à gruta da vitória milagrosa e sobre um pequeno morro surge hoje o Santuário de Covadonga.

Ele foi construído com a pedra avermelhada da região que se destaca entre o verde das pradarias e das florestas.

Na manhã cedinho, quando a névoa envolve o vale, é fácil ver o Santuário emergindo na solidão como se estivesse pairando no ar.

Etimologicamente Covadonga significa Cova da Senhora e está unida indissoluvelmente ao nascimento da nacionalidade hispânica.



Nossa Senhora de Covadonga, a "Santina"
Nossa Senhora de Covadonga, a “Santina”

Bendita seja a Rainha da nossa montanha, cujo trono é o berço da Espanha.

Causa da nossa alegria, vida e esperança nossa, abençoa nossa Pátria e mostra que teus filhos, teus são.

Don Pelayo, o vencedor dos muçulmanos em Covadonga, hoje é considerado na Espanha “o símbolo de uma sociedade, que após ter caído, luta para reconquistar a liberdade, é o modelo para nós reconquistarmos uma sociedade invadida por outros bárbaros”.


Vídeo: Covadonga: o milagre que parou a invasão muçulmana

domingo, 27 de outubro de 2024

São Teodorico de Cumbria,
outro rei-monge falecido em combate

Castelo de Sizergh no antigo território do reino de Cumbria.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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continuação do post anterior: Reis monges à frente de exércitos: São Sigiberto, rei da Inglaterra

“Os bretões também tiveram em Teodorico um rei soldado e monge, valente soberano cambriano, invencível em todos os combates. Depois abdicou seu trono para se preparar para a morte pela penitência, e escondeu-se numa ilha.

“Mas no governo de seu filho, os saxões do Wessex atravessaram a Savernia, região que lhes servia de limite.

“Aos gritos de seu povo, o generoso velho deixou a solidão onde vivia há dez anos e conduziu de novo os cristãos da Cumbria em luta contra os pagãos saxões. Uma vitória estrondosa foi o preço de seu generoso devotamento.

“A vista do velho rei coberto com sua armadura, montado em seu cavalo de guerra, o pânico apoderou-se dos saxões há muito habituados a fugir dele.

“Mas, em meio à fuga, um bárbaro inimigo voltou-se bruscamente e feriu o rei mortalmente. Assim ele pereceu no meio da vitória”.

(Autor: Charles Forbes René, conde de Montalembert, “Les Moines d'Occident”, Ed.Lecoffre, 1867, 505 páginas, 4 vol.).

Comentários do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

Montalembert apresenta o exemplo de um outro rei também santo que se tornou monge. Esse rei de outra parte da Inglaterra teve um destino diferente.

Ele quis ser monge, mas foi procurado pelos seus para os defender.

Bastou ele aparecer todo revestido de sua armadura à frente dos combatentes, que os adversários já começaram a fugir. Ele obteve uma vitória estrondosa.

Os senhores vejam que bonita figura a desse monge armado dos pés à cabeça, brandindo sua espada e na frente dos seus guerreiros, partindo para a carga de cavalaria, ele, o monge, e o terror de todo mundo.

O! voltou o rei, o rei fatal, o rei invencível, o rei coberto de glória surgiu.

Catedral de Carlisle, construída séculos depois,
nas terras do antigo reino de Cumbria, na Inglaterra.
É ele que ordena o ataque de cavalaria e dizima todos. Ele morre como morreram tantos heróis medievais num crepúsculo de vitória.

Ele ganhou, mas enquanto o adversário dava os últimos golpes para se defender, ele foi atingido.

Ele morreu e o sangue dele derramado no campo de batalha coroou bem a sua dupla carreira de rei e de monge.

Dois exemplos que mostram o que deve ser um rei, um guerreiro e um monge. O rei perfeito, na observância de sua condição de rei deve tem muito de monge e de guerreiro.

Por outro lado, o monge deve ter algo de régio e algo de combatente na alma.

Também, o verdadeiro combatente lucra em ter algo de monge e algo de régio na alma.

Isso é tão diferente do monge sedentário, pacato, incapaz de luta, cuja figura, nos séculos de decadência, se fixou diante de olhos de muitos.

Exemplo de um monge que reuniu essas qualidades no século XIX foi o restaurador da ordem beneditina Dom Guéranger, abade de Solesmes.

É um olhar de fogo, porte de guerreiro, uma independência de rei. Nele as três condições se interpenetram e constituem um só todo.

O estado monacal é tão alto, que todo mundo que se eleva muito nas vias da espiritualidade católica, quando toca nesse alto, tende a ter algo de religioso. E quando não se fazem religiosos, entram para as Ordens Terceiras, que são uma participação do estado religioso.

Foi o caso, entre muitos outros, de São Luís IX rei de França e membro da Ordem Terceira de São Francisco.

Mas é próprio também ao estado religioso, que quando alguém entra nele, se sublime a si próprio, em vez de perder as qualidades que tinha.

Um artista, um pensador, um rei, um guerreiro que fica religioso, fica arqui-artista, arqui-pensador, arqui-guerreiro ou arqui-rei. A magnificência de tudo isso está no estado religioso.


(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 12.6.69. Sem revisão do autor)




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domingo, 20 de outubro de 2024

Reis monges à frente de exércitos:
São Sigiberto, rei de East Anglia, na Inglaterra

Reconstituição do elmo achado em Sutton Hoo
e atribuído a Rædwald rei de East Anglia,
pai de São Sigiberto.
Luis Dufaur
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O historiador Charles Forbes, conde de Montalembert (1810 – 1870) no livro “Les Moines d'Occident”(Ed. Lecoffre, 1867, 505 páginas, 4 vol.) descreve um aspecto inesperado da Idade Média: a vida de alguns reis que deixaram a coroa para se tornarem monges e que as circunstancias obrigaram a empunhar de novo a espada para defender seu povo :

“Dia veio em que Sigiberto, rei da Inglaterra, que era não só um grande cristão e um grande sábio de seu tempo, mas ainda um grande guerreiro, fatigado das lutas e desgostos do seu reino terrestre, declarou querer ocupar-se do reino do Céu e combater unicamente para o Rei Eterno.

“Ele cortou os cabelos e entrou como religioso no mosteiro que doara a um amigo irlandês.

“Deu assim o primeiro exemplo, entre os anglo-saxões, de um rei que abandonava a soberania e a vida secular para entrar no claustro e, como se verá, seu exemplo não foi estéril. Mas não lhe foi concedido, como ele esperava, morrer no claustro.

“O terrível Penda, flagelo da confederação anglo-saxônica, chefe infatigável dos pagãos, cobiçava seus vizinhos cristãos do leste e do norte.

“A testa de seus numerosos soldados, reforçados pelos implacáveis bretões, invadiu e saqueou a Inglaterra, tão encarniçadamente e com tanto sucesso quanto fizera com a Nortumbria.

“Os ingleses, abalados e muito inferiores em número, lembraram-se das proezas de seu antigo rei e foram tirar de sua cela Sigiberto, cuja coragem e experiência guerreira eram conhecidas dos soldados, e o colocaram à frente do exército.

“Ele bem quis resistir, mas foi preciso ceder às instâncias de seus antigos súditos. Mas para permanecer fiel à sua vocação, não quis armar-se com uma espada, mas com um bordão e foi com essa nova arma na mão que o rei monge pereceu à testa dos seus, sob o ferro do inimigo”.

(Fonte: Charles Forbes René, conde de Montalembert, “Les Moines d'Occident”, Ed. Lecoffre, 1867, 505 páginas, 4 vol.).

Catedral de Norwich erigida posteriormente no reino de East Anglia
que São Sigiberto salvou dos pagãos.
Comentários do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

Naquele tempo os homens usavam cabelo comprido e raspar o cabelo como os frades era símbolo de perder a liberdade e se pôr sob a obediência de um superior.

Os dois fatos acontecem na mais alta Idade Média, no tempo em que o território inglês e o germânico, estavam divididos em reinos que não tinham território inteiramente fixado.

Os pagãos viviam entre o nomadismo e o estado sedentário. Eram hordas de bárbaros que infestavam certas regiões.

Havia, naturalmente, guerra religiosa entre pagãos e cristãos. Essa guerra religiosa foi conduzida muitas vezes por reis santos.

Grã-Bretanha é dividida pelos montes. O sul é a Inglaterra. Nessa parte os anglos eram católicos e os bretões, cristãos decadentes aliaram-se com os saxões pagãos.

Esse grande rei exercera a profissão mais prestigiosa de seu tempo, que era ser combatente. O homem completo devia ser um combatente. Sigiberto foi rei que se assinalou na guerra ficando recoberto de prestígio e glória, mas ao cabo de seus dias resolveu consagrar-se exclusivamente à Igreja e se tornou monge.

Quando houve um ataque dos pagãos, ele foi procurado pelo povo para chefiar a luta porque ninguém era como ele. Ele voltou, mas não quis conduzir uma espada, porque como monge não lhe era próprio derramar sangue alheio.

O bastão era mais uma arma de defesa do que uma arma de ataque. Ele combateu valorosamente e morreu durante a luta defendendo seu povo ameaçado de ruína.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 12.6.69. Sem revisão do autor)

continua no próximo post: São Teodorico de Cumbria,outro rei-monge falecido em combate




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