domingo, 10 de maio de 2020

Tratado médico medieval inspira combate às epidemias

Atenção aos enfermos na Idade Média
Atendimento dos enfermos na Idade Média
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Os princípios gerais de combate às epidemias foram elaborados na Idade Média, como bem demonstra o Regimento de preservação da pestilência, do século XIV.

Ele compendia medidas, remédios e tratamentos para prevenir o contágio que estão sendo utilizados hoje na luta contra o coronavírus.

Esse tratado foi composto pelo mestre em Arts i Medicina Jaime d’Agramont, catedrático de Medicina da Universidade Estudi General de Lérida, em face da violenta epidemia chamada Peste Negra, lembrou o jornal “La Vanguardia”, reproduzido por “Clarín”.



Fac-símile Regiment de preservació de pestilència, Lleida, 1348. Jacme d'Agremont, Biblioteca Virtual Cervantes
Fac-símile Regiment de preservació de pestilència,
Lleida, 1348. Jacme d'Agremont, Biblioteca Virtual Cervantes
Na verdade, d’Agramont não excogitou sozinho o referido tratado, que é uma compilação de sábios conselhos elaborados por monges medievais para auxiliar os médicos e seus ajudantes.

A medicina sistematizada nasceu principalmente nas abadias medievais.

A própria instituição hospitalar era desconhecida na Antiguidade, até mesmo pelas civilizações pagãs mais requintadas.

Nelas, o doente ficava entregue a si mesmo, a curas caseiras e, para os mais ricos, havia o recurso a médicos que mais pareciam aprendizes e curandeiros supersticiosos.

O hospital como o conhecemos hoje nasceu em Jerusalém por obra dos cavaleiros hospitalares, mais conhecidos como Ordem de Malta, no auge das Cruzadas.

Copiando o modelo de Jerusalém, pulularam na Europa medieval os hospitais gratuitos.

Um peregrino alemão de nome Teodorico de Würzburg, que o conheceu, ficou maravilhado ao visitar um deles:

Hospital medieval
Hospital medieval
“Não podemos de maneira alguma fazer uma ideia do número de pessoas que ali se recuperam. Vimos um milhar de leitos. Nenhum rei ou tirano seria suficientemente poderoso para manter diariamente o grande número de pessoas alimentadas nessa casa”.

E era tudo gratuito!

Diante da epidemia surgida em outubro de 1347 na Catalunha, conhecida como Peste Negra, Jaime d’Agramont compreendeu ter chegado a hora de tomar medidas a fim de impedir a sua difusão.

Compôs então o seu tratado. Tal epidemia apareceu inicialmente no porto de Messina, quando uma frota de 12 galeras de Gênova ancorou ali, fugindo da invasão dos tártaros.

Os navegantes não sabiam, mas seus barcos foram os portadores do vírus que em apenas quatro anos fulminou a terça parte da população europeia.

A pandemia da Peste Negra foi definida pelo vocabulário médico da época como maxima pestis generalis.

Enterro de vítimas da peste negra em Tournai, Bélgica. Iluminura de 1353.
Enterro de vítimas da peste negra em Tournai, Bélgica.
Iluminura de 1353.
Em inícios de 1348 a peste negra avançou pela região francesa do Roussillon, dizimando cidades como Montpellier e Avignon.

Jaime d’Agramont sistematizou em seis meses o primeiro tratado conhecido para conter a epidemia.

Infelizmente há poucos dados biográficos do benemérito autor, mas “seu Régiment foi o primeiro a ser escrito com ânimo de utilidade pública e em função da peste negra”, defende o historiador da Medicina Dr. Francisco Cremades, da Universidade de Alicante.

O Prof. Cremades mostra que o coronavírus é combatido com as mesmas instruções deixadas por d’Agramont, como o confinamento, a desinfecção, a limpeza e ventilação de casas e ruas.

Procissão de flagelantes pedindo o fim da peste.
Procissão de flagelantes pedindo o fim da peste.
O manuscrito é datado de 24 de abril de 1348 e depois da Peste Negra permaneceu ignorado durante mais de cinco séculos, tendo sido recuperado e transcrito no século XX, em Lérida, no arquivo da paróquia de Santa Maria em Verdú.

O texto entusiasmou os descobridores, pois destacava a importância dos fatores psicológico-morais na cura das enfermidades, princípios esquecidos nos séculos posteriores de positivismo e materialismo.

D’Agramont, por exemplo, insistia na importância do bom ânimo do paciente para derrotar a doença, bem como o auxílio religioso — que hoje foi até banido dos grandes hospitais, em detrimento das pessoas doentes.





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