São Bento, Biblioteca Nacional de Budapest |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“Fuit vir...era uma vez um homem, Bento por graça e de nome, que desde os primeiros anos da sua infância mostrou sensatez de velho”.
Assim começa a “Vida e Milagres do Venerável Bento”, escrita pelo papa Gregório Magno em 593 ou 594, e a única fonte propriamente dita de que dispomos (para além da Regra), se quisermos saber algo da existência do patriarca dos monges do Ocidente, ou do pai da Europa.
Os santos eram assim: nasciam sábios e maduros, não brincavam, não eram irrequietos, não faziam as tropelias que todos os miúdos de todas as épocas fazem.
Gregório podia ter elaborado uma biografia bem mais completa, para nosso esclarecimento; não o fez porque o que lhe interessava era sim escrever uma hagiografia edificante para o povo de Deus.
Não sabemos quando morreu São Bento. Com toda a certeza após 547. Gregório conta que o velho monge viu a morte chegar: seis dias antes mandou que lhe abrissem a sepultura.
Quando sentiu o fim próximo, pediu aos companheiros para o levarem para o oratório: “e sustentando os membros debilitados nos braços dos seus discípulos, de pé, mãos erguidas para o céu, entre palavras de oração exalou o último suspiro.”
São Bento com sua Regra, afresco medieval |
No topo estava um personagem de aspecto venerável e cercado de luz, que lhes perguntou que caminho era aquele. Responderam que não sabiam.
Então ele disse-lhes: Este é o caminho pelo qual sobe ao céu Bento, amado do Senhor.
Quando, na segunda metade do século VI, o Ocidente sucumbia sob a anarquia política, a regressão da cultura erudita, o desaparecimento de formas mais complexas de governo, só uma entidade estava em condições de liderar a reorganização política e moral: a Igreja, que contava nas suas fileiras com os homens mais sábios e com as instituições mais fortes da época.
Separada de Roma, pela primeira vez sozinha a contas com o seu destino, a igreja amadureceu rapidamente. E apoiou-se em dois pilares: o papado e os monges.
Quando dizemos o papado estamos a falar de Gregório Magno, quando dizemos os monges estamos a pensar em São Bento de Núrcia. Foi com eles que a igreja pôde exercer uma indiscutível liderança da Europa ocidental.
Os mosteiros tinham escolas, nas quais aprenderam a ler e a escrever quase todos aqueles que, antes do século XII, sabiam fazê-lo; e tinham scriptoria, nos quais se copiaram alguns dos mais preciosos monumentos do pensamento clássico.
À frente do mosteiro, o abade dirigia uma verdadeira multidão de camponeses dependentes. Um senhor, portanto. Mas um senhor que foi quase sempre um administrador mais eficaz dos seus domínios do que os seus correspondentes laicos; e que foi, muitas vezes, um pioneiro nos métodos de cultivo.
Quatro séculos após a morte de São Bento, os seus monges eram os melhores agricultores da Europa ocidental.
Monjas beneditinas vivem hoje Regra medieval |
O essencial dos mosteiros beneditinos era a procura de uma ligação íntima com Deus.
O mundo à volta do mosteiro pressionava a todo o tempo os monges para que eles, com as suas orações e missas, obtivessem para senhores, cavaleiros ou homens mais humildes, a salvação que a vida que haviam levado pressagiava duvidosa.
Por exigência da sociedade laica, o tempo dos monges passou a estar ocupado quase em permanência com a oração.
No templo multiplicaram-se as capelas; os oficiantes revezavam-se, faziam turnos.
Nas grandes abadias do Ocidente – em Saint Gall ou no Monte de Saint Michel – rezava-se noite e dia.
Os seus monges iriam ser braços direitos de reis e príncipes, ou poderosos senhores locais com competências políticas e judiciais sobre populações dependentes.
Mas foi isso mesmo que aconteceu e, perdoe-se o determinismo do raciocínio, nem poderia ter sido de outra maneira. Estes monges tinham uma série de capacidades e talentos que faziam imensa falta aos reis da Alta Idade Média – e que quase mais ninguém tinha (à exceção de alguns bispos).
Podiam servir como escrivães, como professores, como chanceleres, como conselheiros...e assim foram utilizados em todas as monarquias do ocidente.
É José Mattoso quem melhor explica o importante papel social desempenhado pelos monges a diminuir antagonismos, a pacificar estratos mais belicistas, a ajudar a integrar minorias desenraizadas, a reafetar ao usufruto dos mais pobres terras que estes haviam perdido.
Continua no próximo post: O projeto monástico de São Bento e o nascimento da cultura e da civilização
3 comentários:
Por favor, tenho grande interesse na continuação deste artigo. Por isso vos peço informar-me quando da publicação do mesmo.
Agradecido
Dom Mauro Maia Fragoso OSB
Rio de Janeiro - Brasil
Email maurofragoso@gmail.com
Prezado D. Mauro,
a continuação, dividida em mais quatro posts, irá saindo todo domingo (desconsiderando o domingo de Carnaval). Se o Sr. tiver assinado nosso blog, que é gratuito, irá recebendo todas as segundas-feiras até completar.
Temos publicado outras matérias sobre São Bento. Pode se usar estes links: https://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/search/label/S%C3%A3o%20Bento
E só sobre Cluny: http://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/p/a-cavalaria-medieval.html
Atenciosamente,
Parabéns !
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.