Monges preparando o famoso Bénédictine |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Continuação do post anterior: O projeto monástico de São Bento e nascimento da cultura e da civilização
Todos os álcoois e licores franceses, dizem os especialistas, passaram por um período monástico; do mesmo modo, os mosteiros tiveram um papel decisivo na história dos queijos.
Acompanhemos Léo Moulin numa longa citação:
“Os monges eram os únicos a ter reservas de vinho, de fruta, de cereal; os meios financeiros e tecnológicos para os tratar; a inteligência e o espírito de observação, unidos ao espírito de invenção, para o fazer; as capacidades para deixar envelhecer o produto...
“Grande viajante, o meio monástico presta-se naturalmente à transmissão de técnicas, de 'segredos', de habilidades. Para ele não existe o risco de se extinguir a linhagem, como acontecia a tantas famílias nestes séculos mortíferos da Idade Média.
“Pode acumular reservas: a sua arte de cultivar as terras e a abstinência dos monges permitem-lho. Não comercializa nada, pelo menos no princípio.
A contemplação do sublime inspirou a produção de requintes
“Que fazer desta cevada, senão cerveja? E destas uvas, senão vinho? E destas maçãs, senão cidra?
“E deste mel, senão hidromel? Que fazer finalmente deste leite, que se tem em abundância, senão queijo?”.
Uma pesquisa sobre as rações alimentares dos monges deu resultados surpreendentes.
Em Corbie, em Saint-Germain-des-Prés e em Saint-Denis, cada irmão recebia diariamente 1,700 kg de pão, 1,5 litros de vinho (duas garrafas das nossas) ou de cerveja (cinco latas), cerca de 100 gramas de queijo, 230 gramas de legumes secos (favas ou lentilhas), 25 gramas de sal, um grama de mel e 30 gramas de gordura animal.
Os cartuxos seguiram o exemplo dos beneditinos: fábrica de Chartreuse |
Em comparação, os leigos que trabalhavam para o mosteiro de Corbie recebiam menos pão (1,300 kg) mas bebiam 1,45 litros de vinho e 2,3 litros de cerveja.
Ao contrário dos monges, recebem ainda mais de 100 gramas de toucinho e 218 gramas de carne de porco salgada. A que se juntam 400 gramas de legumes secos, para puré de legumes e 138 gramas de queijo.
Tinham ainda 654 gramas de azeite e 327 gramas de um condimento salgado à base de peixe, 27 gramas de pimenta, 54 gramas de cominhos, sal e vinagre à discrição.
Quer dizer, os leigos que trabalham para Corbie recebem mais comida do que os monges. Eis uma conclusão que desafia frontalmente as ideias feitas sobre o assunto.
São rações enormes. Tudo gira em torno do pão; o que se come com o pão é o companaticum; daqui tiramos nós a palavra companheiro, etimologicamente aquele com quem se partilha o pão.
São Bento entrega a Regra a seus discípulos |
Por isso, para ajudar a engolir aquelas massas enormes de pão e de legumes secos, era preciso afogar tudo em quantidades torrenciais de vinho e de cerveja.
Contra a ideia tradicional de uma Idade Média esfomeada, Michel Rouche apresenta-nos os comensais carolíngios a empanturrarem-se de comida.
Alguns exemplos de grandes celebrações em mosteiros franceses sugerem-nos consumos de quatro ovos e de mais de um frango por cabeça, o todo bem cozinhado na gordura de três porcos (e a somar-se às refeições regulares).
Quer dizer que não houve fomes no Ocidente medieval? Claro que houve, bastantes e duras.
São Bento preside uma refeição dos monges |
E prevê o cuidado com os doentes. Estes são agrupados num local específico do mosteiro, na enfermaria, afastados do quadrilátero do claustro.
Têm a sua própria alimentação, o seu horário, as suas salas, os seus regulamentos, o seu quotidiano.
Podemos dizer que é assim que nasce e se aperfeiçoa o espaço hospitalar ocidental (protótipo do hospital urbano, ao lado da cidade), num local próprio, com o seu dia-a-dia específico inspirado pelo quotidiano monástico medieval.
E não esqueçamos que a hospitalitas monástica tem dois filhos: o hospital, como acabámos de ver, mas também o hotel.
Continua no próximo post: Desenvolvimento medieval guiado pela sabedoria monacal
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.