domingo, 13 de outubro de 2024

A poesia épica medieval captou o maravilhoso que latejava na realidade


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Aquele que pretendeu que os franceses não tinham «a cabeça épica» ignorava a Idade Média.

Nenhuma literatura é mais épica do que a nossa.

Não só se inicia com a Chanson de Roland [Canção de Rolando], mas compreende mais de cem outras obras que são tão boas como ela e que continuam um tesouro a explorar.

Todas, ou quase todas, testemunham essa simplicidade na grandeza, esse sentido das imagens, que fazem do autor da Chanson um dos maiores poetas de todos os tempos.

O caráter da epopéia francesa é precisamente este tom simples e despojado que é o de toda a nossa Idade Média: os heróis não são nela semideuses, são homens, cujo valor guerreiro não exclui as fraquezas humanas.

Rolando ou Guilherme de Orange são seres todos cheios de contrastes, cuja valentia arrasta alternadamente desmesura e humildade, excesso e desalento.

Nossas epopeias não são um monótono desfile de indivíduos heroicos e de façanhas prodigiosas.

A valentia é nela estimada acima de tudo, mesmo a dos inimigos e dos traidores, e com ela o sentimento da honra, a fidelidade ao vínculo feudal.

Por isso os heróis da Chanson de Roland [Canção de Roldão] permanecem tão ricos em cores na nossa imaginação:

Rolando, bravo mas temerário, Turpin, o arcebispo piedoso e guerreiro, Olivier, o sábio, e Carlos, alto e poderoso imperador, mas cheio de piedade pelos seus barões massacrados e abatido por vezes pelo peso de sua existência «penosa».

O autor soube evocar esses personagens por imagens e gestos, não por descrições.

Todos os pormenores que ele dá são «vistos» e fazem ver; esse estandarte completamente branco, cujas franjas de ouro lhe descem até aos joelhos, coloca melhor Rolando na beleza resplandecente do seu trajo do que o faria uma descrição minuciosa à maneira moderna.

Os feitos e os gestos dos heróis, seus pensamentos e preocupações são tratados em pinceladas claras e rápidas, com uma arte infinita nos pormenores como tal silhueta, cor, reflexo de um cobre ou o som de um tambor.

São as cintilações que jorram dos «elmos claros» durante a confusão de um combate, os rubis que luzem nas «maças dos mastros» da armada sarracena, ou ainda essa luva que Rolando estende a Deus no seu arrependimento e que o Arcanjo Gabriel agarra.


(Fonte: Régine Pernoud, “Luz sobre a Idade Média”, excertos).



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domingo, 6 de outubro de 2024

Roubo de espada revela saudades da Idade Média

Durandal encravada na piedra em Rocamadour
Durandal encravada na pedra em Rocamadour
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A espada medieval “Durandal” do lendário herói Roland falecido numa batalha que ficou para a História como um modelo de virtudes cavalheirescas estava fantasticamente encravada há 1.300 anos na parede de uma rocha do santuário de Rocamadour, no sul da França.

Porém, desapareceu provavelmente roubada, segundo informações do jornal britânico The Independent. A relíquia estava envolvida numa aura gloriosa que inspirou uma tradição grandemente espalhada na Europa e na Igreja medieval.

O lendário paladino defendeu até morrer a retaguarda do exército do imperador Carlos Magno, contra um exército muçulmano nos abismos dos Pirineus, mais precisamente em Roncesvales.

Ela se encontrava no santuário de Rocamadour profundamente encravada na pedra a 10 metros de altura e em virtude de seu tamanho, a arma era considerada inatingível.

Roland en Roncesvales segura Durandal e chama a Carlos Magno Wolfgang von Bibra (1862–1922),  Burg Brennhausen
Roland em Roncesvales segura Durandal e chama a Carlos Magno
Wolfgang von Bibra (1862–1922),  Burg Brennhausen
Malgrado a aura fantástica que envolve a espada, o roubo abalou a cidade de Rocamadour.

O prefeito, Dominique Lenfant deplorou o crime porque a espada é uma referência para os moradores e visitantes da região. “Vamos sentir falta de Durandal” afirmou ao jornal local La Dépêche, que na ocasião esqueceu seu passado laicista.

“Rocamadour sente que foi roubada de uma parte de si mesma. Mesmo que seja uma lenda, os destinos de nossa vila e desta espada estão entrelaçados” disse.

No poema “La Chanson de Roland” (“A Canção de Rolando”) do século XI, a espada é descrita como símbolo do heroísmo abençoado por Deus, como uma relíquia sagrada pelo holocausto dos heróis cristãos.

Segundo a lenda, Carlos Magno teria recebido a arma de um anjo e a repassou para Roland, seu sobrinho.

“La Chanson de Roland” canta o herói como o último combatente com vida na batalha de Roncesvales, que antes de morrer tenta num esforço extremo quebrá-la numa rocha para impedir que caia nas mãos dos islâmicos, mas não consegue e então se deita sobre ela para morrer.

O combate de Roncesvales não pode ser verificado pelos arqueólogos, mas os eruditos dedicaram estudos e mais estudos ao ensinamento moral da “La Chanson de Roland”.

Ela aparece como uma requintada aula, um verdadeiro e próprio manual em verso, que ensina a pureza do catolicismo na ordem temporal admirado e que se desejava praticar, no “tempo em que a filosofia do Evangelho penetrava todas as instituições” segundo o Papa Leão XIII definiu a Idade Média.

Roland bate Durandal contra a pedra, le musée du vitrail, Curzay sur Vonne
Roland bate Durandal contra a pedra, Le musée du vitrail, Curzay sur Vonne
Quando tudo se confabulou contra essa visão ultra católica e se diria que estava morta, o vulgar assalto mostra quão viva se encontra em muitas almas e se pensa se não é a solução dos problemas universais.

Rocamadour alberga um famoso santuário medieval consagrado a Nossa Senhora que atraia peregrinos durante séculos provenientes de muitos países, incluídos, reis, bispos e nobres, observou “The Telegraph” de Londres.

A espada é considerada tão preciosa que quando o Museu de Cluny em Paris quis exibi-la em 2011, toda uma equipe de segurança e de autoridades a acompanhou em sua jornada de Rocamadour até Paris.




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domingo, 29 de setembro de 2024

A cavalaria é a sucessora terrestre da milícia de São Miguel Arcanjo


Luis Dufaur
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O pensamento da Idade Média está penetrado em todas suas partes por crenças religiosas.

De um modo análogo está embebido do ideal cavalheiresco, i. é, do pensamento daquele grupo que vive na esfera da corte e da nobreza.

As crenças religiosas estão postas a serviço deste ideal.

O feito de armas do arcanjo São Miguel contra Lucifer foi ‘a primeira batalha de uma proeza que jamais conseguiu ser igualada’.

O arcanjo é o antepassado da cavalaria ‘milice terrienne et chevalerie humaine’ -- ‘milícia terrena e cavalaria humana’.

A cavalaria é a sucessora terrestre do exército dos anjos em torno do trono do Senhor.

 

Autor: Johan Huizinga, “El Otoño de la Edad Media”, Revista de Occidente, S.A. Madrid, 1965, 6ª. ed., p. 101.



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domingo, 22 de setembro de 2024

Por quê o Monte de São Miguel Arcanjo foi consagrado ao Príncipe das Mílicias Celestes

Luis Dufaur
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Segundo as crônicas, no ano 708 o Arcanjo São Miguel apareceu duas vezes a Santo Aubert –– Bispo de Avranches, cidade situada no fundo da baía — ordenando-lhe que erguesse uma capela em sua honra no rochedo que então se chamava Monte Tumba (ou Túmulo).

Inseguro quanto à realidade da visão, o bispo protelou a construção da capela.

Apareceu-lhe então pela terceira vez São Miguel, tocando-lhe a cabeça com o dedo, de tal modo que Aubert não pôde mais duvidar.

Esse sinal ficou marcado indelevelmente no crânio do santo, durante muito tempo exposto no tesouro da basílica de São Gervásio, de Avranches.

Há exatos 1300 anos, em 16 de outubro de 709, Santo Aubert consagrou ali a primeira igreja em honra do Arcanjo, e o monte tomou a partir de então o nome do Chefe da Milícia Celeste.

Durante a Idade Média, o Monte São Miguel tornou-se um dos mais importantes centros de peregrinação, ao lado de Roma e de Santiago de Compostela.

Os penitentes tomavam o “caminho do Paraíso” em busca do auxílio do Arcanjo.



Autor: Wilson Gabriel da Silva




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domingo, 15 de setembro de 2024

A construção com os materiais da região

Bruges, na Bélgica.
Bruges, na Bélgica.
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Sabe-se na Idade Média que não existe conforto sem paredes espessas servindo de proteção.

Segundo os recursos do local, são construídas em tijolo ou em pedra talhada, no caso dos ricos.

Na maior parte dos casos, mistura-se madeira e adobe, como acontece um pouco por toda parte até aos nossos tempos.

Constrói-se no chão toda a armadura da fachada, em vigas sabiamente unidas umas às outras.

A seguir procede-se de uma só vez ao levantamento, com a ajuda de cabrestantes, macacos e polés, para depois se guarnecer os interstícios com tijolos ou com o material usado na região.

As igrejas que nos restam dão em geral a nota do aspecto das casas.

No Languedoc triunfa o tijolo rosa, que dá um brilho tão particular às igrejas de Toulouse ou de Albi.

Kayserberg, na Alsácia, França.
Kayserberg, na Alsácia, França.
Em Auvergne constrói-se em pedra, aquela sombria pedra de Volvic de que a catedral do Puy ou a de Clermont-Ferrand fornecem imponentes exemplos.

Nas regiões de terra argilosa, como no Midi provençal, casas e monumentos são cobertos de telhas, que tomaram ao sol essa cor de mel tão característica em aldeias como Riez ou Jouques.

Na Borgonha a telha é de preferência envernizada, rebrilhando os telhados em cores ofuscantes, como no hospício de Beaune e Saint-Bénigne de Dijon.

Na Touraine, no Anjou, utiliza-se a ardósia extraída na região.

E quando as igrejas não são abobadadas, apenas emadeiradas como acontece frequentemente no norte e em torno da bacia parisiense, é porque as florestas, mais numerosas do que as pedreiras, tornavam este modo de revestimento mais econômico.

Nessas regiões, as residências dos particulares eram quase sempre cobertas de colmo, mesmo na cidade, o que não deixava de aumentar os riscos de incêndio.


Leis municipais ditadas pelo costume e os usos locais

Beehive Cottage, em Lyndhurst. Grã-Bretanha. Exemplo de casa camponesa.
Beehive Cottage, em Lyndhurst. Grã-Bretanha. Exemplo de casa camponesa.
Um pouco em toda parte, as autoridades municipais prescreviam aos habitantes medidas de prudência para evitar os sinistros.

O toque de recolher não tinha outra razão de ser.

Em Marselha recomenda-se aos armadores, quando procedem à brusque (operação que consiste em aquecer a quilha do navio em construção, para o besuntar mais facilmente de pez), que vigiem a chama para esta não ultrapassar uma certa altura.

Dizem os estatutos da cidade: “Nem sempre está ao alcance do homem conter as chamas que ele próprio ateou”.

Após um incêndio que ocorreu em Limoges em 1244, destruindo vinte e duas casas, mandou-se construir vastos reservatórios de água, aonde os burgueses se vinham abastecer em caso de alerta.

Quando se declarava um incêndio, era dever de todos acorrer com um balde d’água ao toque a rebate.

Toda a gente devia colocar outro balde diante da porta de casa, por precaução.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)







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