Leão na catedral de Sessa, Itália |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
No site do prof. Ricardo da Costa, Professor Associado I de História e Filosofia Medieval da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro de numerosas academias, o leitor encontra artigos e documentos de grande valor para o conhecimento da Idade Média.
Os medievais tinham uma visão ao mesmo tempo muito prática e altamente simbólica da realidade. Eles partiam da observação material e se elevavam facilmente até as culminâncias da metafísica e da teologia como quem sobe e desce pelas ladeiras de uma colina florida.
Eis um exemplo tirado pelo prof. Costa de um Bestiário medieval. Os Bestiários são livros típicos da era medieval que alimentavam essa contemplação da ordem natural.
O exemplo expõe o simbolismo do leão e os ensinamentos que Deus pôs nesse animal visando a elevação do homem até a Sabedoria infinita:
“O que em grego se chama “leão” significa “rei” em francês. O leão, de várias formas, domina muitos animais. Por isso o leão é rei. Escutai agora suas propriedades.
“Tem a expressão ardente, o pescoço grosso e com juba; o peito, na frente, é quadrado, valente e agressivo, os quartos traseiros, delgados; tem um grande rabo e as patas lisas e ágeis próximas aos pés; os pés, grossos e cortados, têm unhas largas e curvadas.
“Quando tem fome, enfurecido, trata os animais como a esse asno que urra e fala. Escutai, pois, com toda a convicção, o significado disso.
Leão, Espanha. Metropolitan Museum of Art, New York |
“Com atitude feroz e terrível vingança aparecerá aos judeus quando os julgar, pois eles obraram mal quando o cravaram na cruz, e devido a esta ação perversa não têm rei próprio.
“O peito quadrado representa a força divina; os quartos traseiros muito delgados mostram que Ele foi humano depois de divino; o rabo, a justiça que se fecha sobre nós; mediante a pata, que tem lisa, mostra que Deus é rápido, e que foi conveniente se entregar por nós; o pé, que tem cortado, mostra que Deus rodeará o mundo e o terá no punho; através das unhas, se entende a vingança contra os judeus, e pelo asno entendemos evidentemente aos judeus.
“O asno é estúpido por natureza, como diz a Escritura, e não sairá de seu caminho a menos que o arranquem dali.
“A mesma natureza têm os judeus, que são uns néscios: não creem em Deus, a não ser pela força; não se converterão, a menos que Deus lhes dê essa mercê. Escutai agora outra natureza, segundo o texto sagrado.
“Quando o leão quer caçar e comer uma presa, traça um círculo no solo com seu rabo, como está comprovado; sempre que quer apanhar uma vítima, deixa uma abertura que sirva de entrada aos animais que deseja e que quer converter em sua presa.
“Tal é sua natureza que não haverá besta alguma que possa ultrapassar seu limite, nem ir além. Isto é o que mostra a ilustração [N.T.: remete às iluminuras do bestiário], e tem um sentido figurado.
“O rabo, conforme indica o texto sagrado, é a justiça que pende sobre nós; pelo círculo, temos que entender naturalmente o Paraíso, e a brecha é a entrada disposta para nós, se fazemos o bem e abandonamos o mal; e nós somos representados pelas bestas, naturalmente.
“Quando o leão está enfurecido, golpeia com suas patas, pisoteia a terra quando se encontra desgostoso, e esta propriedade está refletida pelo desenho.
Através do leão entendemos a Jesus Cristo, e nós somos sua terra em figura humana. Então, quando nos castiga com alguma desgraça sem que tenhamos cometido maldade nem tenhamos má vontade, isto significa sua ira, e que o maltratamos de alguma maneira.
Leão de Bestiario medieval. |
“Mas Deus os acorrenta ao mal para que não cometam maldades.
“Deus ama muito a quem quer castigar; recordai, pois este é o significado.
“Também diz a Escritura que o leão tem a seguinte natureza: quando o homem o persegue, vai com o rabo apagando suas pegadas do solo enquanto foge, para que o caçador não saiba como encontrá-lo. Isto tem um grande sentido, e deveis recordá-lo.
“O leão, ao fugir, vai cobrindo suas pegadas: o rastro do leão representa a Encarnação que Deus quis tomar na terra para conquistar novas almas.
“E certamente o fez secretamente: se colocou nos degraus em que se encontrava cada ordem ‒ profetas, apóstolos ‒ até que chegou ao nosso, se converteu em homem de carne e osso, se fez mortal por nós e assim, segundo uma ordem aceitável, venceu o demônio.
Fonte: Philippe de Thaün. Le Bestiaire (ed. E. Walberg), H. Möller, Paris-Lund, 1900. In: MALAXEVERRÍA, Ignacio. Bestiario Medieval. Madrid: Ediciones Siruela, 2000. Esse é o mais antigo bestiário francês, escrito em versos de seis sílabas (3.194 versos), e segue com bastante fidelidade o texto latino do Physiologus (séc. III-V d.C.). Seu autor, de origem anglo-normanda, dedica sua obra a Aelis de Louvain, segunda esposa de Henrique I da Inglaterra (1100-1135), no manuscrito conservado em Londres; em outro exemplar, guardado em Oxford, a dedicatória é para Eleonor, esposa de Henrique II (1154-1189). Os manuscritos, ilustrados ou com vazios reservados para as iluminuras, contém prólogos em latim e indicações para o artista. Os 38 capítulos deste bestiário, editado por Walberg, estudam os quadrúpedes, as aves e as pedras (um pequeno lapidário), sucessivamente, e Philippe se refere a suas fontes como Physiologus, bestiaire, un livre de grammaire, Ysidre (Isidoro) e escripture.
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