domingo, 23 de julho de 2023

Como comiam os medievais

Refeição num lar nobre
Refeição num lar nobre
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








A maior parte dos pratos não são postos em cima da mesa. As carnes põem-se num pequeno trinchante, e o mesmo se passa com as bebidas.

O escudeiro trinchador, em geral um jovem gentilhomem, tem a função de cortar para cada convidado porções de carne. Nos romances de cavalaria — como Jean de Dammartin et Blonde d'Oxford, obra de Beaumanoir — o cavaleiro servidor da dama cumpre esse papel.

Depõem-se os pedaços diretamente sobre o prato ou sobre fatias de um pão especial, conhecido como pão de trinchar, mais compacto que o pão corrente.

Este costume subsistiu em algumas regiões de Inglaterra, onde os pratos de carne não aparecem à mesa.

Com relação às bebidas, os jarros que as contêm estão sobre um aparador, e o copeiro enche jarros e taças uns após outros, à vontade dos convivas.

Todas as cenas de banquete representam assim escudeiros e servidores indo e vindo durante a refeição, enquanto as damas permanecem sentadas, tal como os senhores de alta posição e os hóspedes familiares da casa.

Galgos de formas esguias ou pequenos caniches volteiam à procura de um pedaço para comer.

Banquete de casamento
Banquete de casamento
Os festins são muitas vezes separados por entremezes, no decurso dos quais os jograis recitam poemas ou executam números de acrobacia.

Por vezes é mesmo toda uma pantomima ou uma peça de teatro que se desenrola aos olhos dos convivas.

Põe-se cuidado extremo na apresentação dos pratos: pavões e faisões são postos de pé, revestidos com as suas penas; nas geleias, traça-se toda sorte de cenários.

O serviço compreende em primeiro lugar as sopas, de grande variedade.

Há desde os caldos complicados, muitas vezes temperados com ovos batidos, pedaços de pão torrado e condimentos inesperados como o verjus (licor de uva), até às papas de farinha, de sêmola ou de cevada, que se comem ainda nos nossos campos, e que formavam o fundo da alimentação dos camponeses.

Os franceses eram reputados como grandes comedores de sopas, tal como hoje em dia. Eram igualmente famosos pela excelência dos seus patês e das suas tartes.

A corporação dos pasteleiros de Paris alcançou justa reputação pelos patês de montaria ou de aves, que se vendiam quentinhos na rua, tartes de legumes ou de compotas, realçadas com ervas aromáticas, tomilho, rosmaninho, louro.

Nos festins dados pelos príncipes por ocasião de qualquer recepção, sobretudo a partir do século XVI, certos patês monstruosos encerram cabritos-monteses inteiros, sem prejuízo dos capões, pombos e coelhos que o temperam, entremeados de gordura de porco, temperados com cravinho e açafrão.

Eram também muito apreciadas as carnes grelhadas e assadas.

Dos molhos, cada cozinheiro possuía uma especialidade, sendo o mais apreciado o de alho, vendido já preparado para uso das donas de casa.

Cremes e pratos doces terminam a refeição. Alguns bolos como as filhoses, bolos de amêndoa e o maçapão, contam-se entre aqueles que ainda hoje apreciamos.

Como presente, gostava-se de oferecer compotas de frutas, sobretudo a muito apreciada marmelada e bombons. Eram as guloseimas mais correntes, juntamente com as compotas e os xaropes.

Uma refeição num ambiente popular.
Uma refeição num ambiente popular.
Tudo isto está evidentemente a léguas das “ervas e raízes”.

Varia com o grau de fortuna a alimentação e o refinamento que nela se põe, é claro, mas está fora de dúvida que não se venderiam nas ruas coscorões, patês e produtos exóticos como os figos de Malta, se não houvesse ninguém que os comprasse, ou se só estivessem ao alcance dos ricos burgueses.

O abastecimento destes se fazia em outra escala, e eles tinham em casa os seus cozinheiros.

Nos romances de ofício veem-se jovens aprendizes comprar regularmente pequenos patês quando vão de manhã buscar água na fonte para o consumo da casa, o que quer dizer que o seu preço não era inabordável para a sua bolsa.

E a vida no campo, embora talvez menos variada, não devia ter menos largueza que na cidade, muito pelo contrário, pois a cultura dos campos e a criação do gado davam aos camponeses facilidades que o citadino não tinha.

Quando se quer criar uma cidade, é necessário prometer isenções e privilégios para atrair habitantes.

Isso não seria necessário se o camponês fosse miserável ou desfavorecido em relação ao citadino, como nos nossos dias.

Há todas as razões para crer que da Idade Média datam as sãs tradições gastronômicas que estabeleceram tão solidamente em todo o mundo a reputação da cozinha francesa.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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