domingo, 31 de agosto de 2025

Em volta do castelo, nobres protetores e plebeus obedientes formaram uma família social

Castelo de Auzers, Cantal, França.
Castelo de Auzers, Cantal, França.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Com o correr do tempo a família do “sire” que reina sobre o primeiro esboço do futuro castelinho chamado de “motte” se multiplica em novos ramos.

Estes continuam unidos ao tronco pelo espírito de solidariedade que os anima, pelo desejo de ver crescer a sua “pátria”.

Pois “pátria” significa a “terra onde estão enterrados os pais” (do latim pater=pai).

Os artesãos e lavradores também permanecem, de geração em geração, ligados à estirpe do seu senhor.

Todos continuam a reconhecer a chefia do filho mais velho do senhor, i. é, o primogênito.

Todos vêem nele o pai comum, sucessor daquele que foi “pai” e protetor de seus pais. Dão-lhe o nome de barão, título que na origem é bastante largo.

Castelo de Pesteil, Cantal, França.
Esta família maior, oriunda da família básica e conservando os caracteres desta, é a “mesnada”.

Algumas “mesnadas” se destacam por sua prosperidade, seu vigor, sua capacidade de resistir a ataques inimigos.

Atraídos por sua fama, muitos que não se sentem em segurança em sua própria terra ingressam em seu seio, com suas famílias, encontrando ali a proteção de que necessitam e contribuindo para o seu fortalecimento e crescimento.

Com a “mesnada”, a “motte” evolui para o castelo ainda rudimentar.

Duas linhas de defesa o protegem: a primeira formada por um fosso e por uma paliçada de madeira assente sobre uma escarpa de terra, tendo na entrada um pequeno fortim avançado, a barbaça.

A segunda — separada da primeira por um fosso chamado liça, no qual havia às vezes hortas e jardins — é uma robusta muralha de pedra, entremeada de torres e circundada por um caminho de ronda, por sua vez protegido por um parapeito com ameias.

Castelo de Almansa, Albacete, Espanha
Atravessa-se essa muralha por uma porta ladeada por duas torres, dotada de ponte levadiça e de uma grade de ferro que se move no sentido vertical.

Dentro do castelo há duas áreas.

Na primeira estão as habitações dos artesãos e os abrigos dos camponeses — que já não moram dentro, mas ao redor das fortificações — onde se refugiam em caso de ataque, com suas famílias, seus bens e seus animais.

Na segunda ficam as acomodações dos companheiros e parentes mais remotos, a pequena capela (em geral sede da paróquia, centro da vida espiritual e alma dessa comunidade) e a torre de menagem, residência do barão e de sua família mais próxima, que continua sendo o centro da resistência, o último reduto da defesa.

Sobre ela, dominando tudo, a torre de vigia. Enquanto o casario é de madeira, dando ainda a impressão de acampamento, a muralha, as torres e o imponente “donjon” já são de pedra, robustos e duradouros.

(Fonte: “Catolicismo”, nº 57, setembro de 1955)


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domingo, 24 de agosto de 2025

Os mosteiros levaram a agricultura a patamar nunca visto


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
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Para Henry Goddell, presidente do Massachusetts Agricultural College, os monges salvaram a agricultura durante 1.500 anos.

Eles procuravam locais longínquos e inacessíveis para viver na solidão. 

Lá, secavam brejos e limpavam florestas, de maneira que a área ficava apta a ser habitada.

Novas cidades nasciam em volta dos conventos.

O terreno em torno da abadia de Thorney, na Inglaterra, era um labirinto de córregos escuros, charcos largos, pântanos que transbordavam periodicamente, árvores caídas, áreas vegetais podres, infestados de animais perigosos e nuvens de insetos.

Abadia de Thorney
A natureza abandonada a si própria, sem a mão ordenadora e protetora do homem, encontrava-se no caos.

Cinco séculos depois, William de Malmesbury (1096-1143) descreveu assim o mesmo local:

“É uma figura do Paraíso, onde o requinte e a pureza do Céu parecem já se refletir. [...]

“Nenhuma polegada de terra, até onde o olho alcança, permanece inculta.

“A terra é ocultada pelas árvores frutíferas; as vinhas se
estendem sobre a terra ou se apóiam em treliças.

“A natureza e a arte rivalizam uma com a outra, uma fornecendo tudo o que a outra não produz.

“Oh profunda e prazenteira solidão! Foste dada por Deus aos monges para que sua vida mortal possa levá-los diariamente mais perto do Céu!”

Mais tarde o protestantismo reduziu Thorney a ruínas, mas estas ainda emocionam os turistas.

Aonde chegavam, os monges introduziam grãos, indústrias, métodos de produção que o povo nunca tinha visto.

Selecionavam raças de animais e sementes, criavam bebidas alcoólicas e não, xaropes, remédios, colhiam mel e frutos, requintavam os produtos da natureza local.

Na Suécia, criaram o comércio de milho; em Parma, o fabrico de queijo; na Irlanda, criações de salmão; por toda parte plantavam os melhores vinhedos.

Até inventaram a cerveja como a conhecemos hoje e a champagne!

Abadia de Beauport
Represavam a água para os dias de seca. Os mosteiros de Saint-Laurent e Saint-Martin canalizavam água destinada a Paris.

Na Lombardia, ensinaram aos camponeses a irrigação que os fez tão ricos.

Cada mosteiro foi uma escola para explorar os recursos da região.

Seria muito difícil encontrar um grupo, em qualquer parte do mundo, cujas contribuições tivessem sido tão variadas, tão significativas e tão indispensáveis como a dos monges do Ocidente na época de miséria e desespero que se seguiu à queda do Império Romano, defende o historiador Thomas Woods. (veja as aulas deste professor americano legendadas em português. CLIQUE AQUI)

Quem mais na História pode ostentar semelhante feito? –– pergunta Woods.

Realmente, por mais que se procure, não se encontra.



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domingo, 10 de agosto de 2025

A espada encravada na rocha

Detalhe da espada encravada na roca, @Fabio Gismondi-Flickr
Detalhe da espada encravada na roca, @Fabio Gismondi-Flickr
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Na Toscana, Itália, há uma espada introduzida numa pedra de modo inexplicável. Ela foi fincada no rochedo por um santo no momento de sua conversão e até hoje se estuda esse mistério.


Em 1148 nascia em Chiusdino, uma vila na província de Siena, Galgano Guidotti, filho de um nobre senhor feudal.

Quando jovem, ele se mostrou um cavaleiro implacável, entregue a uma vida de devassidão, arrogância, egoísmo e violência.

Até que, em 1180, o Arcanjo São Miguel lhe apareceu e pediu que contemplasse o cume de uma colina.

Galgano viu então Jesus e Maria em pé, no interior de um templo, cercados pelos 12 Apóstolos. A presença do próprio Deus parecia envolvê-los.

Atônito, o jovem sentiu uma força invisível empurrando-o em direção ao cume do Monte Montesiepi.

San Galgano Guidotti, Pietro di Giovanni d'Ambrogio, 'Il Sassetta'  (1410–1449)
San Galgano Guidotti, 
Pietro di Giovanni d'Ambrogio, 
'Il Sassetta'  (1410–1449)
Ao chegar lá, a visão se desvaneceu e uma voz, identificada com o Arcanjo São Miguel, se dirigiu a ele novamente, dizendo: “Renuncia a todos os bens e prazeres terrenos”.

Diante desse pedido radical, Galgano se mostrou cético. O príncipe dos Arcanjos lhe fez sentir que ele tinha toda uma vida de pecado incompatível com a nobreza, pelo que ele devia expiar com penitência.

Galgano respondeu que mudar de vida ser-lhe-ia tão difícil como atravessar uma pedra com sua espada.

E para dar força ao que acabava de dizer, sacou sua espada da bainha e a cravou numa pedra próxima.

Mas eis que, em vez de a lâmina se quebrar, afundou até o cabo na rocha como se fosse manteiga...

O cavaleiro ficou tão comovido que jurou colocar uma cruz no local da aparição do Arcanjo.

De fato, o gládio afundara tanto, que só ficou sobressaindo a empunhadura, formando uma cruz.

Ele caiu de joelhos, entregou-se a Deus, renunciou a seus títulos e posses, e se retirou para uma caverna no topo do Montesiepi.

Depois construiu uma cabana ao lado da espada cravada na pedra.

Ali, pelo resto de sua curta vida, se converteu num santo ermitão dedicado a Deus e às visões que testemunhou, não sem causar espanto a seus entes queridos.

Morreu um ano depois, em 3 de dezembro de 1181, aos 33 anos.

Em 1185, pouco depois da morte de Galgano Guidotti, o Papa Lúcio III declarou-o santo.

Para preservar a espada, a Igreja construiu ao redor dela uma Capela de forma circular, que se tornou local de peregrinação, onde viajantes, peregrinos e curiosos afluíam em massa para contemplar a espada milagrosamente cravada na pedra.

Prodigioso fato confirmado


Capela de Montesiepi
Capela de Montesiepi
O gládio continua no local para ser visto e venerado por quem quiser. Porém, em nossa época revolucionária, aumentaram não os crentes, mas os céticos, que põem em dúvida fato tão maravilhoso.

Então, em 2001, padres da Capela Montesiepisolicitaram a cientistas da Universidade de Pavia estudar o prodígio, visando confirmar ou não os rumores de que não passava de uma lenda ou crendice medieval.

Foi escolhido para essa tarefa o químico Luigi Garlaschelli, “investigador do oculto”, que se destacou espalhando palhaçadas a respeito do Santo Sudário de Turim, até ser desmentido por cientistas sérios.

Primeiramente Garlaschelli descobriu, para seu espanto, que o estilo da espada correspondia àquelas feitas no final do século XII, época do milagre, fato confirmado pela datação por carbono.

Portanto, a espada não é uma falsificação nem uma réplica moderna.

Para espanto ainda maior, verificou que várias pessoas já tinham tentado retirar a espada da pedra.

Na década de 1960, um homem havia conseguido puxar parte da espada, e em 1991 outro homem fez o mesmo.

Após essas tentativas, os sacerdotes prenderam a espada com concreto ou chumbo, para garantir que o gládio não fosse quebrado.

Isso levou algumas pessoas a acreditarem que não era mais a mesma espada original e que alguém a havia substituído por uma falsa, ou que a metade inferior da espada não existia.

Mas quando o químico Garlaschelli removeu a metade superior da espada, a linha de quebra se encaixou perfeitamente, e a metade inferior da lâmina permaneceu na rocha.

Radar geológico ratifica o prodígio


A pedra com a espada no centro da capela
A pedra com a espada no centro da capela
Graças aos documentos oficiais vaticanos de canonização de São Galgano, bem como a uma série de biografias escritas por autores posteriores, a historicidade do santo está muito mais bem atestada do que a de muitas figuras históricas.

Muitos relatos contemporâneos da vida do nobre cavaleiro evocam sua vida virtuosa após a conversão e as inumeráveis graças obtidas por sua intercessão após a morte.

Cientistas da Universidade de Pavia constataram com um radar geológico que a espada estava de fato profundamente cravada na rocha e que a lâmina havia penetrado sem se quebrar.

Não puderam explicar como isso foi possível. O radar também permitiu identificar uma cavidade sob a rocha, suficiente grande para ser um túmulo, possivelmente contendo os restos mortais de São Galgano.

Os moradores acreditavam desde remotos séculos que o corpo do santo está enterrado perto da pedra, mas ninguém sabe exatamente onde.

Segundo a tradição, lobos defenderam São Galgano, já eremita, devorando um ladrão que queria roubar a espada.

As mãos do bandido ficaram exibidas na capela como um aviso a potenciais ladrões.

Até hoje se exibem, na capela de Montesiepi, as duas mãos mumificadas.

Com base na datação por carbono, determinou-se que ambas também datam do século XII.



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