Coroação de Nossa Senhora, fachada da catedral de Reims. Os anjos fazem de assistentes da cerimônia. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Primeiramente, a Idade Média tinha paixão pela ordem. Os medievais organizaram a arte como tinham organizado o dogma, o aprendizado temporal e a sociedade.
A representação artística de temas sagrados era uma ciência regida por leis fixas, que não podia ser quebrada pelos ditames da imaginação individual.
A arte da Idade Média é uma escritura sagrada, cujos caracteres todo artista deve aprender.
Ele deve saber que a auréola circular colocada por trás da cabeça serve para expressar a santidade, enquanto a aureola com uma cruz é o sinal da divindade e sempre usada para pintar qualquer uma das três Pessoas da Santíssima Trindade.
A segunda característica da iconografia medieval é a obediência às regras de uma espécie de matemática sagrada. Posição, agrupamento, simetria e número são de extraordinária importância.
A simetria era considerada a expressão de uma misteriosa harmonia interior. O artista fazia o paralelismo dos doze Patriarcas e dos doze Profetas da Antiga Lei e dos doze Apóstolos da Nova, e dos quatro principais Profetas com os quatro Evangelistas.
Esquemas desse tipo pressupõem uma crença fundamentada no valor dos números. E, de fato, a Idade Média nunca duvidou que os números tivessem relação com o poder divino, oculto a nossos olhos.
São Lucas Evangelista é representado pelo boi. Catedral de Reims, detalhe da fachada. O boi era sacrificado no Templo de Jerusalém e São Lucas nos fala dos sofrimentos que padeceu Nosso Senhor. |
É evidente que Santo Agostinho considerava os números como os pensamentos de Deus.
Em muitas passagens ele afirma que cada número tem seu significado divino:
“A Sabedoria Divina é refletida nos números e está impressa em todas as coisas”.
Da mesma forma, o edifício do mundo material e do mundo moral está baseado nos números eternos.
Nós sentimos que o encanto da dança está no ritmo, quer dizer, no número; mas temos de ir mais longe, a beleza é em si uma cadência, um número harmonioso.
A ciência dos números então é a ciência da ordem do universo, e os números nos ensinam sua ordem profunda.
Alguns exemplos nos fornecem certa ideia do método. De Santo Agostinho em diante todos os teólogos interpretaram o significado do número doze da mesma forma.
Doze é o número da Igreja universal, e foi por razões profundas que Jesus quis que o número de Seus apóstolos fosse doze. Agora, doze é o produto de três vezes quatro.
Apoio para as leituras sagradas, catedral de Reims. Ouvindo a palavra de Deus, a alma deve se elevar aos Céus como a águia que levanta vôo. |
Três, que é o número da Trindade e, por consequência, da alma feita à imagem da Trindade, simboliza todas as coisas que são espirituais.
Quatro, o número de elementos, é o símbolo de coisas materiais – o corpo e o mundo – que resultam de combinações dos quatro elementos.
O significado místico da multiplicação de três por quatro é a infusão do espírito na matéria, de proclamar as verdades da fé para o mundo, para estabelecer a Igreja Católica, de que os Apóstolos são o símbolo.
Os Doutores que comentaram a Bíblia nos ensinam que, se Gedeão partiu com trezentos companheiros, não foi sem alguma razão simbólica e que o número esconde um mistério.
Em grego, trezentos é representado com a letra Tau (T).
Mas o T é a figura da Cruz; portanto, por trás de Gedeão e de seus companheiros, devemos ver Cristo e a Cruz.
A Divina Comédia de Dante é o exemplo mais famoso, pois está ordenada em função de números.
Os nove círculos do inferno correspondem aos nove terraços do monte do Purgatório e aos nove céus do Paraíso.
Nesse poema inspirado, nada foi deixado apenas à inspiração; Dante determinou que cada parte de sua trilogia deveria ser dividida em trinta e três cantos, em homenagem aos 33 anos da vida de Cristo.
Dante aceitava a lei que rege os números como um ritmo divino, ao qual o universo obedece.
(Autor: Émile Mâle, The Gothic Image: Religious Art in France of the Thirteenth Century, New York, Harper, 1958, pp 1-2, 5, 9-15, 29).
continua no próximo post: O simbolismo divino na arte e na natureza visto pela Idade Média
Um comentário:
Fascinante saber dos tesouros da Idade Média.
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