domingo, 15 de março de 2020

Abadia milenar de Solesmes, uma arca de salvação

A vida na solidão acompanhado por Deus
A vida na solidão acompanhado por Deus
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Às cinco da manhã ainda está escuro no verão e no inverno faz muito frio.

A cidade toda de Solesmes dorme bem arroupada enquanto o velho sininho da abadia se põe a repicar com sua milenar nota.

Os monges estão sendo convocados a cantar a primeira Hora do dia.

Silhuetas silenciosas se encaminham para a igreja fazendo deslizar seus hábitos pretos sobre o chão de pedra.

De ali a pouco suas vozes entoam as antífonas, leituras e salmos à glória dAquele que os convocou ali.

“Qui bene cantat, bis orat” (“Quem canta bem, reza duas vezes”) ensinou Santo Agostinho.

Em Solesmes os monges cantam sete vezes por dia, trinta e cinco horas por semana, explica o Pe. Paul-Alain.

O brilho do olhar dos monges percebe-se a plenitude do gáudio sobrenatural que enche suas almas.



Solesmes foco de restauração do canto gregoriano.
Solesmes: foco de restauração do canto gregoriano.
O costume se repete há mil e quinhentos anos na abadia de Saint Pierre de Solesmes, na região da Sarthe, França num antegosto terrestre da vida eterna.

Não foi um milênio e meio fácil.

O inferno se abateu sobre Solesmes que foi preciso reconstruir em 1869.

A Revolução Francesa não tolerou essa antessala da Corte Celeste cujo nome o igualitarismo revolucionário não conseguia sequer pronunciar sem blasfemar.

Em 1833, entre as ruínas deixadas pelo tufão do ódio revolucionário, um jovem sonhava com os monges que outrora animaram aquele lugar destruído onde os anjos pareciam chorar.

Seu nome era Prosper Pascal Guéranger, nascido em 1805, fervente admirador dos magníficos grupos escultóricos de “Les Saints de Solesmes” esculpidos nos séculos XV e XVI.

'Quem canta bem, reza duas vezes' ensinou Santo Agostinho
'Quem canta bem, reza duas vezes', ensinou Santo Agostinho
Ele haveria de se tornar eclesiástico e reunir os recursos para comprar e restaurar o priorado.

Acabaria sendo o homem símbolo da recuperação da Ordem Beneditina no século XIX e o grande restaurador do canto gregoriano.

Dom Guéranger abriu a avenida mística dos homens que por vezes com menos de 20 anos ouviram o chamado de Deus e se embrenharam pelo que os comuns chamam de deserto.

Mas eles percebiam que o deserto estava na agitação.

O Pe. Rafael tinha se graduado em Minas e um belo futuro se abria diante dele. Mas algo de enorme lhe faltava.

“A sociedade moderna só funciona por e para o dinheiro. Mas essa não é a finalidade da vida humana! Foi então que Cristo veio me colher.

“Era como se uma luz apontasse para mim e me penetrava completamente. Eu percebia uma inteligência, uma pessoa por trás dessa luz que me dizia: ‘Eu te conheço e eu te amo’.”

No 8 de dezembro de 2011, Rafael ingressava no noviciado de Saint Pierre de Solesmes.

A soma das idades rumo à eternidade.
A soma das idades rumo à eternidade.
A agenda do monge é extraordinariamente cheia. Acordar às 5:00 horas para cantar em gregoriano Matinas às 5:30 e Laudes às 7:30h. Missa às 10:00. Canto de Sexta às 13:00; Nona às 13:50; Vésperas às 17 e Completas às 20:30.

“O canto gregoriano, como toda forma de beleza, tem qualquer coisa de Deus”, explica o prior Pe. Geoffroy.

“Se há tantos visitantes tocados por Solesmes é porque eles fazem a experiencia sensível da fé por meio do canto.

“Frequentemente as pessoas as mais afastadas da Igreja são as mais tocadas por esta experiência, ainda quando não entendem o latim, que lhes revela o carácter infinitamente sagrado de Deus”.

“Por vezes me ocorre a ideia, diz o escritor Julien Green, que estes religiosos vivem um imenso sonho litúrgico quando, na realidade, são eles que estão na verdade e somos nós que vivemos num sonho que a todo momento vira pesadelo”.

Toda manhã antes da Missa, cada beneditino lê um trechinho da Bíblia ou dos escritos dos Padres e Doutores da Igreja.

Alguns fazem verdadeiros trabalhos de pesquisa que culminam em publicações. Livros são lidos durante as refeições e a biblioteca da abadia é de uma riqueza inaudita.

Além do trabalho intelectual, eles têm o manual: alguns são padeiros, outros alfaiates, sapateiros, jardineiros, encadernadores, carpinteiros ... Todos ao serviço da comunidade monástica.

O irmão Lionel diz “eu rezo trabalhando a madeira. Com o trabalho manual o homem está chamado a participar na obra da Criação.

O trabalho manual é obrigatório
O trabalho manual é obrigatório
“E ainda cometendo erros o trabalho humano é infinitamente preferível ao da máquina.

“À perfeição maquinal se opõe a perfeição da alma humana, e de Deus que está nela, completando a obra criadora.

“Olhe esta tábua de madeira com seus nós e imperfeições: não é a imagem da alma humana com suas asperezas e seus limites que Deus vem a encher com sua graça?”

O irmão Lionel parte para atender seus pobres miseráveis que vem de toda parte da França porque sabem que em Solesmes, em conformidade com a Regra de São Bento, são recebidos como se eles fossem o próprio Cristo.

E então para o que é que serve um monge no século XXI?

“O monge por definição não serve para nada aos olhos do mundo, responde frei Geoffroy.

“Não se pode esperar de nós nem eficácia nem rentabilidade”.

Eles só fazem uma coisa aos olhos de outros: fascinam. São procurados ainda que mais não seja para passar perto deles um instante, de vê-los rezar e sentir um pouco da paz que reside neles.

“O homem no seu cerne está animado pelo desejo do infinito, diz frei Boralevi,

A vida monástica, reflexo da vida celeste.
A vida monástica, reflexo da vida celeste.
“Ele tem a necessidade de sentir que é possível existir uma relação como a que nós temos com Deus.

“Essa relação constante de coração a coração com nosso Criador é a vocação derradeira de todo ser humano”.

Alguns que batem na porta do mosteiro estão a anos luz da religião cristã, mas todos são acolhidos.

O atrativo é enorme, mas poucos são os que se engajam. É difícil renunciar às solicitações da vida moderna.

“Elas oferecem uma ilusão de liberdade e uma ideia aliás muito pálida da felicidade.

“Só a fé em nosso Salvador pode encher a alma humana, porque ela comunica uma esperança imensa”, completa frei Geoffroy.


(Fonte: “No segredo de uma abadia milenar”, Ghislain de Montalembert, “Le Figaro Magazine”, 20 de dezembro de 2019, págs. 50-61)




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