domingo, 8 de março de 2020

Cluny deu ao mundo uma civilização superior

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Continuação do post anterior: O eco da glória de Cluny superou o milênio




Por causa dos monges de Cluny, os filhos da França, em terra da França, elaboraram o ideal de uma civilização superior, continuou o acadêmico René Bazin.

Cluny foi uma grande escola de arte e de artistas. Certamente essa não foi a finalidade primeira da Ordem que visava fazer santos.

Mas como a perfeição ordena cultivar todo movimento nobre, São Bento, escrevendo sua Regra já o tinha previsto.



Capitel de uma das colunas do deambulatório de Cluny.
Capitel de uma das colunas do deambulatório de Cluny.
Desde o século VI houve artistas entre seus filhos espirituais e ateliês de arte nos mosteiros da Ordem.

Enquanto uns salmodiavam e meditavam, e outros desmatavam os bosques, outros eram calígrafos e pintavam iluminuras, enquanto mais outros entalhavam estátuas, faziam mosaicos, trabalhavam o ouro e a prata para os vasos sagrados ou compunham músicas.

Várias de suas obras mestras sobreviveram às revoluções e se conservam em bibliotecas e museus. Os nomes dos autores estavam destinados a desaparecer desde o início.

Esses artistas não pediam salário nem glória. E assim estão entre os maiores mestres da mais completa e eloquente das artes: a arquitetura.

Eles construíram milhares de igrejas, claustros e salas capitulares; criaram um estilo reconhecido até em Terra Santa.

Quando com frequência na França, na Espanha, na Inglaterra, ou na Itália se pergunta quem fez tal monumento famoso, a resposta é: Cluny.

O autor ficou ignorado, ele encaminhou toda a honra para a fonte famosa: Cluny.

As imagens e descrições antigas nos falam bem da maravilha da arquitetura da abadia.

Janelas mostram o alto nível a que se elevou a cidade circundante de Cluny.
Janelas mostram o alto nível a que se elevou a cidade circundante de Cluny.
Era um reino ordenado de uma dimensão que supera nossas imaginações. Imensa cidade monástica que em 1245 podia acolher simultaneamente ao Papa Inocêncio IV com sua corte de doze cardeais e ao rei São Luis, a mãe do rei, sua irmã, seu irmão e o imperador de Constantinopla além de outros príncipes menos importantes.

E as crônicas acrescentam: “Malgrado esse número incontável, os monges jamais tiveram problemas em seu refeitório, no seu capítulo, na sua cozinha, em seu celeiro e em nenhuma outra atividade conventual”.

A cada ano, Cluny atendia as necessidades de 17.000 diárias de romeiros pobres, ou simples viajantes, aos quis fornecia uma libra de pão, carne, peixe e uma moeda de prata.

Cada grão de trigo para fazer a hóstia do Santíssimo Sacramento era escolhido um a um, era moído com uma mó recoberta de pano branco, enquanto os monges cantavam salmos e o forno era aquecido com madeiras de lei.

Relicário de Cluny
Relicário de Cluny
Mas veio a decadência.

A santidade que triunfara sobre a barbárie, vícios e violências, que derrotou a mata, os pântanos e os animais selvagens, se debilitou.

Resistiu menos tempo às insidias da riqueza. De suas grandes entradas a parte maior ia para as esmolas.

Mas Cluny tentava a rapacidade do fisco.

O poder real lhe tirou a nomeação dos abades e ela ficou uma comenda que o poder temporal dava a seus apaniguados.

O poder civil lhe usurpou as liberdades enquanto a realeza ela própria sucumbia à Revolução.

A Revolução Francesa só fez com dar o tiro de graça a uma morte que vinha se alastrando. Em 1789, Cluny havia atingido o auge da decadência.

Só ficava intacto o prédio material e obras de caridade na cidade. Até que foi dinamitado.

A sanha revolucionária saqueou tudo. Na França coberta de ruínas não havia outras que fossem tão espantosas e irreparáveis.

Pergunta-se como foi possível que as cidades vizinhas que lhe deviam a existência e a prosperidade permitiram morrer uma tal riqueza.

Parte gótica de Cluny III, reconstituição virtual.
Parte gótica de Cluny III, reconstituição virtual.
É verdade que os cidadãos de Cluny repeliram pela força o primeiro bando de incendiários, dos quais apressaram trezentos e enforcaram alguns em 1789.

Mas, até no Consulado napoleônico, eles se contentaram com assinar inúteis petições para salvar a abadia.

Por ordem de Napoleão, a imagem do Paraíso foi dinamitada e suas pedras, vendidas como vil material de construção, serviram até de pavimento de uma estrada para invadir a Itália.

Pouco sobrou da imagem da Jerusalém que desce dos Céus no encerramento do Apocalipse.

Menos uma coisa: o desejo espalhado de que essa maravilha não pode ter morrido e que um dia voltará com um esplendor que não conseguimos hoje sequer imaginar.





AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.