domingo, 23 de agosto de 2020

Como os medievais eram sensíveis para a sublimidade

Francês medieval: modelo de generosidade e desprendimento cavalheiresco
Francês medieval: modelo de generosidade e desprendimento cavalheiresco
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A França do tempo das Cruzadas passava por ser a nação franca por excelência.

Mas a nação franca no melhor sentido da palavra, quer dizer, generosa, desprendida, larga, cavalheiresca.

Veneza nunca foi tida como nação franca. Era uma nação mercadora.

Na Idade Média se considerava os mercadores com a sobrancelha carregada e cheio de desconfiança.

Veneza justificou muito largamente esta desconfiança!

Era uma cidade brilhante, bonita, meio impudica e pecadora e que tantas vezes traíra e iria trair o Ocidente com os seus contratos com o Oriente.

Pois tratava-se de conseguir os navios de Veneza para transportar cruzados à Terra Santa.

Foi, por ocasião da IV Cruzada, uma delegação de franceses – mas uns franceses provavelmente ainda meio alemães, e tendo o mérito e a glória de ambas as coisas somadas – chefiada por Geoffroi de Villehardouin (1150/54 –1212/18) marechal de Champagne.

Ele próprio contou como foi o desempenho da missão na crônica “Conquête de Constantinople”.

Extraordinária sensibilidade para o sublime. Catedral San Marco, Veneza.
Extraordinária sensibilidade para o sublime. Catedral São Marcos, Veneza.
Eles entram em Veneza em 1201 e falam com o governo. Primeiro, a tentativa com o Doge e com o Conselho de Dez.

O governo convoca sucessivas Assembleias dos órgãos de governo muito alambicados de Veneza. Chama a Assembleia de Dez, que deliberava.

Referendo da Assembleia de Vinte a qual, tendo aprovado, era preciso ouvir um Conselho de Quinhentos que, quando aprovado, era preciso ouvir a Assembleia de Dez mil.

Quando a Assembleia dos Dez mil tinha concordado, reunia-se todo o povo e perguntava-se se o povo queria.

Os franceses dirigem-se ao Doge de Veneza. Então, os venezianos movidos, ou por razões financeiras ou por razões de zelo talvez, começam a se comover. Os conselhos são sucessivamente convocados. Vencidos todos os obstáculos, convoca-se o povo...

Os franceses vão para a igreja de São Marcos, “uma das mais belas e magníficas igrejas que se possa conhecer”. Ato preliminar para todas as deliberações importantes durante a Idade Média: celebra-se uma missa.

E depois, dentro da Igreja de São Marcos, cheia de venezianos, o Marechal dirige a palavra ao povo. E o discurso dele é o seguinte:

“Oh venezianos, os mais altos e poderosos barões da França nos enviaram aqui, para vos rogar, em nome de Deus – notem a humildade – para que tenhais piedade de Jerusalém e tomeis vingança da vergonha de Jesus Cristo. Nós vós rogamos a vossos pés”.

Sublimidade até nos aspectos prosaicos da vida. Veneza
Sublimidade até nos aspectos prosaicos da vida. Veneza
Todos se ajoelham, põem as mãos e dizem: “ficaremos assim até que nos deis o vosso consentimento”. E ficaram assim até o povo responder.

O povo, vendo tão altos barões, e o marechal de Champagne, ajoelhados diante deles, começou a chorar, a dar gritos, a manifestar o seu aplauso.

O Marechal de Champagne contou que na igreja, na praça e nas ruas vizinhas era um estrondo de comoção e de alegria.

As pessoas se abraçavam e prometiam tomar a cruz. A tal ponto que ele teve a impressão de que a terra se partia.

O Dodge, então, foi ao púlpito e falou ao povo declarando a resolução tomada: estava resolvido partir.

Foi a emotividade e a capacidade do povo se arrastar diante da sublimidade do ato. O povo todo se desencadeia e toma a cruz.

Vemos aqui uma espécie de impressionabilidade popular, que é da maior importância para compreendermos bem a alma medieval.





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3 comentários:

Giovani Rodrigues disse...

Recebo atualizações deste excelente blog em meu Reader. Teve uma que gostei muito: "Assim falava um chefe de estado medieval - Discurso de Carlos Magno". Por que foi retirado deste blog? Como tenho a postagem que foi apagada, gostaria de saber se posso publicar em meu blog www.euricozine.blogspot.com
É um texto encantador.
Abraço,
Giovani Rodrigues

Luis Dufaur disse...

Prezado Giovani,
O Sr. vai rir, mas como o Sr. tem blogspot.com vai entender.
Estávamos preparando a matéria, mas faltava ilustração. Tentamos salvar para seguir trabalhando depois, e erramos: apertamos publicar! e saiu do jeito que estava.
Assim que percebemos o erro, tiramos do ar, mas sairá neste domingo.
Faça como o Sr achar melhor.
Abraço

Giovani Rodrigues disse...

hehe acontece...
obrigado, Sr. Luis.
Publicarei citando a fonte.

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